sexta-feira, 21 de junho de 2024

Ora essa!

 

Não é só motivo de regozijo, está visto, é também de interesse nosso, como bem o informa ALEXANDRE BORGES, que usa o toucinho como modelo exaltador.

É o prestígio, estúpido!

Pedir-nos que apoiemos alguém para um importante cargo internacional só porque é “dos nossos” é talvez a esperança naquela coisa muito portuguesa de ter um primo nas finanças ou um cunhado na polícia.

ALEXANDRE BORGES Escritor e argumentista

OBSERVADOR, 20 jun. 2024,

Os portugueses são, por larga margem, o povo mais porreiro do mundo: cá dentro, podemos dizer uns dos outros o que Maomé não disse do toucinho; mas, no dia em que o nosso pior inimigo se apresente a uma entrevista de trabalho lá fora, ai de quem diga mal. Não, senhor. Este é dos nossos. Do melhor que há! Fiquem descansados que não podiam ir mais bem servidos. Recebam-no, como mandou escrever o outro na lápide da falecida, com a mesma alegria com que nós o mandamos.

Dizem que é por causa do prestígio. Por causa do prestígio, era péssimo para Portugal, mas está óptimo para a Europa. Que prestígio? Do que, alegadamente, advém para o país por ter um dos seus nestes altos cargos internacionais. O que é estranho, porque não me lembro de Portugal ter ganho coisa nenhuma nos dez anos em que Durão Barroso foi Presidente da Comissão Europeia – até passámos um bocadinho mal, veja lá se está lembrado, durante a crise das dívidas soberanas. Será que a nossa vida melhorou desde que António Guterres é Secretário-geral da ONU? Então, e quando Mário Centeno foi Presidente do Eurogrupo? Lembram-se da loucura que foi? De como nem sabíamos o que fazer a tanto prestígio? Não? Ingratos.

É estranho. Tanto português que tem ocupado os mais altos cargos internacionais e continuam a só nos conhecer pelo Ronaldo. Tal como nós, em princípio, conhecemos mais a Noruega pelo bacalhau do que por Jens Soltenberg ou a Bélgica mais por Tintim do que por Charles Michel – e nem precisou de existir (o Tintim, queremos dizer). E é assim que deve ser. Porque, justamente, não haveria coisa mais desprestigiante se, por acaso, o Presidente do Conselho Europeu, ou a da Comissão, ou o Secretário-Geral da ONU, ou o da NATO, exercessem os seus cargos, por definição, supranacionais, com vantagem para os respectivos países de origem.

Pedir-nos que apoiemos alguém para um importante cargo internacional só porque é “dos nossos” é talvez a esperança naquela coisa muito portuguesa de ter um primo nas finanças ou um cunhado na polícia: nunca se sabe, pode dar jeito. A esquerda apoia por razões óbvias, a direita porque, pura e simplesmente, não aprende. Afinal, 20 anos depois, a esquerda continua a dizer que Durão “fugiu” para Bruxelas. Vítor Gaspar mostrou para quem trabalhava quando foi para director de Finanças Públicas do FMI. E a Álvaro Santos Pereira, hoje economista-chefe da OCDE, nem se dão ao “prestígio” de se lembrarem dele.

Aliás, a possibilidade de António Costa querer “fugir para a Europa” a meio do mandato era, ainda há pouco mais de dois anos, antes das eleições que dariam a maioria absoluta ao PS, uma das grandes armas da campanha da direita. E aqui estamos nós, uma queda de governo e umas legislativas depois, mais parágrafo, menos parágrafo, mais caso de corrupção, menos suspeita, mais 75 mil, menos 75 mil no escritório do chefe de gabinete, mais crítica à intromissão da justiça na política, menos crítica, unidos em torno do apoio ao cavalheiro como quem pede votos para a nossa canção no Eurofestival. Mesmo que seja a Suzy com o “Quero ser tua”.

Se isto ainda servisse de moeda de troca nalgum acordo interno entre AD e PS para deixar respirar o governo para lá do orçamento de Estado, ainda era como o outro – o cargo é mais ou menos anódino e Costa é, de facto, cinturão negro em não atrasar nem adiantar –, mas é ver o histórico negocial de Montenegro, a começar pela questão da Presidência da Assembleia da República, para ter acerca disso as maiores dúvidas.

Em princípio, isto é mesmo o que é: uma daquelas rusticidades que Marcelo adora, sobretudo quando precisa de se desviar de algum assunto realmente importante. Boa para aqueles discursos de pretenso orgulho pátrio, que falam do tamanho da Z.E.E. e de pastéis de nata. Ou não estivéssemos a falar do primeiro-ministro segundo o qual receber a Liga dos Campeões em Portugal, sem público por causa da Covid, era um prémio para os profissionais de saúde, a cujas reivindicações não atendeu antes, durante nem depois dessa mesma Covid. Sim, é deste nível de prestígio que estamos a falar: Costa na Presidência do Conselho Europeu é mais uma glória de que nos gabarmos aos turistas no tuk-tuk, enquanto lhes impingimos pastéis de bacalhau com queijo da serra. Para mal dos pecados, all too very typical.

UNIÃO EUROPEIA    EUROPA    MUNDO    ANTÓNIO COSTA    POLÍTICA     DURÃO BARROSO    PAÍS    ANTÓNIO GUTERRES

COMENTÁRIOS (de 47)

Maria Paula Silva: Muito bom!! como é que uma coisa que pode ser dita em 2 linhas, estilo: "ehpa, lá vai mais um maçónico ocupar um grande tacho europeu para ficar com a vida garantida até morrer sem precisar de trabalhar e o piroso do Montenegro está a dar-lhe graxa", pode dar um texto tão bom? só o AB : Permita-me relembrar apenas um pormenor, a Liga dos Campeões em Portugal, sem público por causa da Covid, vergonha de prémio vergonhoso para os Enfermeiros que reclamavam aumentos salvo erro desde 2018 sem feed-back governamental, afinal teve público porque a Dra. Graça Freitas e sua ajudante Tremida agora grande eurodeputada, outra maçónica com um grande tacho pra vida, vieram depois a público anunciar que não havia perigo de contágio... tal como na Fórmula Um no Algarve em 2021. Havia muita "coerência" entre os governantes nessas alturas covidescas, numa semana, por exemplo, o PM, o PR, Dra. GF e a Tremida diziam todos coisas diferentes sobre o mesmo assunto. Obrigada, AB, adorei. p.s. - isto de ter boa memória às vezes é uma chatice, cada vez mais gostava de ser como diz a Bíblia "abençoados os pobres de espírito".  Deve ser um sossego.               Tim do A: A AD apoiar Costa é um acto de violação, é um acto próprio de um corrupto.                   Maria Paula Silva > Tim do A: é o síndroma de Estocolmo ahaha               Fernando CE: Com Costa, este ainda põe amigos sem contrato a tratar de importantes assuntos europeus, para poupar o erário do Conselho , a exemplo do que fez na TAP. Costa não tem estrutura de estadista.                    Coxinho: Artigo muito bom. Mas eu ainda preferiria um artigo diferente, mais curto e a terminar com um Estilo assim: Não será uma vergonha enviar para a Europa um aldrabão compulsivo que nunca soube governar?                   bento guerra: É o golpe, estúpido! Não digo que o tal "parágrafo" tenha sido escrito pelo Costa, mas com o Galamba em escuta, há quatro anos, ele sabia que viria a oportunidade para saltar em andamento e como vítima (lembram-se do passeio noturno, em enlevo com a sua mulher e as televisões?). Mais, se falhar o tachão de Bruxelas, vem a hipótese B, de candidato a Belém, emprego também com grande prestígio               Lupus Maris: Conseguem imaginar o Pedro Nulo a defender "com unhas e dentes" o Passos Coelho para um qualquer cargo internacional?...                 José B Dias: PSD(ois) ... e a necessidade de admitir que o Ti Célito estava certo ao dar nota da ruralidade do senhor que dizem ser primeiro-ministro!                   Francisco Almeida: Hoje Alexandre Borges ascendeu ao nível dos grandes cronistas do Observador.                     Ronin: O PSD não é um partido de direita e esse é um problema que pode fazer com que desapareça como o CDS.                    Zé Colmeia: Se "os portugueses são o melhor povo do mundo", daí se segue logicamente que "isto é muito bom para Portugal, o nome de Portugal é falado por esse mundo fora e a marca Portugal sai valorizada". Assim, "Portugal anda nas bocas do mundo" e os turistas acorrem às carradas. (Naturalmente que as citações são patacoadas que já ouvi a "responsáveis" por qualquer coisa, desde o Dakar à presidência).                    José Manuel Pereira: Ele que vá que já não o suporto mais por cá, é que se não for ainda me arrisco a ter de o aturar como presidente da república... o que é de ir às lágrimas...     José B Dias > Maria Paula Silva: Efectivamente o conhecimento dos factos e a sua memorização parecem às vezes ser uma punição ..  João Mourão: Um bom artigo.

 

Nenhum comentário: