Da Macedónia, só me resta, de tempos remotos – meus, naturalmente, mas
sobretudo dela, em continuidade do estudo da Grécia Antiga, a figura vigorosa
do rei
Alexandre Magno, dos
grandes – se não o maior – conquistadores, na História dos mundos, nome que
mais tarde recuperei na leitura repetida da MARÍLIA DE DIRCEU, de Tomás António Gonzaga, no paralelo
exaltador dos amores pessoais juvenis de “Dirceu”, e que me ficaram, em parte,
na cabeça, naqueles tempos de deslumbramento livresco repetido, e que reponho
aqui, como lição dos nossos clássicos oitocentistas, extraídos da pródiga
Internet, na preguiça de os procurar na estante, lição que tantos
pseudo-Alexandres destes tempos de cobardia ameaçadora por força de armas de
maior poder, mandam empunhar sem risco próprio:
«Lira XXVII: Alexandre, Marília, qual o rio, Que engrossando no inverno tudo
arrasa, Na frente das coortes Cerca, vence, abrasa As cidades mais fortes. Foi
na glória das armas o primeiro; Morreu na flor dos anos, e já tinha Vencido o
mundo inteiro. Mas este bom soldado, cujo nome Não há poder algum, que não
abata, Foi, Marília, somente Um ditoso pirata, Um salteador valente. Se não tem
uma fama baixa, e escura, Foi por se pôr ao lado da injustiça A insolente
ventura….» (in “Marília de
Dirceu”)
Não, nunca tive a possibilidade de viajar como TIAGO DE OLIVEIRA CAVACO
e outros amantes das viagens, e fico grata a todos os que o podem ou puderam
fazer para o traduzir com brilho, mesmo os que se ficaram pelas “Viagens na minha Terra” de idêntica
sedução espiritual.
No caso de Escópia,
que procurei aprofundar também na Internet, achei graça ao termo, que me levou
a um passado de algum estudo grego, para lembrar “skopéo”, significativo de “ver”,
que o “caleidoscópio” exemplifica, em
beleza multiplicada.
Também de beleza se trata, neste texto de T.O.C.– a beleza de um mundo visível hoje, por alguma sociedade –
generosa - de hoje, mundo reportado a um passado de fracas luzes, que foram as
nossas, de foro puramente livresco, mas que amamos reviver mais concretamente,
ainda que só através do descritivo alheio, mais palpável, complementado com as
imagens captadas na mesma Internet do nosso deslumbramento constante.
A
leste do Leste
A Escópia de hoje na boca dos que
de lá são é sobretudo lamentada, na boca dos gregos só com muito esforço não
descamba em sarcasmo. Talvez também por isto a cidade merece mais do que
elogios óbvios.
TIAGO DE OLIVEIRA CAVACO Pastor
Baptista, colunista do Observador
OBSERVADOR, 02 jun. 2024, 00:154
Devo ser sincero e admitir que
não me recordo de ouvir falar de Escópia até 2024. Foi
preciso ser convidado para palestrar numa conferência evangélica para ter noção
da capital da Macedónia do Norte.
Eu, que planeio escrever em breve um livro contra viajar, reconheço que
por vezes voar de um lado para o outro pode reduzir a nossa sempre
espantosa ignorância.
Por outro lado, também é verdade que a
geografia que resultou da dissolução da velha Jugoslávia convida estudo e
atenção. Pela minha parte posso dizer que entrei oficialmente na minha fase
balcânica e que agora quase tudo dessa região me interessa. Comecei,
por exemplo, a ver um estupendo
documentário da BBC que encontrei no YouTube que conta a ascensão e queda de Slobodan Milosevic. Como é que passei tanto
tempo a leste do leste?
Deixem-me escrever-vos, breve mas
entusiasmadamente, acerca de Escópia. O
entusiasmo não é o do fã mas o do fascinado. A minha chegada à cidade foi marcada sobretudo
pela minha ignorância e pelo facto de, no grupo que me recebeu, uma maioria ser
de gregos. A Escópia de
hoje na boca dos que de lá são é sobretudo lamentada, na boca dos gregos só com
muito esforço não descamba em sarcasmo. Talvez também por isto a cidade merece
mais do que elogios óbvios ou censuras instantâneas. Não deveríamos nós tratar
as cidades como tratamos as pessoas complicadas que amamos?
Para nós, portugueses, que estamos há
quase 900 anos de fronteiras definidas, parece
outro mundo aquele que ainda ontem foi disputado por guerras ou invasões.
Assim como referências históricas óbvias, Escópia fez parte da Roma
que sobreviveu por mais um milénio à queda de Roma, o chamado Império
Bizantino, para se tornar de seguida Otomana e, portanto, também muçulmana. Como se
isso já fosse pouco, no Século
XX teve Sérvios a mandar, foi depois feita parte da Jugoslávia até se tornar
oficialmente Macedónia do Norte em 1991. Numa
terra assim, não se está numa terra mas em muitas ao mesmo tempo: há
macedónios, há albaneses, há sérvios, há búlgaros, há romenos, há ciganos, há
turcos, há um mundo inteiro e em modo intenso.
Arquitectonicamente reflecte-se esta
Babel em, pelo menos, três cenas completamente distintas: há lugares como os antiquíssimos bazar otomano, mesquitas
e igrejas que nos enviam para épocas arcaicas; há lugares da inconfundível
arquitectura brutalista soviética (que suscitam cultos estéticos na juventude),
e há os lugares recentes que, como direi, traem qualquer passado, presente ou
futuro. Estes lugares recentes resumem-se sobretudo num
projecto de reconstrução do centro da cidade chamado “Escópia
2014” e por terminar em 2024 (isto
ainda consequência de um terrível terramoto em 1963). Depois das ruínas do comunismo, o próximo
candidato a arruinar Escópia parece ser uma forma de patriotismo forçado que se
materializa numa construção pavorosa de grandes edifícios e estátuas ao pior
gosto “neo-clássico”. Com razão, muitos falam de uma injecção forçada de
identidade macedónica artificial à Las Vegas. É preciso estar lá para
acreditar.
Os da Macedónia do Norte que ouvi,
lembravam o passado jugoslavo que me pareceu ser-lhes mais natural do que este
novo país que precisa de pedinchar aos gregos o uso do próprio nome. Imaginem um
país assim, meio forçado a ter de ser país, a ter de ser nação, a ter de
escolher a partir de um passado complexo uma identidade simples. Se é certo que
quanto mais saio de Portugal mais acredito naquilo que é específico dos
portugueses, também é certo que, quanto mais países conheço, menos simples me
parece esta história de ser um país.
Não sendo muito viajado, esta foi a
região mais oriental que visitei ao conhecer a Macedônia do Norte e a Grécia
(se Deus quiser, Atenas fica para o texto da próxima semana). O melhor
destas voltas todas talvez seja mesmo a certeza crescente de que, independentemente da orientação das nossas
viagens, nos descobrimos sempre mais a leste do que nos imaginávamos.
COMENTÁRIOS:
bento guerra: É o berço do Sol João
Floriano A primeira vez que li o termo Escópia também não percebi do que se tratava.
Estou familiarizado com Skopie onde em 1910 nasceu Madre Teresa de Calcutá.
O último local que visitei onde me senti mesmo a leste (no sentido real e
metafórico) foi o Uzbequistão: Samarcanda é deslumbrante, Taschkent vibrante
e em Kiva estamos sempre á espera de ver passar o Aladino a voar num tapete
mágico. Este ano ainda não sei se irei ou não à Albânia. Mas voltando a Escópia,
o que levou a traduzir o nome da cidade? Aproximá-la mais do ocidente? Francisco
Almeida > João Floriano: Talvez o mesmo que há anos, no
ensino liceal, obrigava ao uso de Oxónia e Cambrígia.
Está definitivamente a mudar pois até teremos um rei William filho de um
rei Carlos. Estou certo que o autor rejubila em remar contra a maré. Deve
fazê-lo sentir-se superior a um turista deslumbrado. João
Floriano > Francisco Almeida: Bom dia Francisco Ainda não lhe agradeci ter
dado pela minha falta. No verão saio bastante, mas desta vez ando a contas com
a minha coluna lombar e se é caso ou não de operar. Não me lembro de Oxónia e
Cambrígia, mas o saber não ocupa lugar.
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