segunda-feira, 17 de junho de 2024

Um pensamento honesto

 

Este de Helena Matos, de argúcia, naturalmente, e sensibilidade, ao recordar o Xá da Pérsia e as perfídias que envolveram o seu final, provindas dos Estados Unidos e o seu paralelo com a actualidade – de aconselhamentos, hesitações, protelamentos, cedências, ambiguidades … num mundo dominado por povos e ideologias de arrogância e fúria arrasadoras. Patetas e patéticas.

 

O síndrome do Xá da Pérsia

Em 1980 os EUA equacionaram entregar o Xá ao Irão para conseguirem libertar os americanos sequestrados em Teerão. Ucrânia? Israel – qual pode suceder ao Xá como o antigo aliado que se deixa cair?

HELENA MATOS Colunista do Observador

OBSERVADOR, 16 jun. 2024, 07:5282

Base das Lajes. 23 de Março de 1980. O avião que transporta o deposto xá da Pérsia, Mohammad Reza Pahlavi, está imobilizado na pista. O avião das Evergreen AirLines fez oficialmente escala nos Açores, para reabastecimento. Uma paragem que se esperava não ir além da meia hora. Mas a meia hora transforma-se em horas. Intermináveis.

Dentro do avião a preocupação aumenta. O xá da Pérsia, a sua mulher, Farah Diba e a pequena comitiva que os acompanha e que há meses andam de país em país em busca de asilo, começam a questionar o porquê da demora. A pergunta que está na cabeça de todos equivale para cada um a uma sentença de morte: estariam os EUA a negociar com o Irão a entrega do Xá? Razões não faltam aos EUA para tentar negociar: no Irão estão por essa data 54 reféns americanos. O seu cativeiro começou em Novembro de 1979, quando centenas de estudantes iranianos em fúria com o facto dos EUA terem autorizado a entrada do xá naquele país para efectuar tratamentos médicos (o xá sofria dum linfoma em estado avançado), acabaram a invadir a embaixada dos EUA e a sequestrar quem ali se encontrava.

Cinco meses depois de ter começado, a crise dos reféns tornara-se a crise dos EUA. Para mais os EUA estavam a entrar em ano eleitoral. Trazer os reféns para casa é também crucial para o presidente Carter conseguir um segundo mandato (Aos promotores da tese de que se em 2023 à frente de Israel estivesse um líder que não fosse de direita, o Hamas não teria atacado ou tendo atacado seria mais fácil negociar, recomendo que regressem à crise dos reféns de 1980. Então a culpa estava no facto de Carter ser visto como uma pomba do partido Democrata. Esta aparente contradição é o resultado mais que directo de se explicar o terrorismo pela natureza das vítimas e dos seus governos e não pelos terroristas e pelas suas intenções, o que não deixa de ser revelador da nossa forma auto-punitiva de estar).

Mas voltemos à pista das Lajes nessa noite de Março de 1980. Quem se encontra dentro do avião sabe que o Irão desenvolve esforços para que o Xá seja extraditado e que existe o risco real que tal aconteça. Só não sabem que ao mesmo tempo que na pista da Lajes o avião continua parado, agora, que já está reabastecido, alegadamente porque precisa de autorização para sobrevoar certos territórios, a administração norte-americana está mesmo a negociar, naquele preciso momento, com Teerão a entrega do Xá em troca dos reféns.

O acontecido naquela noite de um domingo de Março de 1980 na pista das Lajes é uma espécie de viagem à má fé estrutural inerente ao terrorismo. O terrorista conta com a insuportabilidade civilizacional que é para a cultura ocidental (e não só) ter alguns dos seus, feitos reféns. Mas na sua lista de objectivos não se conta apenas o sequestro. Entra também o desgaste causado pelas tentativas de resgate em quem as organiza: ora porque falham, ora porque são desproporcionadas, ora porque causam vítimas, ora porque cedem, ora porque não cedem… Quando agora o líder do Hamas escreve que para Israel a vitória pode ser pior que a guerra é precisamente a esta inversão do ónus da acção que se refere.

Mas voltemos a Março de 1980 e às Lajes. Nessa noite é do domínio da cedência o que os americanos estão a preparar: entregar o xá aos iranianos. Mas a possível cedência americana foi precedida por outras mais discretas mas igualmente simbólicas: a França, que acolhera o Ayatollah Khomeini durante o seu exílio, recusa agora receber o xá depois deste ter saído do Irão em Janeiro de 1979. A Grã-Bretanha, a Suíça e a África do Sul também responderam negativamente à possibilidade de acolher o xá. Outro países nem nunca responderam.

Entre Janeiro de 1979 em que deixa o Irão e Março de 1980 em que o avião em que viaja fica retido na pista das Lajes, aquele que fora o rei dos reis, Mohammad Reza Pahlavi, passou pelo Egipto, por Marrocos (donde saíra por ameaça de rapto); pelas Bahamas onde só teve asilo por três meses; pelo México; pelos EUA (só para ser operado) e pelo Panamá donde o governo iraniano assessorado por um advogado francês (há coisas que nunca mudam nesta matéria) o tenta extraditar. É então que surge a possibilidade do Egipto. Anwar Sadat oferece asilo a Mohammad Reza Pahlavi e à sua família. Estes aceitam. Mas para chegarem ao Egipto têm de sair do Panamá e passar pelo Açores. E é aí que estão nessa noite de Março a meio da sua viagem para o Egipto. Primeiro para reabastecer. Depois a aguardar autorização para sobrevoar determinados territórios. Na realidade o avião estava imobilizado por ordem de um chefe de gabinete da Casa Branca que aguardava uma resposta perceptível de Teerão. Como esta não chegou o DC9 das Evergreen Air Lines levantou finalmente voo rumo ao Egipto. Mohammad Reza Pahlavi morreria no Cairo quatro meses depois. Sadat seria assassinado em 1981 por fundamentalistas islâmicos .

Porquê recordar isto agora? Afinal o que tem o destino de Mohammad Reza Pahlavi a ver com o mundo em 2024? Muito, se por muito se entender a política de alianças. Em 2024, uma parte do mundo pretende varrer Israel da face da Terra. Nada de novo portanto. Mas uma outra parte do mundo de que fazem parte países como Espanha ou a Noruega e dirigentes como muitos socialistas portugueses com o seu apelo ao reconhecimento sem condições do estado da Palestina preparam-se e preparam-nos para deixar cair um dos nossos. Ou metaforicamente falando para o fazer seguir a caminho de Teerão como se equacionou fazer com Reza Pahlavi.

Por outras palavras, em 2024, Ucrânia? Israel – qual pode suceder ao Xá como o antigo aliado que se deixa cair?

TERRORISMO    MUNDO    ISRAEL    MÉDIO ORIENTE    GUERRA NA UCRÂNIA    UCRÂNIA    EUROPA

COMENTÁRIOS (de 82)

Américo Silva: Uma crónica de fazer chorar as pedras da calçada, e quantos matou o Xá até chegar aos Açores?               Rui Lima: Hoje os nossos líderes e elites para acalmar o mundo muçulmano estão-lhe entregando a Europa a prestações. Para se sentirem em casa e serem numerosos, há sub­sí­dios públi­cos para asso­ci­a­ções que res­ga­tam clandestinos no mar, logo que a fron­teira seja atra­ves­sada, mesmo que seja irre­gu­lar, obtém uma auto­ri­za­ção de resi­dên­cia, um sub­sí­dio social e alo­ja­mento, recen­te­mente  alar­gou-se  o bene­fí­cio judi­ci­al aos ilegais . Para ajudar a nossa substituição quem não aceita o fim, da sua civilização é insultado como xenófobo .     Fernando CE: Não gostei do seu artigo. Algo confuso. Que chamar à invasão do Iraque pelos EUA sob o pretexto da existência de armas de destruição maciça? E outros comportamentos dos EUA muito censuráveis por esse mundo fora? Qual o comportamento dos Democratas durante a guerra do Vietnam?             MCMCA A > Maria Tubucci: Ora nem mais. Aliás o Xá caiu por obra das five sisters              Rui Lima > Américo Silva: Sabia que havia um partido comunista forte no Irão, aliado com o Khomeini derrubaram o Xá ,depois todos esses comunistas foram eliminados o Xá era um pacifista quando comparado com o actual poder que mata mulheres por elas mostrarem os seus cabelos . Por aqui, comparar a situação da Ucrânia e de Israel não faz qualquer sentido. Zelenskyy não é Netanyahu que luta pela sobrevivência política e não pelo povo de Israel. Diz-se A síndroma                José Roque: Israel é "um dos nossos"??! Só se for dos seus...               Jorge Tavares > Américo Silva: Você está a perguntar isso por whataboutismo? Diga você que vítimas houve. Seguramente são menos do as do actual regime do Irão - o regime com o maior número de execuções anuais.    Jorge Pereira: Muito interessante analogia. E os EUA são peritos em fazer cair países aliados. Em todo o caso, os judeus têm algum poder nos EUA, por isso não será provável, na minha opinião, enquanto o conseguirem manter. Mas isso seria o fim da única democracia no médio oriente. E as trevas totais na região. Sobretudo para as mulheres.            Maria Tubucci: Hoje vou ser contracorrente Sra. HM. Os EUA não vão deixar cair ninguém, pois não estão a morrer americanos nem na Ucrânia nem em Israel e a sua indústria da defesa está a bombar, e irá bombar ainda mais porque a idiota da Europa entregou a sua defesa aos EUA. Vamos ser realistas, cínicos, mais forte que as convicções é o poder do dinheiro.                Carlos Chaves: Cara Helena Matos, obrigado por nos ter trazido à memória estes acontecimentos/comportamentos  dos longínquos anos 80 e extrapolá-los para a época actual! Sempre a esquerda do lado errado da história, hoje ainda por cima contam com uma manada de idiotas úteis, saídos das suas madraças woke, com ideias incompatíveis à vida saudável em sociedade! Verdadeiros apoiantes do terrorismo! Malditos sejam!                 Vitor Batista > José Roque: O hamas é dos seus, aposto.               José Carvalho: Bem lembrado, Helena Matos! No fundo, somos todos egoístas. Somos generosos para ajudar a apagar o fogo em casa do vizinho mas, se o fogo não se apaga, um a um vamos desistindo sorrateiramente. E os políticos, dependentes da opinião pública para as suas carreiras, entregam a alma ao diabo!    Maria Tubucci > Vasco Esteves: A união interesseira entre islão+esquerda para destruir o ocidente é muito perigosa. No dia em que o islão esteja em maioria a esquerda será a 1ª a ser eliminada, não querem concorrência, tal como aconteceu aos comunas do Irão.                   António Soares: Os nossos "heróis" da Abrilada, também deixaram cair os nativos de África que nas ex colónias combateram ao lado nos nossos soldados e que não poucas vezes salvaram a pele aos "Capitães" que vieram a ser de Abril. Traidores do mais reles, que a História conheceu.                 Vitor Batista > Américo Silva: Pois pois...e quantos já matou o regime absurdo e selvagem do Irão?                  José Paulo C Castro: Ou muito me engano ou foi dado abrigo a Zelensky logo nas primeiras horas da invasão. Ele é que não quis... Mas nós temos um caso parecido em 80 e anos seguintes. Camarate. Não há reféns mas há desculpas e relatórios intermináveis e peritos americanos e deputados nacionais, tudo a jurar a pés juntos que não havia bomba nenhuma. Por acaso, estava aos pés juntos do piloto. Dizem que havia Irão na história oculta, mas de outra forma.                   José B Dias: Nada de novo nos comportamentos passados, presentes e futuros do Grande Irmão norte-americano! Mas parabéns à autora por corajosamente relembrar o que tantos preferem não ver ... Muito bem. Tem toda a razão quando escreve que em Portugal, entre outros países ocidentais, os socialistas querem "deixar cair um dos nossos", Israel. E, acrescento eu, atraiçoarem assim toda a civilização ocidental, humanista e democrática. Sim, meço bem a palavra, traidores.                     Tim do A > bento guerra: Israel não se rende, mesmo sacrificando os 120 reféns. E eu aplaudo, alguém tem de ter princípios               José Paulo C Castro > Liberales Semper Erexitque: O actual território da Ucrânia é um misto de partes do império lituano-polaco (o mais permanente na zona), depois húngaro, só depois parcialmente russo e sempre dos antigos tártaros, nas zonas agora sob ocupação. Estes últimos, subjugados por Catarina e depois expulsos por Estaline, são efectivamente algo que pode ser considerado 'russo' por conquista. Os outros, não. Seja como for, passado seja passado, em 1990-94 houve referendos para definir um novo Estado e foi reconhecido como tal. É este o ponto. O problema destas coisas é haver sempre um antigo cabo do exército imperial que não estava sentado à mesa e tem ideias de grandeza. Foi assim em 1937 a 1939. Repetiu-se em 2014 e 2022.               Antonio Rodrigues: Muito bem lembrado. A única lição da história é que nunca se aprende com as lições da história.              Liberales Semper Erexitque: A Ucrânia nunca foi nossa "aliada". Nem mesmo é um país ocidental, é muito mais russa do que ocidental. Nem mesmo é um país, é um Estado falhado, criado pelos russos não para ser independente, mas para gerirem o seu Império, o soviético que sucedeu ao czarista. Nada devemos à Ucrânia fascista, e estamos a arriscar a pele por causa dela. Que caiam os fascistas, obviamente.                 L Faria: É sempre a escumalha esquerdista que deixa cair os seus aliados. A falta de escrúpulos é uma característica de qualquer esquerdista. Na hora da verdade a falta de caráter dum esquerdista aparece. Francisco Assis diz-vos alguma coisa? Há alguma dúvida que com Trump o Hamas e Hezbollah pensavam duas vezes antes de atacar Israel? Trump pode ser doido mas fala a única linguagem que estes fdpppppp fundamentalistas islâmicos percebem.                   José B Dias > João Ramos: Já a de um presidente que parece já nem saber onde está ou o que é suposto fazer ... totalmente previsível              Liberales Semper Erexitque > L Faria: Trump é muito melhor governante do que o Brandão. Infelizmente, tem apetites dictatoriais. Só que os americanos chegam para ele.                 Vasco Esteves > Maria Tubucci: Certíssimo . Ninguém vai deixar cair Israel. Antes disso irão ser destruídos quase todos os terroristas Palestinianos . O quase é que é pena. Estes comunas infiltrados no ocidente são a maior praga que temos de exterminar.                 Lino Oliveira: Por vezes o que mais me confunde são os comentários. Concordo, isso sim, com o texto de Rui Lima. Será que estou enganado quando vejo no texto de HM a preocupação dos EUA não serem de confiança por parte dos seus "aliados"? Ocorre-me o uso de Savimbi pelos americanos enquanto ia negociando com o MPLA e depois o deu à morte por já não lhes fazer falta.       GateKeeper > Américo Silva: Para além de red-sub xuxú, também demonstra uma "ignorância" demasiado manipuladora. Só cai, só come esta palha quem quiser.                 Jorge Pereira > Rui Lima: Tem razão, a vergonha e a traição são para os nossos lideres e elite, socialista, preciso.         Abilio Silva: O regime do Irão atacou (ou fechou os olhos) à Embaixada Americana porque o habitante da Casa Branca na altura era um fracote e incompetente. Uma hora antes de o novo Presidente Ronald Reagan tomar posse, os reféns foram libertados. Também o ditador de Moscovo atacou a Ucrânia porque pensava que o Presidente Ucraniano era um fracote e palhaço. Enganou-se, meteu-se numa alhada e agora nem sabe como sair dela. O Presidente Reagan metia respeito aos adversários. Já agora lembro que Ele recebeu na Casa Branca o nosso grande Carlos Lopes depois da célebre maratona. A única nódoa negra foi a história patética da ajuda aos “contras”. Barry Seal um piloto que transportava armas para a Nicarágua por conta da Cia e no retorno carregava droga para Usa por conta de Pablo Escobar afirmou num livro que os “contras” recebiam as armas, não para combater mas para vendê-las no mercado negro para terem dinheiro para comer. Quanto à guerra entre Israel e Hamas é um caso à parte. Na minha perspetiva Israel devia concentrar-se nos grandes chefes e deixar a arraia-miúda para segundo plano.                 Liberales Semper Erexitque > José Paulo C Castro: Meu caro, olhe que você não merece aquilo que faz aqui a si próprio, aparecer a confundir Putin com Hitler. Quem não conhecer a sua participação no Observador, ficará a pensar que se trata de mais um tarado. E já há tantos por aqui...      António Dias: Excelente e pedagógica análise Quanto mais conhecemos o ser humano mais gosto de cães

 

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