Do DR. SALLES DA FONSECA a dar nos vinte, indispensável para uma
população cuja arte de argumentar facilmente se degrada em exacerbação
discursiva, quantas vezes do foro escatológico, sem o tal tento na língua como
o seu texto demonstra, as sensibilidades mais facilmente explosivas do que o
pensamento reflexivo, que requer ponderação e serenidade, sem parti pris ou, mesmo que o tenha, o parti pris, que o discurso siga claro
e conclusivo, ao invés de atrapalhado ou ofensivo, omisso na tal “semântica dos
conceitos”.
HENRIQUE SALLES DA FONSECA
A BEM DA NAÇÃO, 20.05.24
Ou
A SEMÂNTICA DOS CONCEITOS
- Os turcos
são mandriões;
- Os
espanhóis andam na rua de «traje de luces y montera»;
- Os
portugueses vestem-se como campinos.
CHEGA DE DISPARATES, HAJA TENTO NA LÍNGUA!
* * *
O moderno discurso político é sobretudo
dogmático, raramente lacónico e quase nunca axiomático; Aristóteles votado ao
ostracismo, convicção formulada por decibéis. Não há debates, mas sim discussões em tons irados e dando a entender
que os outros são mentecaptos, corruptos, indignos. Assim, nada de bom virá ao
mundo.
* * * *
A
discussão ora em curso no Parlamento Português sobre a liberdade de expressão
devia ter sido antecedida por uma tentativa de harmonização semântica de
conceitos para que, no espectáculo televisivo no Plenário, uns não falem nos
alhos e os outros nos bugalhos induzindo a confusão nos eleitores incautos. A menos
que o façam propositadamente, o que poderá denotar má-fé. Mas como isto não é
crível, mais vale o esforço da harmonia dos significados e dos conceitos.
Por exemplo quando um comunista se
refere a democracia (o Dr. Cunhal
referia-se amiúde a «um Estado verdadeiramente democrático»), significa
o despojamento das pessoas relativamente à propriedade privada até que,
aniquilada a individualidade, a mole humana fique pronta para servir o Estado.
Não vou perder tempo a descrever o que nos separa: tudo.
Uma vez clarificada a Semântica, que
se passe à análise do «politicamente
correcto» cuja estreita ligação ao bem-comum, deve proporcionar a
busca de uma plataforma tão ampla quanto possível de modo a que se criem áreas
de entendimento. E uma dessas áreas que
seja a da liberdade de expressão.
Se não houver um esforço neste
sentido, preparemo-nos para a berraria dos megafones propalando dogmas e outros
conceitos inexplicáveis.
Actualmente, o policamente correcto
Europeu consiste na tolerância dos intolerantes que militam na destruição dos
Valores europeus, nomeadamente os históricos e… mais não digo.
Maio de 2024
Henrique Salles da Fonseca
3 COMENTÁRIOS:
Antonio
21.05.2024 4:01: O Doutor Henrique Salles da Fonseca, no seu inimitável
estilo, toca no nervo sobre o que aflige as discussões Parlamentares - um
diálogo de surdos. Nota-se este comportamento em, praticamente, todos os
Parlamentos democráticos, inclusive no Parlamento inglês (a badalada mãe das
democracias modernas). No Parlamento Canadiano dá-se o mesmo.
Pergunto - como se explica isso? A meu ver: 1.Transposição de valores, permitindo pôr o interesse do Partido à
diante o interesse da Pátria 2. Abjecta
submissão à disciplina partidária
3. Mediocridade/preguiça mental que prefere deferir a necessidade de
um estudo aturado dos Projectos de Lei à opinião do grupos parlamentares
partidários. Tudo isto contribui para
espectáculos indecorosos nos Parlamentos dos Países Democráticos.
Muito Obrigado.
Adriano Miranda Lima 22.05.2024 12:42: Felicito o Dr. Salles da Fonseca pela pertinência,
clareza e assertividade deste seu texto em que nos dá conta de como o debate
político se degrada nas sociedades democráticas. Dir-se-á que a democracia se enrola no
estranho paradoxo de permitir que seja a própria liberdade - sua filha dilecta
- a urdir as suas fragilidades intrínsecas e a oferecê-las de bandeja aos seus
adversários. A concepção abstracta da liberdade deve descer ao terreno da realidade
humana para a todo o momento reavaliar o vínculo jurídico e filosófico entre a
liberdade e a democracia? Julgo que sim, porque o contrário será
como permitir a intrusão de Cavalos de Tróia no reduto da democracia. A
degradação do nosso debate parlamentar tem sido de uma evidência tal nos
últimos anos que leva a concluir que há uma estratégia assumida para liquidar a
democracia no que ela tem de mais puro e genuíno. Os seus agentes estão bem identificados, uns agindo com mais ruído e
espalhafato e outros mais disfarçadamente. A dificuldade é que a
solução do problema está somente nas mãos do povo, mediante as suas escolhas
eleitorais, e aí nada poderá fazer o legislador, de onde se conclui que cada
povo tem a democracia que merece, podendo mesmo sentenciar a sua liquidação,
conscientemente ou não, o que reedita o paradoxo apontado por Karl Popper no seu livro The Open Society
and Its Enemies.
Anónimo 26.05.2024 5:25: O decurso do
tempo faz, como é natural, que a memória para factos passados diminua e os
recentes apareçam com uma nitidez maior. As
barbaridades e os insultos que terão sido (e foram) ditos no Parlamento em
legislaturas anteriores não foram certamente em menor número, nem em menor
gravidade, do que os actuais. E se recuássemos ao Parlamento da 1ª República ou
mesmo até às Cortes, as conclusões, muito provavelmente, não seriam muito
diferentes. Li há tempos que nestas últimas, o Afonso Costa
referindo-se ao Rei D. Carlos (talvez por causa dos adiantamentos à Casa Real,
já não me recordo) terá dito algo como isto: “Por menos, subiu ao cadafalso Luís XVI”. Saiu preso, ou escoltado,
das Cortes, mas disse-o. Apesar do meu distanciamento actual aos noticiários,
apercebi-me dos episódios parlamentares (e não só) que justificaram, certamente,
o teu blog “Tento na Língua”. O que me
parece novo, Henrique, não são os despautérios que políticos dizem dentro e
fora do Parlamento, pois isso, como disse, sempre aconteceu, e com gravidade
maior. O que me parece ser novo é que eles estão a ser ditos numa conjuntura
nova, de contornos censórios crescentemente nítidos. Está-se a formar uma
cultura claramente censória sobre o que é correto dizer-se ou não. Nunca
o chamado “politicamente correcto” esteve não presente, com a inovação de o “politicamente” abranger não só os aspectos
políticos, mas também sociológicos.
Vou contar-te um “episódio” que o
ocorreu comigo há dias. Antes, porém, esclareço que um avô meu era alentejano.
Estava a reler a História de Portugal, de Oliveira Martins, quando me deparei
com um comentário do autor, que detestava os Braganças da IV Dinastia (página
538, 16ª edição/1972, Guimarães Editores). Antes de o transcrever, recordo que,
como sabemos, a Casa de Bragança nasceu
do casamento de um filho natural do Mestre de Avis com uma filha de D. Nuno
Álvares Pereira. A mãe do filho de D. João I chamava-se Inês Pires, era de Borba, e era filha de um
senhor que tinha como alcunha o Barbadão. Então, cá vai a transcrição:
“E se, porventura, as misteriosas leis da
vida têm um papel na história, força é reconhecer que na família dos Braganças
não vingou a semente da nobre raça dos Nuno Álvares; viu-se em todos eles a descendência do crasso sangue alentejano da
filha do Barbadão.”
O
que se diria hoje deste comentário? Possivelmente, será cedo para se fazer o
diagnóstico como se chegou aqui. Não vale a pena falar em crispação da
Sociedade, para justificar a situação, pois já vivemos tempos bem mais
crispados dos que os actuais, e outros anteriores aos nossos também o foram certamente,
pois até guerras ou escaramuças civis houve. O que noto, e não sei se haverá
alguma correlação, ou se é uma mera coincidência, é que “censura” começou a surgir com a pandemia do COVID, que aqueles que eram
contra a vacinação (eu apanhei todas as vacinas, esclareça-se), ou contra os
confinamentos (eu respeitei-os, sublinhe-se), ou que apontavam dúvidas à
clareza da contratação massiva de vacinas tendiam a ser calados, nem “tempo de
antena” tinham (“apagamento”, se chamava). Ao COVID seguiram-se a guerra na
Europa de Leste e depois a do Médio Oriente, para as quais uma versão das respectivas
causas e desenvolvimentos se impôs. Mais uma vez, as vozes dissonantes, com
razão ou sem ela, foram “apagadas”. As
opiniões, ainda que minoritárias, têm lugar numa Sociedade Democrática,
exigindo-se que uns e outros as expressem com urbanidade e com respeito para
com quem pense de forma diferente. Abraço amigo. Carlos
Traguelho
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