quinta-feira, 13 de junho de 2024

Mais um texto

 

Do DR. SALLES DA FONSECA a dar nos vinte, indispensável para uma população cuja arte de argumentar facilmente se degrada em exacerbação discursiva, quantas vezes do foro escatológico, sem o tal tento na língua como o seu texto demonstra, as sensibilidades mais facilmente explosivas do que o pensamento reflexivo, que requer ponderação e serenidade, sem parti pris ou, mesmo que o tenha, o parti pris, que o discurso siga claro e conclusivo, ao invés de atrapalhado ou ofensivo, omisso na tal “semântica dos conceitos”.

TENTO NA LÍNGUA

HENRIQUE SALLES DA FONSECA

A BEM DA NAÇÃO, 20.05.24

Ou

A SEMÂNTICA DOS CONCEITOS

- Os turcos são mandriões;

- Os espanhóis andam na rua de «traje de luces y montera»;

- Os portugueses vestem-se como campinos.

CHEGA DE DISPARATES, HAJA TENTO NA LÍNGUA!

* * *

O moderno discurso político é sobretudo dogmático, raramente lacónico e quase nunca axiomático; Aristóteles votado ao ostracismo, convicção formulada por decibéis. Não há debates, mas sim discussões em tons irados e dando a entender que os outros são mentecaptos, corruptos, indignos. Assim, nada de bom virá ao mundo.

* * * *

A discussão ora em curso no Parlamento Português sobre a liberdade de expressão devia ter sido antecedida por uma tentativa de harmonização semântica de conceitos para que, no espectáculo televisivo no Plenário, uns não falem nos alhos e os outros nos bugalhos induzindo a confusão nos eleitores incautos. A menos que o façam propositadamente, o que poderá denotar má-fé. Mas como isto não é crível, mais vale o esforço da harmonia dos significados e dos conceitos.

Por exemplo quando um comunista se refere a democracia (o Dr. Cunhal referia-se amiúde a «um Estado verdadeiramente democrático»), significa o despojamento das pessoas relativamente à propriedade privada até que, aniquilada a individualidade, a mole humana fique pronta para servir o Estado. Não vou perder tempo a descrever o que nos separa: tudo.

Uma vez clarificada a Semântica, que se passe à análise do «politicamente correcto» cuja estreita ligação ao bem-comum, deve proporcionar a busca de uma plataforma tão ampla quanto possível de modo a que se criem áreas de entendimento. E uma dessas áreas que seja a da liberdade de expressão.

Se não houver um esforço neste sentido, preparemo-nos para a berraria dos megafones propalando dogmas e outros conceitos inexplicáveis.

Actualmente, o policamente correcto Europeu consiste na tolerância dos intolerantes que militam na destruição dos Valores europeus, nomeadamente os históricos e… mais não digo.

Maio de 2024

Henrique Salles da Fonseca

3 COMENTÁRIOS:

Antonio 21.05.2024 4:01: O Doutor Henrique Salles da Fonseca, no seu inimitável estilo, toca no nervo sobre o que aflige as discussões Parlamentares - um diálogo de surdos. Nota-se este comportamento em, praticamente, todos os Parlamentos democráticos, inclusive no Parlamento inglês (a badalada mãe das democracias modernas). No Parlamento Canadiano dá-se o mesmo. Pergunto - como se explica isso? A meu ver: 1.Transposição de valores, permitindo pôr o interesse do Partido à diante o interesse da Pátria 2. Abjecta submissão à disciplina partidária
3. Mediocridade/preguiça mental que prefere deferir a necessidade de um estudo aturado dos Projectos de Lei à opinião do grupos parlamentares partidários. Tudo isto contribui para espectáculos indecorosos nos Parlamentos dos Países Democráticos.
Muito Obrigado.

Adriano Miranda Lima 22.05.2024 12:42: Felicito o Dr. Salles da Fonseca pela pertinência, clareza e assertividade deste seu texto em que nos dá conta de como o debate político se degrada nas sociedades democráticas. Dir-se-á que a democracia se enrola no estranho paradoxo de permitir que seja a própria liberdade - sua filha dilecta - a urdir as suas fragilidades intrínsecas e a oferecê-las de bandeja aos seus adversários. A concepção abstracta da liberdade deve descer ao terreno da realidade humana para a todo o momento reavaliar o vínculo jurídico e filosófico entre a liberdade e a democracia? Julgo que sim, porque o contrário será como permitir a intrusão de Cavalos de Tróia no reduto da democracia. A degradação do nosso debate parlamentar tem sido de uma evidência tal nos últimos anos que leva a concluir que há uma estratégia assumida para liquidar a democracia no que ela tem de mais puro e genuíno. Os seus agentes estão bem identificados, uns agindo com mais ruído e espalhafato e outros mais disfarçadamente. A dificuldade é que a solução do problema está somente nas mãos do povo, mediante as suas escolhas eleitorais, e aí nada poderá fazer o legislador, de onde se conclui que cada povo tem a democracia que merece, podendo mesmo sentenciar a sua liquidação, conscientemente ou não, o que reedita o paradoxo apontado por Karl Popper no seu livro The Open Society and Its Enemies.

Anónimo 26.05.2024 5:25: O decurso do tempo faz, como é natural, que a memória para factos passados diminua e os recentes apareçam com uma nitidez maior. As barbaridades e os insultos que terão sido (e foram) ditos no Parlamento em legislaturas anteriores não foram certamente em menor número, nem em menor gravidade, do que os actuais. E se recuássemos ao Parlamento da 1ª República ou mesmo até às Cortes, as conclusões, muito provavelmente, não seriam muito diferentes. Li há tempos que nestas últimas, o Afonso Costa referindo-se ao Rei D. Carlos (talvez por causa dos adiantamentos à Casa Real, já não me recordo) terá dito algo como isto: “Por menos, subiu ao cadafalso Luís XVI”. Saiu preso, ou escoltado, das Cortes, mas disse-o. Apesar do meu distanciamento actual aos noticiários, apercebi-me dos episódios parlamentares (e não só) que justificaram, certamente, o teu blog “Tento na Língua”. O que me parece novo, Henrique, não são os despautérios que políticos dizem dentro e fora do Parlamento, pois isso, como disse, sempre aconteceu, e com gravidade maior. O que me parece ser novo é que eles estão a ser ditos numa conjuntura nova, de contornos censórios crescentemente nítidos. Está-se a formar uma cultura claramente censória sobre o que é correto dizer-se ou não. Nunca o chamado “politicamente correcto” esteve não presente, com a inovação de o “politicamente” abranger não só os aspectos políticos, mas também sociológicos.

Vou contar-te um “episódio” que o ocorreu comigo há dias. Antes, porém, esclareço que um avô meu era alentejano. Estava a reler a História de Portugal, de Oliveira Martins, quando me deparei com um comentário do autor, que detestava os Braganças da IV Dinastia (página 538, 16ª edição/1972, Guimarães Editores). Antes de o transcrever, recordo que, como sabemos, a Casa de Bragança nasceu do casamento de um filho natural do Mestre de Avis com uma filha de D. Nuno Álvares Pereira. A mãe do filho de D. João I chamava-se Inês Pires, era de Borba, e era filha de um senhor que tinha como alcunha o Barbadão. Então, cá vai a transcrição:
E se, porventura, as misteriosas leis da vida têm um papel na história, força é reconhecer que na família dos Braganças não vingou a semente da nobre raça dos Nuno Álvares; viu-se em todos eles a descendência do crasso sangue alentejano da filha do Barbadão.”

O que se diria hoje deste comentário? Possivelmente, será cedo para se fazer o diagnóstico como se chegou aqui. Não vale a pena falar em crispação da Sociedade, para justificar a situação, pois já vivemos tempos bem mais crispados dos que os actuais, e outros anteriores aos nossos também o foram certamente, pois até guerras ou escaramuças civis houve. O que noto, e não sei se haverá alguma correlação, ou se é uma mera coincidência, é que “censura” começou a surgir com a pandemia do COVID, que aqueles que eram contra a vacinação (eu apanhei todas as vacinas, esclareça-se), ou contra os confinamentos (eu respeitei-os, sublinhe-se), ou que apontavam dúvidas à clareza da contratação massiva de vacinas tendiam a ser calados, nem “tempo de antena” tinham (“apagamento”, se chamava). Ao COVID seguiram-se a guerra na Europa de Leste e depois a do Médio Oriente, para as quais uma versão das respectivas causas e desenvolvimentos se impôs. Mais uma vez, as vozes dissonantes, com razão ou sem ela, foram “apagadas”. As opiniões, ainda que minoritárias, têm lugar numa Sociedade Democrática, exigindo-se que uns e outros as expressem com urbanidade e com respeito para com quem pense de forma diferente. Abraço amigo. Carlos Traguelho

 

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