quarta-feira, 17 de dezembro de 2025

Humor


Sapiente e saboroso, aplicável pelo ano inteiro.

Fotograma de fim de ano

Maiorias de geometria variável, mudanças sem horizonte, sempre mais Estado, reformas a metro e iliteracia financeira.

NUNO GONÇALO POÇAS Colunista do Observador. Advogado, autor de "Presos Por Um Fio – Portugal e as FP-25 de Abril"

16 dez. 2025, 00:1812

1Os candidatos da extrema-esquerda têm sido bastante contundentes quando confrontados com a possibilidade de ser aprovada uma lei de revisão constitucional com uma maioria de dois terços dos deputados das direitas parlamentares, afiançando que, perante esse cenário, dissolveriam o Parlamento e convocariam eleições legislativas. Um dos grandes argumentos invocados para esta promessa de golpe de Estado a partir de Belém, advém do facto de nenhuma revisão constitucional ter sido aprovada sem o apoio do PS e do PSD. Sucede que esse quadro parlamentar não existe, pelo menos por agora. As revisões constitucionais foram aprovadas depois de entendimentos entre os dois maiores partidos, porque PS e PSD sempre formaram maioria de dois terços dos deputados. Esta mesma maioria é hoje composta por entendimentos de geometria variável, podem ou não incluir o PS. Esta geometria variável é uma novidade, de facto. Pode não agradar. Mas convinha que se começasse a olhar para a política portuguesa que entra no segundo quartel do século XXI com os olhos fora do Portugal dos anos 90. Os anos 90, de resto, foram uma década em tudo irreplicável.

2Outro dos grandes temores em torno do debate acerca de eventuais revisões constitucionais são as possíveis alterações ao sistema político. Ora, independentemente de o actual sistema servir ou não os interesses do País, a verdade é que não existe uma mudança de regime em horizonte algum. Curiosamente, quando há um par de anos o Parlamento se preparava para avançar com uma revisão constitucional que visava restringir grosseiramente direitos, liberdades e garantias dos cidadãos, nenhuma destas almas recém-despertas para o debate constitucional se mostrou incomodada. Em democracia, tanto dá que o sistema seja presidencialista, semi-parlamentarista, semi-presidencialista, parlamentarista, conquanto o regime se mantenha democrático, e se mantenha vivo o corpo de direitos, liberdades e garantias, e o princípio da separação de poderes, sobretudo entre o poder executivo e judicial. Mas quem quer saber de liberdades, afinal, se um bando de servos se contenta por bater com a mão no peito e arrogar-se de ser mais democrata que os outros?

3André Ventura, que já foi tudo e o seu contrário, abraçou recentemente a causa sindical. Não é novidade que o CHEGA não é um partido pela economia livre, e que se aproxima de uma ideia económica tão estatista como a de um qualquer bom português. Mas com o fervor com que vai querendo alargar a sua massa de eleitores, terá de se ver confrontado com a inevitabilidade de ter de escolher uns em detrimento de outros. Pode ser que este serpentear pelas sensibilidades populares não lhe tragam dissabores eleitorais, concedo. Mas será impossível agradar a todos e a todo o tempo. Mais estatista será nos anos que se seguem, suspeito. A base de adeptos de um País guiado por um bom pastor é grande, é por aí que se pode crescer. Mas fica clara a ideia de que Ventura acha que sabe melhor o que cada português deve decidir. Acredita tanto nos portugueses como os outros que critica. Só não desconsola porque não surpreende.

4Não obstante toda a crítica que se possa fazer ao poder sindical, que para aí anda a querer fazer pela própria vida e pela dos partidos que o sustentam, parece-me claro que o Governo também anda a tentar fazer pela sua, em busca, novamente, de uma maioria ainda mais reforçada. É uma lengalenga que começa a saturar, ainda que dê de barato que possa funcionar. «Deixem[C1]  o Luís trabalhar» é o mote da campanha eleitoral permanente em que vivemos desde que António Costa alapou em Bruxelas e foi substituído em Lisboa por Montenegro, numa espécie de actualização de software político. Quando quase em surdina se vai dizendo que o Primeiro-ministro pode voltar a ver o caso Spinumviva na ribalta logo que haja um Presidente que possa convocar eleições antecipadas, Montenegro vai ensaiando pequenos e grandes testes à criação da imagem do líder reformista que ninguém sabe bem se é ou não, e leiloa agora salários mínimos e médios ideais, 1500, 1600, 2500, 3000, como quem vende atoalhados na traseira de uma carrinha de feira. Ninguém sabe como quer lá chegar, muito menos o que está a fazer por isso. Para quem queria ser Cavaco, calhou-nos um cavaquinho.

5António Filipe, candidato a Belém pelo PCP, deu uma entrevista ao Observador, onde salientou que está contra a ideia de que os trabalhadores podem livremente decidir se querem receber um salário anual em 12 ou 14 meses. Afirmando que muitas vezes a lei é que liberta e a liberdade oprime, sugeriu que a ideia de se pagar em 12 meses tira dinheiro aos trabalhadores e, enfim, as pessoas estão habituadas a contar com dois meses em que ganham mais. Talvez tenha sucesso e receptividade num País onde é comum preferir receber subsídio de férias e Natal porque quando se recebe a mesma quantia dividida pelos doze meses do ano se gasta tudo e depois não há presentes para os fedelhos. Ou onde é habitual dizer-se que se recebe IRS. O que está mais ou menos ao nível do jovem que pede para partir a pizza em 6 fatias porque não tem fome para comer 12. Ou que não se deixa afectar com o aumento do preço dos combustíveis porque nunca abastece mais do que 20 euros. Os comunistas não apreciam gente que saiba gerir as suas próprias contas, daí que apreciem que sejam eles a decidir pelos outros. Não admira que o Chega beba lá tantos votos.

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COMENTÁRIOS (de 12):

Carlos Chaves: Caríssimo Nuno Gonçalo Poças, que maravilha de crónica, vai directamente ao âmago do que se está a passar na actualidade da política portuguesa, de uma forma “sui generis,” gostei, muito!                         José B Dias: ... desde que António Costa alapou em Bruxelas e foi substituído em Lisboa por Montenegro, numa espécie de actualização de software político. Uma fantástica descrição da realidade ...  e também muito boas as descrições dos comportamentos de Ventura e do PCP!                    José Mendes Gil: Os artigos deste cronista oscilam entre o bom e o muito bom, com tendência para esta última .                    Fernando Matos: Sempre muito bem.


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