Sapiente e saboroso, aplicável pelo ano inteiro.
Fotograma de fim de ano
Maiorias de geometria variável, mudanças sem horizonte, sempre mais
Estado, reformas a metro e iliteracia financeira.
NUNO GONÇALO POÇAS Colunista do Observador. Advogado, autor de
"Presos Por Um Fio – Portugal e as FP-25 de Abril"
16 dez. 2025, 00:1812
1Os candidatos da extrema-esquerda têm
sido bastante contundentes quando confrontados com a possibilidade de ser
aprovada uma lei de revisão constitucional com uma maioria de dois terços dos
deputados das direitas parlamentares, afiançando que, perante esse cenário,
dissolveriam o Parlamento e convocariam eleições legislativas. Um dos grandes argumentos invocados para
esta promessa de golpe de Estado a partir de Belém, advém do facto de nenhuma
revisão constitucional ter sido aprovada sem o apoio do PS e do PSD. Sucede
que esse quadro parlamentar não existe, pelo menos por agora. As revisões
constitucionais foram aprovadas depois de entendimentos entre os dois maiores
partidos, porque PS e PSD sempre formaram maioria de dois terços dos deputados. Esta mesma maioria é hoje composta por
entendimentos de geometria variável, podem ou não incluir o PS. Esta
geometria variável é uma novidade, de facto. Pode não agradar. Mas convinha que
se começasse a olhar para a política portuguesa que entra no segundo quartel do
século XXI com os olhos fora do Portugal dos anos 90. Os anos
90, de resto, foram uma década em tudo irreplicável.
2Outro dos grandes temores em
torno do debate acerca de eventuais revisões constitucionais são as possíveis
alterações ao sistema político. Ora, independentemente de o actual sistema servir ou não os
interesses do País, a verdade é que não existe uma mudança de regime em
horizonte algum. Curiosamente,
quando há um par de anos o Parlamento se preparava para avançar com uma revisão
constitucional que visava restringir grosseiramente direitos, liberdades e
garantias dos cidadãos, nenhuma destas almas recém-despertas para o debate
constitucional se mostrou incomodada. Em democracia, tanto dá que o
sistema seja presidencialista, semi-parlamentarista, semi-presidencialista,
parlamentarista, conquanto o regime se mantenha democrático, e se mantenha vivo
o corpo de direitos, liberdades e garantias, e o princípio da separação de
poderes, sobretudo entre o poder executivo e judicial. Mas quem quer saber de liberdades, afinal, se um bando
de servos se contenta por bater com a mão no peito e arrogar-se de ser mais
democrata que os outros?
3André Ventura, que já foi tudo e o
seu contrário, abraçou recentemente a causa sindical. Não
é novidade que o CHEGA
não é um partido pela economia livre, e que se aproxima de uma ideia
económica tão estatista como a de um qualquer bom português. Mas com o
fervor com que vai querendo alargar a sua massa de eleitores, terá
de se ver confrontado com a inevitabilidade de ter de escolher uns em
detrimento de outros. Pode
ser que este serpentear pelas sensibilidades populares não lhe tragam dissabores
eleitorais, concedo. Mas será impossível agradar a todos e a todo o tempo. Mais
estatista será nos anos que se seguem, suspeito. A base de adeptos
de um País guiado por um bom pastor é grande, é por aí que se pode crescer. Mas fica clara a ideia de que Ventura acha que sabe melhor o que cada
português deve decidir. Acredita tanto nos portugueses como os outros que
critica. Só não desconsola porque não
surpreende.
4Não obstante toda a crítica que se possa fazer ao poder sindical, que
para aí anda a querer fazer pela própria vida e pela dos partidos que o
sustentam, parece-me
claro que o Governo também anda a tentar fazer pela sua, em busca, novamente,
de uma maioria ainda mais reforçada. É uma lengalenga que começa a saturar, ainda
que dê de barato que possa funcionar. «Deixem[C1] o Luís trabalhar»
é o mote da campanha eleitoral permanente em que vivemos desde que António
Costa alapou em Bruxelas e foi substituído em Lisboa por Montenegro, numa
espécie de actualização de software político. Quando quase em surdina se vai dizendo que o
Primeiro-ministro pode voltar a ver o caso Spinumviva na ribalta logo que haja
um Presidente que possa convocar eleições antecipadas, Montenegro vai ensaiando pequenos e grandes testes à criação da
imagem do líder reformista que ninguém sabe bem se é ou não, e leiloa agora
salários mínimos e médios ideais, 1500, 1600, 2500, 3000, como quem vende
atoalhados na traseira de uma carrinha de feira. Ninguém sabe como quer lá
chegar, muito menos o que está a fazer por isso. Para quem queria ser Cavaco,
calhou-nos um cavaquinho.
5António Filipe, candidato a Belém pelo PCP, deu uma
entrevista ao Observador, onde salientou que está contra a ideia
de que os trabalhadores podem livremente decidir se querem receber um salário
anual em 12 ou 14 meses. Afirmando que muitas vezes a lei é que
liberta e a liberdade oprime, sugeriu que a ideia de se pagar em 12 meses
tira dinheiro aos trabalhadores e, enfim, as
pessoas estão habituadas a contar com dois meses em que ganham mais. Talvez
tenha sucesso e receptividade num País onde é comum preferir receber subsídio
de férias e Natal porque quando se recebe a mesma quantia dividida pelos
doze meses do ano se gasta tudo e depois não há presentes para os fedelhos.
Ou onde é habitual dizer-se que se recebe IRS. O que está mais ou menos ao nível do jovem que pede para partir a pizza em 6 fatias porque não tem fome para
comer 12. Ou que não se deixa afectar com o aumento
do preço dos combustíveis porque nunca abastece mais do que 20 euros. Os
comunistas não apreciam gente que saiba gerir as suas próprias contas, daí que
apreciem que sejam eles a decidir pelos outros. Não admira que o Chega beba lá
tantos votos.
POLÍTICA GOVERNO PRESIDENCIAIS
2026 ELEIÇÕES CONSTITUIÇÃO
DA REPÚBLICA PORTUGUESA
PAÍS SOCIEDADE
COMENTÁRIOS (de 12):
Carlos Chaves: Caríssimo
Nuno Gonçalo Poças, que maravilha de crónica, vai directamente ao âmago do que
se está a passar na actualidade da política portuguesa, de uma forma “sui
generis,” gostei, muito! José B
Dias: ... desde que António Costa alapou em
Bruxelas e foi substituído em Lisboa por Montenegro, numa espécie de
actualização de software político. Uma fantástica descrição da realidade ...
e também muito boas as descrições dos comportamentos de Ventura e do PCP! José
Mendes Gil: Os
artigos deste cronista oscilam entre o bom e o muito bom, com tendência para
esta última . Fernando
Matos: Sempre
muito bem.
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