quarta-feira, 4 de dezembro de 2019

Ver-se grego: «ORESTEIA»



Uma leitura arrastada, pela trilogia que forma a Oresteia de Ésquilo (EDIÇÔES 70) fez-me desejar guardar, como obra de surpreendente nobreza, passos dela que o demonstrassem, mas a admiração e o encanto surgindo a cada passo, alongou o discurso com as transcrições, pelo que me limito à primeira parte da ORESTEIA: AGAMÉMNON, que me fez compreender o sentido da expressão “ver-se grego”, pelo penoso das tais transcrições.

Eis, pois, a história dos filhos de Atreu – os Atridas Agamémnon e Menelau – e os descendentes do primeiro, os irmãos: Ifigénia (imolada 10 anos antes), Orestes e Electra. O primeiro Atrida (Agamémnon, rei de Argos) condenado a ser assassinado pela mulher – Clitemnestra – o segundo (Menelau, rei de Esparta), à traição de sua mulher Helena, (irmã de Clitemnestra) a qual, pela sua fuga com Páris, (filho dos reis de TróiaAnquises e Hécuba – e irmão de Heitor, Cassandra e outros), fizera, dez anos antes, despoletar a guerra entre gregos e troianos, que terminara com a destruição de Tróia e, (como é este caso), o encadeamento das sequelas sobre os heróis regressados à Grécia, dez anos depois (à excepção de Ulisses, que andou mais dez nas suas aventuras odisseicas).
Trata-se de uma trilogia dramática, de ÉsquiloORESTEIA – dividida em AGAMÉMNON, COÉFORAS e EUMÉNIDESúltima tragédia de Ésquilo, de 458 a. C, obra-prima de conceito, emoção e suspense dramático, rigor sequencial, expressivo não só do vigor dos caracteres humanos – (e até dos representantes míticos divinos de “EUMÉNIDES”) - que nele estão implicados, como das grandes questões de responsabilidade moral que desde sempre, afinal, se impuseram à consciência humana, e que mantêm, pois, uma actualidade que nos assombra, também no poderoso do seu discurso de pendor tantas vezes realista.
Cada uma das partes da trilogia se divide em PRÓLOGO (de introdução ao tema), PÁRODO (parte lateral do palco, com o Coro seguido de estrofes, antístrofes e, por vezes, epodo, próprios do lirismo), os EPISÓDIOS com os protagonistas do drama actual alternando com os ESTÁSIMOS, (em forma de odes cada uma das quais cantadas pelo CORO, entre dois episódios).
Eis, pois, as três peças, que compõem a trilogia ORESTEIA, das quais analisaremos apenas, a primeira:

AGAMÉMNON, com a intriga em torno da morte de Agamémnon (e de Cassandra, filha dos reis de Tróia, com poderes divinatórios, que ele trouxera de Tróia, como cativa). Estruturalmente composta por 5 episódios, seguidos dos respectivos Estásimos, à excepção do e do Episódios.
COÉFORAS (portadoras de libações – ao túmulo de Agamémnon, acompanhando Electra), de tempo cronológico posterior, em torno da morte de Clitemnestra (que reina em Argos com Egisto, após a morte de Agamémnon) por Orestes, criado longe de casa e que sua irmã Electra procura, em progressiva identificação através de indícios (expostos (por Orestes) no túmulo de Agamémnon) até ao reconhecimento deste (anagnórise) pela irmã, com incitamento desta ao irmão, para que a morte do pai seja vingada, o que acontecerá, apesar dos escrúpulos de Orestes, que mata primeiro Egisto, antes de matar a mãe, e será perseguido pelas Erínias (representantes de um conceito de Justiça penalizador dos que derramaram o seu próprio sangue (da mãe), Clitemnestra isenta desse castigo, por Agamémnon, seu marido, não ser do seu sangue).
EUMÉNIDES, poder-se-á centrar no julgamento e perdão final de Orestes, as Erínias apaziguadas, transformadas em “Euménides”, após o julgamento entre os deuses, e defesa de Orestes, do seu acto matricida.

AGAMÉMNON
Os dados em torno de Helena, Páris e Menelau - e Ifigénia - são referidos na primeira parte da trilogia – AGAMÉMNON - no seu Párodo, pelo Coro (de doze anciãos de Argos) inquieto, referindo estranhas profecias do adivinho Calcas, sobre os destinos dos Atridas argivos, condenados pelo crime horrendo da morte de Ifigénia, dez anos antes, por seu pai Agamémnon, para obter ventos favoráveis para as naus que partiam para Tróia.

Inicia-se a tragédia, com o PRÓLOGO tendo, como única personagem, um Vigia que, por ordem de Clitemnestra, estendido no telhado do palácio dos Atridas, em Argos, espera o sinal de fogo, anunciador da queda de Tróia, e convida Clitemnestra, emocionado, assim que surge o clarão, a erguer-se do leito o mais depressa que puder, para erguer no palácio um grito de bom augúrio em honra deste facho, se, de facto, a cidade de Tróia foi tomada, conforme este archote parece proclamar”

Segue-se o PÁRODO, com o CORO dos doze Anciãos argivos a referir as circunstâncias adstritas à guerra troiana, (“tudo por causa de uma mulher que foi de muitos maridos”) e que se inicia do seguinte modo narrativo:
Este é o décimo ano depois que os grandes adversários legais de Príamo, os reis Menelau e Agamémnon, par poderoso dos Atridas, honrado por Zeus com um duplo trono e um duplo ceptro, largaram desta terra com uma frota argiva de mil naus, para apoiar, com as armas, o seu direito.” Acaba por apelar para a rainha Clitemnestra para que informe sobre o significado dos sacrifícios que aquela organizou por toda a parte, eliminando, desse modo, a ansiedade em que vivem os velhos argivos do Coro, sobre os destinos do rei Agamémnon.
Das várias estrofes e antístrofes seguintes, entoando os casos envolvendo a guerra, com a participação de deuses, como responsáveis pelas intrigas entre os homens, retiro os passos concernentes ao crime de Agamémnon, forçado a sacrificar a filha Ifigénia, passos de extremo impacto dramático, no contraste entre a dúvida e a decisão do pai, responsável pelos seus actos - forçado pelos seus deveres de rei superiorizando-se aos deveres e sentimentos de pai - e no patético da figura da vítima, sua filha amada, e ainda, na antístrofe final, o discurso conceituoso sobre o crime e o castigo, de suspense premonitório, (as Erínias, deusas da Vingança, já antes referidas pelo Coro, como instrumento castigador do crime de Páris):
Estrofe 3ª:
«E ventos vindos do Estrímon (rio da Trácia) provocavam as funestas demoras, a fome, os ancoradouros difíceis, a vagabundagem das tripulações, não poupavam as naus e as amarras, tornando duplamente longo o tempo, e, com o desgaste, consumiam a flor dos Argivos. E quando o profeta, dando por garante Artemis, proclamou aos chefes outro remédio mais pesado do que a tempestade amarga, então os Atridas, batendo no solo com os seus ceptros, não puderam conter as lágrimas.»
Antístrofe 3ª:
«E o mais velho dos chefes, erguendo a voz, assim falou: “Sorte pesada é não obedecer, mas pesada também se não dilacerar a minha filha, o ornamento da minha casa, manchando as minhas mãos de pai nas correntes de sangue duma donzela imolada junto do altar. Qual destes dois partidos é isento de mal? Como me hei-de eu tornar um desertor da frota, traindo os meus aliados? Não trairei, já que é justo desejar com ardor extremo o sacrifício que, para domar os ventos, fará correr o sangue duma virgem. E oxalá seja para bem!»
Estrofe 4ª
«E quando, ao sopro da mudança dum vento ímpio, impuro, sacrílego, o seu espírito se dobrou ao jugo da necessidade, então ele assumiu um pensamento capaz de todas as audácias. Pois a demência funesta, que é a primeira causa dos nossos males, inspira aos mortais ousadia com os seus vergonhosos conselhos. Foi assim que ele teve a coragem de sacrificar a sua filha, como meio de promover uma guerra destinada a vingar o rapto duma mulher, uma espécie de rito preliminar, celebrado à partida das naus.»
Antístrofe 4ª:
«As suas preces, os seus gritos de «Pai!», a sua idade virginal, nada contou para aqueles chefes amantes da guerra. Feita a oração aos deuses, o pai ordenou aos servos que, como uma cabra, a sustentassem com vigor por cima do altar, envolta nos seus vestidos, inclinada para a terra, e que vigiassem a bela proa da sua boca, de molde a impedi-la de lançar sobre a casa uma voz de maldição.»
Estrofe 5ª:
«Tudo isto pela violência muda dum freio! Ela, deixando pender para o solo o seu vestido tinto de açafrão, despertava a piedade, ferindo cada um dos sacrificadores com o dardo dos seus olhos, semelhantes a uma figura de um quadro que a todos desejasse, em vão, falar, ela que muitas vezes cantara no salão dos belos banquetes de seu pai e, virgem, com casta voz, acompanhara, amorosamente, após a terceira libação, o péan (1) do pai querido.»
(1): O fim do banquete era assinalado por três libações, a última das quais era frequentemente seguida pelo canto de um péan (composição coral normalmente em honra de Apolo (Febo)).
A antístrofe 5º, com que termina o PÁRODO, contém expressões sibilinas, de saber intemporal:
Antístrofe 5ª: O que se segue não vi, não posso dizê-lo, mas as artes de Calcas não são vãs. Na balança da Justiça, o prato da aprendizagem desce para os que sofreram. O futuro poderás conhecê-lo depois de acontecido. Entretanto esquece-o, dado que antecipá-lo é o mesmo que chorar antes de tempo: ele virá, claro, na madrugada com os seus raios. Mas no que toca ao futuro, que tudo acabe em bem, como o deseja este baluarte da terra de Ápio (1), sempre presente, sozinha a montar a guarda.
(1): A terra de Ápio (filho de Apolo) era Argos.
(As últimas palavras do Coro assinalam o aparecimento de Clitemnestra à porta do palácio), assim começando o 1º EPISÓDIO.
 Eis os dados preliminares do enredo dramático do momento presente (dez anos depois da guerra de Tróia) entre os protagonistas das três partes da tragédia, que, todavia, vão continuando a reconstituir dados transcorridos nos anos da guerra troiana.
São 5 os Episódios de AGAMÉMNON:
1º EPISÓDIO: Diálogo entre o Corifeu e Clitemnestra que informa aquele, em discurso vivo  e de falsa amenidade, sobre a boa nova da vitória dos gregos, e refere, ao Corifeu desconfiado, a forma como obteve essa notícia através dos sucessivos correios de fogo, iniciados por Hefesto (o deus ferreiro e dos vulcões – Vulcano latino) do Iva (Monte da Tróade), de ilha em ilha, de monte em monte...: Clitemnestra: «Tais são as normas que fixei aos meus portadores de archotes, que se revezaram para alcançar o seu objectivo. E tão vencedor é o primeiro como o que corre em último lugar. Estou a revelar-te uma prova e um sinal que me foram transmitidos pelo meu esposo de Tróia». Segue-se o relato objectivo e bem realista de Clitemnestra, a pedido do Corifeu, de contraste entre vencedores e vencidos, e no final, o tom sibilino, de ameaça velada, relato que não resisto a transcrever:
Clitemnestra: Os Aqueus são hoje senhores de Tróia. Imagino gritos que não se fundem, a ecoarem distintamente na cidade. (…) Separadamente se ouvem, marcadas por diferente fortuna, as vozes dos vencidos e dos vencedores: os primeiros, enlaçando os cadáveres dos maridos ou dos irmãos, muitas vezes crianças sobre os corpos dos velhos avós de que descendem, do fundo duma garganta que deixou de ser livre choram a morte dos seus entes queridos: os outros, cansados de errarem na noite depois da batalha, preparam—se, famintos, para tomar a sua refeição matinal com aquilo que encontram na cidade. Não agem segundo um plano ou ordem, mas, em face do que cada um extraiu da urna da sorte, assim se instalam agora nas casas troianas conquistadas, libertos dos gelos e orvalhos ao ar livre. Com que felicidade eles vão dormir toda a noite sem necessidade de montar guardas! Cuidem de reverenciar os deuses da cidade e os seus santuários na terra conquistada e livrar-se-ão, depois de ter tomado a cidade, de ser, por seu turno, tomados. E que não se abata entretanto sobre eles o desejo de destruir o que devem respeitar, vencidos pela ânsia do lucro, porque ainda precisam de regressar, sãos e salvos, a casa, de fazer, dando a volta, a segunda metade da corrida (o seu regresso)… Se o exército partir sem ter cometido falta contra os deuses, talvez fique sem consequências o sofrimento causado aos mortos (v. g. Ifigénia), a menos que sobrevenha algum mal inesperado.
O 1º ESTÁSIMO, com o Coro, e 3  estrofes e respectivas antístrofes seguidas do epodo (parte final da ode), glosam, entre outros, o caso de Helena e Páris que fez despoletar a guerra e os sofrimentos que com isso causou nos lares gregos dos que partiram: “Choram-se os guerreiros, louvando-se este como perito no combate, aquele por ter caído nobremente na batalha assassina por causa de uma esposa alheia… (estrofe 3ª), a antístrofe 3ª trazendo à baila a vingança dasnegras Eríniasque com o tempo enfraquecem o que prospera sem justiça, consumindo-lhe por fim a vida numa mudança de sorte…”. E o epodo põe em dúvida a notícia propalada das boas novas do regresso da frota argiva, que o fogo espalhou pela cidade: Demasiado crédulo, o espírito feminino tem limites rapidamente transpostos e, por isso, uma notícia saída da boca duma mulher tem igualmente rápida morte”.
2º EPISÓDIO: O Corifeu expressa o seu regozijo de esperança na boa nova da vitória sobre os troianos e o Arauto anuncia com ênfase o seu regresso “ao pátrio solo da terra argiva” e repondo os dados passados para finalizar com as exclamações vingativas sobre Páris: «Nem Páris nem a cidade, com ele, solidária no crime, podem gloriar-se de que a falta foi superior ao castigo: condenado por rapto e roubo, ele não só teve de largar a sua presa como ainda ceifou a casa de seus pais, inteiramente destruída com a própria terra. Os filhos de Príamo pagaram duplamente os seus próprios erros.»
Segue-se o diálogo entre ambos, Corifeu e Arauto, com referência aos respectivos sofrimentos – os do Corifeu de medo – pela atmosfera opressiva que se vivia em Argos (Agamémnon substituído no leito de Clitemnestra por Egisto) – os sofrimentos do Arauto tendo a ver com os desconfortos de uma guerra cruel, de que descreve, poderosamente, os horrores, para concluir sobre a felicidade do regresso dos que escaparam com vida: «Se eu te fosse falar dos trabalhos e péssimas instalações, dos corredores estreitos dos navios onde montávamos as incómodas camas… Nenhuma parcela do dia sem motivos para gemer. Quanto aos trabalhos em terra, era um horror ainda maior: como acampávamos ao ar livre junto das muralhas dos inimigos, do céu e da terra chuviscavam sobre nós os orvalhos dos prados, causando-nos um dano constante, enchendo inclusivamente de bichos os pêlos das nossas vestes…… Mas para quê soltar estes lamentos? …. Para nós, sobreviventes do exército argivo, é o lucro que conta, menor que o dele é o peso do sofrimento….»
Entrada de Clitemnestra, mostrando o seu júbilo, perante o Arauto e o Corifeu, em expressões de falsa doçura: «….. Mas agora não precisas de me dizer mais. Saberei a história toda do próprio rei. Apressar-me-ei a acolher, da melhor maneira, o meu venerado esposo no seu regresso. Pois, para uma mulher, que luz pode ser mais agradável do que a do dia em que ela abre as portas ao marido que regressa da guerra, salvo por um deus? Levai esta mensagem a meu marido e dizei-lhe que venha o mais depressa possível, o querido do povo. E que, ao chegar, ele descubra que, na sua casa, se encontra uma esposa fiel, exactamente como a deixou, cão de guarda da casa, leal a ele e inimiga dos que lhe desejam mal; impecável em tudo, ela não quebrou um só selo na longa passagem do tempo. De prazeres adúlteros ou sequer má reputação sei tanto como de temperar o bronze. Disto me posso vangloriar; e um elogio, assim assente na verdade, pode, sem vergonha, ser proclamado bem alto por uma mulher nobre.»
Com a saída de cena de Clitemnestra, o Corifeu e o Arauto retomam o diálogo, o primeiro duvidando da sinceridade do discurso de “bela aparência” de Clitemnestra ao Arauto e discorrendo ambos sobre os destinos de Menelau no seu regresso de Tróia, que o Arauto desconhecia.
É ainda sobre Helena e as consequências dos seus actos que se debruça o 2º ESTÁSIMO, com quatro estrofes e as respectivas antístrofes, um paralelo surgindo, entre a presença de Helena em Tróia e a fábula do leão, criado pelo dono de pequenino e meigo, tornado agressivo em adulto, este 2º membro da comparação anteposto ao primeiro, na estrofe e antístrofe 2ªs, o primeiro membro – Helena posposto, na estrofe 3ª:  (…) “Assim também (como o leãozinho) eu diria que o que primeiro veio para a cidade de Tróia foi uma disposição de mar calmo sem vento e um suave ornamento de riqueza, um brando dardo desferido por uns olhos, uma flor de desejo que morde o coração. Mas de repente Helena revela o amargo fim das núpcias: ela é o colono funesto e a funesta companhia que se lança sobre os filhos de Príamo por intercessão de Zeus Hospitaleiro, uma Erínia que traz lágrimas às noivas».
E a antístrofe 4ª conclui o 2º EPISÓDIO num discurso de ameaça, expressivo do clima de tensão próprio da tragédia, a hybris (desafio aos deuses ou ao destino) merecendo, naturalmente, o castigo: «Mas a Justiça brilha nas casas sujas de fumo e preza a santidade da vida. Das mansões cobertas de ouro, em que há mãos sórdidas, ela desvia os olhos, para se aproximar do que é puro, desprezando o poder da riqueza com a falsa aparência do louvor. E dirige tudo para o seu fim.
3º EPISÓDIO: Em eloquente discurso, a que não faltou o sentido crítico, pelo envolvimento numa guerra destruidora por causa de uma mulher adúltera, o Corifeu dirige-se a Agamémnon, que entra com Cassandra. Mais grandiloquente ainda é o discurso justificativo de Agamémnon, a que não falta o tom sentencioso, com gratidão pelos deuses que deram a vitória aos Aqueus, preferindo as críticas do Corifeu aos elogios dos aduladores, e lembrando Ulisses como amigo fiel, de quem desconhecia o paradeiro. Promete ocupar-se da cidade e honrar os deuses, ao entrar no seu palácio. Entra em cena Clitemnestra que primeiro se dirige ao Coro - “Homens desta cidade, venerandos anciãos de Argos aqui presentes” – em confissão astuciosa de lamento sobre as mágoas sofridas e seguidamente ao marido, de justificação por actos seus, como o envio de seu filho Orestes para junto de um aliado e amigo comum, para o proteger em caso de morte do pai em Tróia, receosa de possível revolta popular. E conclui mostrando o seu regozijo, convidando o marido a descer do carro para um caminho atapetado de púrpura, que inicialmente Agamémnon repele, com altiva desconfiança:
«Agamémnon:Descendente de Leda, guarda da minha casa, as tuas palavras estiveram em proporção com a minha ausência. Mas nota que, para o louvor se fazer segundo a justiça, convém que a homenagem parta dos outros. Depois, não me estragues com luxos, como se eu fosse uma mulher, não me recebas como a um bárbaro, de boca aberta aos gritos, prostrada no solo em adoração, nem faças que o meu caminho suscite a inveja, juncando-o de púrpura. Os deuses é que devem ser honrados dessa maneira: eu, mortal que sou, não posso caminhar sem medo sobre estas belezas bordadas. Entendo que devo ser honrado como um homem, não como um deus. De resto a minha fama já ressoa sem tapetes para os pés nem tecidos bordados. Não ser presunçoso é a maior dádiva dos deuses. Só deve considerar-se feliz  aquele que acabou a vida em calma prosperidade. Actuando nestes moldes, posso viver sem apreensões.”
Mas uma vez mais é Clitemnestra quem vence a contenda, convencendo o marido, em discurso sentencioso, v.g. -Sim, mas um homem que não é invejado não é invejável– a fazer o que outros fariam, em idêntico caso de vitória. Agamémnon, dispõe-se a entrar, poupado e preocupado também com a destruição de tecidos “comprados a peso de prata”: “Seja! Se é essa a tua vontade, que alguém me desate rapidamente as sandálias, escravas adaptadas ao meu pé. E quando eu pisar estes tecidos de púrpura, destinados aos deuses, que nenhum olhar de inveja me fira!...” Entrega Cassandra aos cuidados de Clitemnestra: “Tens aqui esta estrangeira, acolhe-a amavelmente em casa….” E conclui, antes de entrar em casa: Mas visto que me comprometi a ceder ao teu desejo, vou entrar no meu palácio, pisando a púrpura”.
Em artificioso discurso altivo e ambíguo, Clitemnestra mostra a sua casta de mulher decidida: “---Muitos mais tecidos eu teria feito o voto de pisar, se isso me tivesse sido proposto em sedes oraculares, quando eu imaginava meios de alcançar a vida deste homem…” para terminar em expressão comparativa, de duplo sentido sinistro: Também nos dias em que Zeus faz o vinho da uva verde, reina a frescura na casa porque nela se move o senhor, o homem acabado.” E, depois de Agamémnon entrar em casa, Clitemnestra, antes de o seguir, pronuncia ainda a frase ambígua: “Zeus, ó Zeus realizador, realiza a minha prece. Oxalá não descures o que intentas realizar!
O 3º ESTÁSIMO, seguinte ao 3º Episódio, compõe-se de duas estrofes do Coro e respectivas antístrofes, sobre o «terror que “assedia sem tréguas o meu coração pressago”( 1ª Estr.) em crescente  clima de tensão e presságio catastrófico, próprio da tragédia, a 1ª Antístrofe contendo expressões de alegria mas couraçada de receio “porque não tem minimamente a cara ousadia da esperança”, embora aspirando a uma contradição: “Mas oxalá as minhas expectativas não passem de mentira sem hipótese de concretização!”.
A 2ª Estrofe glosa, em tom abstracto, o mesmo tema: «… “Assim, o destino do homem, singrando prosperamente… choca de súbito com um escolho obscuro”…», embora termine com fé em Zeus, que providenciará: “... Zeus saberá, com as dádivas grandes e abundantes das colheitas anuais, conjurar o flagelo da fome.”. E a Antístrofe 2ª conclui, num sentimento de medo do destino superior que maneja a vida do Homem: «Mas o sangue negro de um homem, uma vez derramado, na morte, sobre a terra, quem o poderá restituir às veias com qualquer espécie de encantamento?» …. «Assim limita-se a resmungar no escuro, aflito, sem esperanças de dobar a tempo este novelo, enquanto o meu espírito está em chamas.»
O EPISÓDIO 4º inicia-se por uma invectiva rígida de Clitemnestra a Cassandra, mandando-a sair do carro, o Corifeu, piedoso, intervindo, a traduzir para Cassandra a ordem da rainha, mas esta sai zangada, perante a reacção enfurecida de Cassandra, que Clitemnestra considera de “louca”. Segue-se o diálogo entre o compassivo Corifeu e uma Cassandra gritando e apelando a Apolo, o Corifeu constatando, em extenso diálogo, os poderes proféticos de Cassandra, que sabe o destino que a espera no palácio e anuncia igualmente a morte consumada de Agamémnon e a futura de Clitemnestra e de Egisto.
Eis as últimas palavras de Cassandra, antes de entrar no palácio: «Eu quero fazer mais um discurso, espécie de treno sobre mim própria. Peço ao Sol, frente à sua última luz, que os meus odiados assassinos paguem aos meus vingadores não apenas a morte do meu senhor, mas a minha própria morte de escrava, que foi presa fácil.
Ó condição humana! A felicidade, uma simples sombra basta para a alterar; quando se é infeliz, uma esponja húmida destrói de um golpe a pintura. E das duas mudanças esta última é a que me parece mais para lamentar.
E o Corifeu considera os males da Fortuna que se abatem sobre os homens, mesmo os mais bem-aventurados, como “este homem” (Agamémnon): «… quem, ouvindo isto, poderá vangloriar-se de ter nascido com um destino inacessível ao mal?»
O 5º EPISÓDIO abre com o grito de Agamémnon (que repetirá, a um segundo golpe):Ai de mim, deram-me um golpe mortal”, a que sucederão as propostas de cada um dos Anciãos do Coro, de extrema actualidade, (quais parlamentares em mesa redonda tomando decisões políticas), iniciando-se em exaltações vingativas e, o medo sobrepondo-se, terminando mais ponderadamente por uma verificação in loco: Ex: - «1º Ancião “Eu digo-vos a minha proposta: clamar por auxílio, para que os Cidadãos acorram ao palácio.” “- E a mim parece-me melhor forçar o mais depressa possível a entrada no palácio, para apanhar em flagrante os assassinos, com a espada ainda a escorrer sangue”……12º: ”Estou inteiramente decidido a aprovar a seguinte proposta: saber exactamente o que se passa com o Atrida»
(Didascália: A porta do palácio abre-se e deixa ver os cadáveres de Agamémnon e Cassandra. De pé, Clitemnestra empunha uma espada ensanguentada).
Clitemnestra inicia um discurso ao Corifeu, bem expressivo da sua qualidade de mulher enérgica, orgulhosa, vingativa, sem escrúpulos nem arrependimentos, assumindo as suas acções, perfeitamente ciente das suas razões, expressas tantas vezes de forma sentenciosa, defendendo igualmente a irmã Helena dos ataques do Corifeu e do Coro indignados e profundamente infelizes pela morte do seu rei. ( Ex.: CORIFEU: Ah! Ah! Meu rei, meu rei, como te hei-de chorar? Do fundo do meu peito amigo, que te direi? Jazes nesta teia de aranha, exalando a vida numa morte ímpia. CORO:   «dominado, ai de mim, neste leito indigno de um homem jivre, por uma mão traiçoeira, que brandiu uma arma de dois gumes”)…
Alguns passos: Clitemnestra:Não me envergonharei de dizer o contrário do muito que antes disse por conveniência. É evidente que, quando se preparam actos de inimizade contra inimigos, que passam por ser amigos, não é possível de outro modo armar as redes da desgraça, a uma altura intransponível ao salto. …… “Sendo assim os factos, venerandos anciãos de Argos aqui presentes, alegrai-vos, se quereis alegrar-vos, que eu glorio-me do que fiz”……. “CORO: “Mulher, que alimento maldito, criado pela terra, ou que beberagem, proveniente do mar sempre em movimento, tu ingeriste, para ousares tal sacrifício, atraindo assim as maldições populares? Tu lançaste fora, tu cortaste, e por isso serás banida da cidade, objecto do ódio potente dos cidadãos.”
….Clitemnestra: Hoje condenas-me ao exílio e votas-me ao ódio dos cidadãos e às maldições populares. Mas não tomaste então nenhuma atitude contra este homem, quando ele, despreocupado, como se se tratasse da morte de uma ovelha, saída da multidão dos seus rebanhos bem penteados, sacrificou a sua própria filha, a dor mais cara das minhas entranhas, para encantar os ventos da Trácia. Não era a ele que tu devias ter banido desta terra como castigo dos seus crimes? Mas não senhor, é ao tomar conhecimento dos meus actos que tu te arvoras em severo juiz……
….Clitemnestra: Não creio que se possa considerar indigna a morte deste homem… Efectivamente, não foi pela traição que ele fez a desgraça cair sobre este palácio? Sofreu o que merecia, por ter dado ao meu rebento, dele concebido, a minha muito chorada Ifigénia.
O CORO remata o 5º Episódio com os considerandos sobre as estranhas manipulações da Justiça de crime e castigo segundo designação do Destino, Zeus impondo essa ordem; «Ultraje responde a ultraje: difícil é julgar. Quem rouba é roubado, quem mata recebe a sua paga. Enquanto Zeus se mantiver no seu trono, manter-se-á a lei de que o pecador tem de sofrer: assim está superiormente determinado. Quem poderá expulsar da casa a semente da maldição? A raça está soldada à desgraça.»
(Todavia, a 3ª parte da ORESTEIA – EUMÉNIDES mostrar-nos-á um Orestes não desafiador dos Deuses, numa hybris (desafio) que levará ao aniquilamento, como aconteceu com seus pais, mas cumpridor de uma ordem superior, que leva a um ajuste entre deuses e homens, em tribunal próprio – Areópago – que converterão as Erínias vingativas em brandas Euménides, o tribunal ajudando a uma melhor avaliação dos crimes, tendo por base a própria responsabilidade dos homens pelos seus actos).
Termina a peça com o ÊXODO, em que pela primeira vez surge Egisto, vangloriando-se de ter sido o autor da traça vingativa que transformou Clitemnestra, (além de adúltera), em criminosa assassina do seu marido, por vingança dele, Egisto, um dos filhos de Tiestes, escapado ao banquete em que Atreu, pai de Agamémnon e de Menelau e irmão daquele, fizera comer a Tiestes os próprios filhos, em falso sacrifício aos deuses, como também Camões refere no episódio da Linda Inês”:
«Bem puderas, ó Sol, da vista destes,
Teus raios apartar aquele dia,
Como da seva mesa de Tiestes,
Quando os filhos, por mão de Atreu, comia! »  (
Lus., III, 132)
A raiva e ironia do CORIFEU contra esse Egisto selvagem e ameaçador merecem referência igualmente, como sintomáticas de uma figura que a raiva e a grosseria dominam no seu diálogo com o Coro, igualmente ameaçador, trazendo à baila o nome de Orestes, provável vingador, o suspense continuando sobre a vida dos Átridas, em continuação de crimes que merecerão – ou não – o perdão dos deuses.
Pertence a Clitemnestra a última palavra, dirigida a Egisto:Deixa ladrar à vontade: somos os senhores desta casa, connosco vai entrar tudo na ordem.

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