terça-feira, 3 de dezembro de 2019

“A besta sadia”



Fernando Pessoa chamou-lhe louco, a D. Sebastião, por causa do Alcácer-Quibir, mas desculpa-o, na sua Mensagem:Sem a loucura que é o homem / Mais que a besta sadia, / Cadáver adiado que procria?” O certo é que nós também o desculpamos, com ele irmanados na loucura, mas continuamos à espera que ele volte, o D. Sebastião. Venha ele, ou outro qualquer, safar isto, que andamos sempre enfiados no querer “grandeza, qual a Sorte a não dá”, tal como ele, envoltos na irracionalidade do “Nevoeiro” que no-lo vai trazer.
A prova de fogo de Centeno /premium
Há anos que não se via o ministro das Finanças a ser publicamente pressionado pelos seus pares enquanto está a fazer o Orçamento. Sentem Centeno mais fraco? Será Centeno suficientemente livre?
HELENA GARRIDO  OBSERVADOR, 02 dez 2019
Era comum, enquanto o Orçamento estava a ser elaborado na Praça do Comércio, os restantes ministros desdobrarem-se em recados nos órgãos de comunicação social. Era, mas há muito que não se via. Na era da troika por razões óbvias. No primeiro Governo de António Costa porque todos pareciam perceber o valor eleitoral de dar ao PS o selo de responsabilidade financeira, ao mesmo tempo que iam distribuindo dinheiro pelos comensais do Orçamento, sem se preocuparem com os efeitos nos serviços públicos.
Mas agora o PS já conseguiu atingir o estatuto de “responsável financeiro” e Mário Centeno corre o risco de passar de grande activo do PS para passivo. O ministro das Finanças mais popular da história recente, que garantiu votos ao PS, é agora um herói que se pode transformar em vilão. Nada que não tivéssemos visto no passado com outros protagonistas, especialmente ministros independentes. Centeno parece agora ser descartável, numa altura em que o Governo parece estar a querer fazer uma gestão a dois anos.
Aquilo que já se ia ouvindo nos corredores transformou-se em notícia no Negócios, com a assinatura de Manuel Esteves e em editorial de Manuel Carvalho no Público. Um dos casos é protagonizado pelo Ministério da Administração Interna. Eduardo Cabrita quer que o seu orçamento aumente 5%, Centeno só quer dar mais 1%, noticiou o Público.
Várias vezes se criticou aqui a política orçamental seguida nos últimos quatro anos. Uma crítica dirigida ao caminho que se escolheu para reduzir o défice público, designadamente no que diz respeito ao ritmo da reposição salarial, que poderia ter sido mais lento para, ao mesmo tempo, ir investindo em equipamento nos serviços públicos. Desperdiçaram-se igualmente recursos, que fazem muita falta, ao reduzir o horário de trabalho para as 35 horas. E, do ponto de vista da democracia, assistimos a uma enorme falta de transparência na gestão das contas públicas, por via de uma gestão com cativações. Ao mesmo tempo que tudo se centralizava no Ministério das Finanças, alimentando ainda mais a desresponsabilização de direcções-gerais e gestores das empresas do Estado.
Fez-se uma gestão política pura e não de política económica. Nada de estrutural foi realizado e, pelo contrário, agravou-se o problema da rigidez da despesa – despesas com pessoal mais despesa social -, o que nos fará regressar ao pesadelo das medidas da era da troika, se uma crise financeira nos voltar a assolar.
Mas, dito isto, o objectivo foi atingido. Só não temos ainda excedente orçamental porque “parecia mal” aos parceiros que apoiaram o Governo. Na gestão política pura e dura foi um sucesso. Mas não se resolveu nenhum problema e essa é uma consciência que apenas subsiste, queremos crer, na cabeça de Mário Centeno e eventualmente na do primeiro-ministro. A dinâmica que vinha do Governo de Pedro Passos Coelho e que permitiu alguns dos bons resultados está a desaparecer e a hora da verdade começa a chegar, uma verdade que será tanto mais violenta quanto for o abrandamento da economia ou até uma crise.
Talvez por tudo isso Mário Centeno gostaria de ter deixado de ser ministro das Finanças. Mas ficou e agora tem de gerir a sua herança, com um PS menos disponível para uma austeridade à Centeno, na ilusão que com as contas públicas equilibradas o problema está resolvido. E na expectativa, o PS, de que tem um horizonte de dois anos para conseguir regressar a eleições e obter a desejada maioria absoluta.
Resta-nos esperar que António Costa tenha a consciência de que o problema das finanças públicas não está resolvido. Uma coisa é aproveitar os elogios que a Comissão Europeia nos faz sobre o caminho que fizemos, outra coisa é acreditar que resolvemos os problemas que temos. A dívida pública é ainda demasiado elevada para considerarmos que estamos no “porto de abrigo” uma vez referido por Centeno. A dívida total do país atinge o astronómico valor de mais de 700 mil milhões de euros. Como se nada disto existisse, a confiança dos portugueses está outra vez a pecar por excesso, como se tem visto nestes últimos dias de consumismo desenfreado, a relembrar 2010.
Mário Centeno tem pela frente a sua prova de fogo. Terá de ter uma enorme coragem e, especialmente, ser suficientemente livre para lutar pela disciplina financeira. Ao ponto de estar disposto a bater com a porta. O Orçamento 2020 que o Governo nos vai apresentar em meados de Dezembro vai revelar até onde vai Centeno e qual o apoio que ainda tem do primeiro-ministro.
COMENTÁRIOS:
Joaquim Moreira: Não deixa de ser interessante verificar, que, cada vez é mais claro que se fartaram de “nos” enganar. Digo “nos”, porque no que me diz respeito, cedo lhes descobri o jeito. Na verdade, com as tais “cativações”, conseguiram duas coisas: fazer aprovar na AR (que diziam que mandava) um OE e depois ser outro o executado; e assim, com esta forma de gerir o OE sem nenhuma transparência, fizeram crer os amigos, que os seus Orçamentos não precisavam de Rectificativos. Mas conseguiram ainda mais. Conseguiram dar a ideia aos seus parceiros e apoiantes, mudando muito pouco, que isto agora já não é como dantes. Ou seja, disseram uma coisa e fizeram outra, com o maior dos desplantes. Garantido que foi o apoio da esquerda, continuam a fazer tudo para tirar espaço à sua direita. No fundo, comportam-se como uma verdadeira seita.
francisco oliveira: Infelizmente o que HG prevê vai ser realidade. Os malabarismos e engenharias financeiras de políticos e oportunistas para ignorantes e serenos têm um fim trágico. A ausência de reestruturações foi fatal. O falhanço está á vista e já pulula outra ideia, "Regionalização". A criatividade, falta de vergonha e impunidade andam á solta !
Adelino Lopes: Não aceito a afirmação; “o PS já conseguiu atingir o estatuto de “responsável financeiro””. Até pode a fé dos seus eleitores chegar a esse ponto, mas a realidade é outra, não é? Défice implícito da segurança social, dívidas em atraso, efeitos (nos equipamentos) das cativações, dívidas debaixo dos tapetes (que ainda se desconhecem), etc, etc, não dizem nada? Até a história da gestão da dívida no final do ano, para dar aquela redução tão bonita para Bruxelas ver, é de alguém responsável?
Joao Mar: O socialismo acaba quando acaba o dinheiro dos outros.  Margaret Thatcher. Andaram 4 anos a esconder o estado calamitoso das contas públicas mas está cada vez mais difícil esconder.
Triunfo dos Porcos: Centeno é o principal responsável por Portugal ter desperdiçado uma oportunidade de ouro para realizar as reformas estruturais que há muito se impõem.
Ao alinhar com Costa nas políticas para garantir votos á esquerda e a fazê-lo com a consciência de estava a governar contra o interesse nacional, Centeno acabará mais tarde ou mais cedo por ficar para a história, como Teixeira dos Santos II.
Pedro Ferreira: Brilhante artigo da HG, mas à direita e à esquerda ninguém vai gostar. Os sinais são mais que muitos e considerando que temos um problema estrutural (não temos economia para o Estado Social) vamos novamente "bater na parede", como afirmava o saudoso Medina Carreira. A HG pode continuar a ser uma economista com ética (ler números para além da política de momento) porque vai acertar novamente. E eu tenho a certeza que acerto: com os socialistas no poder  a bancarrota tem grandes possibilidades de acontecer, é uma questão de tempo. E quem vai dar a notícia aos Portugueses? Tal como Cavaco, Marcelo averbará uma bancarrota no mandato e a culpa vai ser do .....................????? 
William Smith > Pedro Ferreira: ....a culpa vai ser do Passos.
victor guerra: Na anterior legislatura , Centeno só se preocupou com os brilharetes perante o estrangeiro. Deixa tudo caótico
Ana Ferreira: Não há Governo algum em que o ministro da finanças não seja o espremido mau da fita. O que não se via há anos é tanta gente, uma caldeirada desde indigentes até "especialistas" vendidos como HG, a desejar a queda de um dos principais responsáveis pelo enorme sucesso do Governo PS!
victor guerra > Ana Ferreira: A estupidez é um atributo "sovialista"
William Smith > Ana Ferreira: Tonta, não percebo então por que é que esse "enorme sucesso do governo do PS" não consegue passar dos 37% nas eleições.      Nas sondagens, eu sei que está sempre à beirinha da maioria absoluta mas, depois, na realidade, as coisas têm sido bem diferentes.
Paulo Silva: O que acontece é que o governo PS e o Bloco já estão em campanha eleitoral. Já perceberam que não vai longe este governo e por isso há que prometer tudo a todos. O Centeno quer as contas em ordem por isso não aceita certas promessas. Claro que isto vai dar um grande problema orçamental.


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