Fernando Pessoa
chamou-lhe louco, a D. Sebastião, por
causa do Alcácer-Quibir, mas desculpa-o, na sua Mensagem: “Sem a loucura que é o homem / Mais que a
besta sadia, / Cadáver adiado que procria?” O certo é que nós também o desculpamos, com ele irmanados
na loucura, mas continuamos à espera que ele volte, o D. Sebastião. Venha ele,
ou outro qualquer, safar isto, que andamos sempre enfiados no querer “grandeza, qual a Sorte a não dá”, tal
como ele, envoltos na irracionalidade do “Nevoeiro”
que no-lo vai trazer.
A prova de fogo de Centeno /premium
Há anos que não se via o ministro das
Finanças a ser publicamente pressionado pelos seus pares enquanto está a fazer
o Orçamento. Sentem Centeno mais fraco? Será Centeno suficientemente livre?
HELENA GARRIDO OBSERVADOR, 02
dez 2019
Era comum, enquanto o Orçamento estava a ser elaborado
na Praça do Comércio, os restantes ministros desdobrarem-se em recados nos
órgãos de comunicação social. Era, mas há muito que não se via. Na era da
troika por razões óbvias. No primeiro Governo de António Costa porque todos
pareciam perceber o valor eleitoral de dar ao PS o selo de responsabilidade
financeira, ao mesmo tempo que iam distribuindo dinheiro pelos comensais do
Orçamento, sem se preocuparem com os efeitos nos serviços públicos.
Mas agora o PS já conseguiu atingir o estatuto de
“responsável financeiro” e Mário Centeno corre o risco de passar de grande activo do PS para
passivo. O ministro das Finanças mais
popular da história recente, que garantiu votos ao PS, é agora um herói que se
pode transformar em vilão. Nada que não tivéssemos visto no passado com outros
protagonistas, especialmente ministros independentes. Centeno parece agora ser
descartável, numa altura em que o Governo parece estar a querer fazer uma
gestão a dois anos.
Aquilo que já se ia ouvindo nos
corredores transformou-se em notícia no Negócios, com a assinatura de Manuel
Esteves
e em editorial de Manuel Carvalho no Público. Um dos
casos é protagonizado pelo Ministério
da Administração Interna. Eduardo
Cabrita quer que o seu orçamento aumente 5%,
Centeno só quer dar mais 1%, noticiou o Público.
Várias vezes se criticou aqui a política orçamental
seguida nos últimos quatro anos. Uma crítica dirigida ao
caminho que se escolheu para reduzir o défice público, designadamente no que
diz respeito ao ritmo da reposição salarial, que poderia ter sido mais lento
para, ao mesmo tempo, ir investindo em equipamento nos serviços públicos.
Desperdiçaram-se igualmente recursos, que fazem muita falta, ao reduzir o
horário de trabalho para as 35 horas. E, do ponto de vista da democracia,
assistimos a uma enorme falta de transparência na gestão das contas públicas,
por via de uma gestão com cativações. Ao mesmo tempo que tudo se centralizava
no Ministério das Finanças, alimentando ainda mais a desresponsabilização de
direcções-gerais e gestores das empresas do Estado.
Fez-se uma gestão política pura e
não de política económica. Nada de estrutural foi realizado e, pelo contrário, agravou-se o
problema da rigidez da despesa – despesas com pessoal mais despesa social -, o
que nos fará regressar ao pesadelo das medidas da era da troika, se uma crise
financeira nos voltar a assolar.
Mas, dito
isto, o objectivo foi atingido. Só não temos ainda excedente orçamental porque
“parecia mal” aos parceiros que apoiaram o Governo. Na gestão política pura e
dura foi um sucesso. Mas não se resolveu nenhum problema e essa é uma
consciência que apenas subsiste, queremos crer, na cabeça de Mário Centeno e
eventualmente na do primeiro-ministro. A dinâmica que vinha do
Governo de Pedro Passos Coelho e que permitiu alguns dos bons resultados está a
desaparecer e a hora da verdade começa a chegar, uma verdade que será tanto
mais violenta quanto for o abrandamento da economia ou até uma crise.
Talvez por
tudo isso Mário
Centeno gostaria de ter deixado de
ser ministro das Finanças. Mas ficou e agora tem de gerir a sua herança, com um PS menos
disponível para uma austeridade à Centeno, na ilusão que com as contas públicas
equilibradas o problema está resolvido. E na expectativa, o PS, de que tem
um horizonte de dois anos para conseguir regressar a eleições e obter a
desejada maioria absoluta.
Resta-nos
esperar que António Costa tenha a consciência de que o problema das finanças
públicas não está resolvido. Uma coisa é aproveitar os elogios que a Comissão Europeia nos faz sobre o
caminho que fizemos, outra coisa é acreditar que resolvemos os problemas que
temos. A dívida pública é ainda demasiado elevada para considerarmos que
estamos no “porto de abrigo” uma vez referido por Centeno. A
dívida total do país atinge o astronómico valor de mais de 700 mil milhões de
euros. Como se nada disto existisse, a confiança dos portugueses está outra
vez a pecar por excesso, como se tem visto nestes últimos dias de consumismo
desenfreado, a relembrar 2010.
Mário Centeno tem pela frente a
sua prova de fogo. Terá de ter uma enorme coragem e, especialmente, ser suficientemente
livre para lutar pela disciplina financeira. Ao ponto de estar disposto a bater com a porta. O
Orçamento 2020 que o Governo nos vai apresentar em meados de Dezembro vai
revelar até onde vai Centeno e qual o apoio que ainda tem do primeiro-ministro.
COMENTÁRIOS:
Joaquim Moreira: Não deixa de ser interessante verificar, que, cada vez é mais claro que se
fartaram de “nos” enganar. Digo “nos”, porque no que me diz respeito, cedo lhes
descobri o jeito. Na verdade, com as tais “cativações”, conseguiram duas
coisas: fazer aprovar na AR (que diziam que mandava) um OE e depois ser outro o
executado; e assim, com esta forma de gerir o OE sem nenhuma transparência,
fizeram crer os amigos, que os seus Orçamentos não precisavam de
Rectificativos. Mas conseguiram ainda mais. Conseguiram dar a ideia aos seus
parceiros e apoiantes, mudando muito pouco, que isto agora já não é como
dantes. Ou seja, disseram uma coisa e fizeram outra, com o maior dos
desplantes. Garantido que foi o apoio da esquerda, continuam a fazer tudo para
tirar espaço à sua direita. No fundo, comportam-se como uma verdadeira seita.
francisco oliveira: Infelizmente o que HG prevê vai ser realidade.
Os malabarismos e engenharias financeiras de políticos e oportunistas
para ignorantes e serenos têm um fim trágico. A
ausência de reestruturações foi fatal. O
falhanço está á vista e já pulula outra ideia, "Regionalização". A criatividade, falta de vergonha e impunidade
andam á solta !
Adelino Lopes: Não aceito a afirmação; “o PS já conseguiu atingir o estatuto de
“responsável financeiro””. Até pode a fé dos seus eleitores chegar a esse
ponto, mas a realidade é outra, não é? Défice implícito da segurança social,
dívidas em atraso, efeitos (nos equipamentos) das cativações, dívidas debaixo
dos tapetes (que ainda se desconhecem), etc, etc, não dizem nada? Até a
história da gestão da dívida no final do ano, para dar aquela redução tão
bonita para Bruxelas ver, é de alguém responsável?
Joao Mar: O socialismo acaba quando acaba o dinheiro dos outros. Margaret
Thatcher. Andaram 4 anos a esconder o
estado calamitoso das contas públicas mas está cada vez mais difícil esconder.
Triunfo dos Porcos: Centeno é o principal responsável por Portugal ter desperdiçado uma
oportunidade de ouro para realizar as reformas estruturais que há muito se
impõem.
Ao alinhar com Costa nas políticas para garantir votos
á esquerda e a fazê-lo com a consciência de estava a governar contra o
interesse nacional, Centeno acabará mais tarde ou mais cedo por ficar para a
história, como Teixeira dos Santos II.
Pedro Ferreira: Brilhante artigo da HG, mas à direita e à esquerda ninguém vai gostar. Os
sinais são mais que muitos e considerando que temos um problema estrutural (não
temos economia para o Estado Social) vamos novamente "bater na
parede", como afirmava o saudoso Medina Carreira. A HG pode continuar a
ser uma economista com ética (ler números para além da política de momento) porque
vai acertar novamente. E eu tenho a certeza que acerto: com os socialistas no
poder a bancarrota tem grandes possibilidades de acontecer, é uma questão
de tempo. E quem vai dar a notícia aos Portugueses? Tal como Cavaco, Marcelo
averbará uma bancarrota no mandato e a culpa vai ser do
.....................?????
victor guerra: Na anterior legislatura , Centeno só se preocupou com os brilharetes
perante o estrangeiro. Deixa tudo caótico
Ana Ferreira: Não há Governo algum em que o ministro da finanças não seja o espremido mau
da fita. O que não se via há anos é tanta gente, uma caldeirada desde
indigentes até "especialistas" vendidos como HG, a desejar a queda de
um dos principais responsáveis pelo enorme sucesso do Governo PS!
William Smith > Ana Ferreira: Tonta, não percebo então por que é que esse
"enorme sucesso do governo do PS" não consegue passar dos 37% nas
eleições. Nas sondagens, eu sei que está sempre à beirinha
da maioria absoluta mas, depois, na realidade, as coisas têm sido bem diferentes.
Paulo Silva: O que acontece é que o governo PS e o Bloco já estão em campanha eleitoral.
Já perceberam que não vai longe este governo e por isso há que prometer tudo a
todos. O Centeno quer as contas em ordem por isso não aceita certas promessas.
Claro que isto vai dar um grande problema orçamental.
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