sábado, 7 de dezembro de 2019

Claro como a água



“dos espertos regatinhos que fugiam, rindo com os seixos, dentre as patas da égua e do burro” dos tempos do Jacinto e do Zé Fernandes, porquanto a água de hoje é mais à base de químicos purificadores, já não merecendo o provérbio do título acima. Mas o discurso de Vasco Pulido Valente é assim, de provérbio ido – claro, directo, risonho por desprezo, severo por ânsia correctiva, clarividente, percuciente, sintético, na sua viagem pela Terra, que é a de todos nós, graças aos veleiros de outrora e às aeronaves de agora, os últimos dos quais - e os primeiros também, por já na sucata - a nossa Greta despreza, contaminada pelos zunzuns politiqueiros, sem reparar nos contrassensos dessas passeatas que faz, ao abrigo dos tais zunzuns...
CRÓNICA
Diário
A menina Greta veio agora à vela de Nova Iorque. E como tinha de fazer escala em Lisboa, provocou, naturalmente, uma crise de nervos nacional.
VASCO PULIDO VALENTE
PÚBLICO, 7 de Dezembro de 2019
A menina Greta veio agora à vela de Nova Iorque, para não sujar o planeta e para convencer os milhões de pessoas que todos os dias atravessam o Atlântico que esse é o método mais prático e seguro de viajar. A propósito, o destino da menina Greta é Madrid.
E como tinha de fazer escala em Lisboa, provocou, naturalmente, uma crise de nervos nacional. O senhor Presidente da República explicou em pormenor por que razão não tencionava recebê-la com muitas selfies e um discurso no Cais de Alcântara. O senhor presidente da Câmara de Lisboa já prometeu oratória e beijinhos. O senhor ministro do Ambiente teve um espasmo de alegria e virtude. E não há quem os agarre.
1 de Dezembro: O 1.º de Dezembro é uma data curiosa. Começou por ser o emblema da casa de Bragança: um emblema dinástico e não um emblema nacional. Foi também, depois, o hino do constitucionalismo monárquico, escrito por D. Pedro IV num acesso de lirismo imperial. Durante a República tornou-se numa festa da resistência monárquica. Hoje em dia, não se sabe porquê, o Estado democrático resolveu juntar-lhe o hino da Patuleia, que 35 bandas tocaram misteriosamente nos Restauradores.
Claro que Marcelo não se meteu nesta trapalhada: ajuizadamente entrou mudo e saiu calado nas cerimónias oficiais. Deixou a idiotia retórica a Siza Vieira e Fernando Medina.
2 de Dezembro:  A NATO perdeu todo o sentido, desde que Trump foi eleito para a presidência dos Estados Unidos e declarou que o seu principal interesse estava no Pacífico. E está: a Rússia ainda tem uma máquina de guerra capaz de intimidar qualquer um, mas tem uma economia frágil, atrasada e muito pequena – por esse lado, não inquieta ninguém. Quando caiu o muro de Berlim, caíram também os argumentos que justificavam uma aliança da América com a Europa. Para a América, essa aliança era só uma despesa; para a Europa acabou por ser a condição da sua prosperidade. Durante o império soviético a Europa viveu tranquila sob o guarda-chuva americano e hoje nem sequer gasta 2% do PIB em sua defesa.
Não admira que Trump ande por aí a fazer desacatos. Os problemas que ele tem com a Ucrânia são outros. E não passa pela cabeça de Putin arrasar o mundo pelo prazer de mandar na Bulgária ou na Letónia; nem sequer pelo prazer de mandar num bocado da Ucrânia. A arrogância da América e da Rússia face à Europa assenta nesta verdade primária: a Europa é uma personagem gratuitamente acrescentada ao quadro.
4 de Dezembro: Os candidatos à “liderança” do PSD insultaram-se entusiasticamente mostrando a mediocridade de todos eles – o que se previa. O que não se previa é que, discutindo o partido com um ar sabedor, nenhum deles se tivesse referido à Igreja Católica Apostólica Romana. É como se ela nunca tivesse existido, nunca se tivesse importado com as peripécias do casamento de Sá Carneiro e não fosse, nos primeiros anos do regime, uma força decisiva em qualquer eleição.
Colunista

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