Pobre pequena Greta! Com lágrimas! Autênticas! Vai dando os seus
espectáculos, merecendo os seus apoios, habilmente manuseados, de ruído e
basbaquice, até ver, para fortalecimento económico, talvez, de quem disso se aproveita,
em muitas frentes. Talvez não tarde aí o prémio Nobel da sofistificação geral,
de quem assim vai dando a entender que sabe da coisa que assusta o mundo. Pelo
menos serve – para além da repugnância de alguns mais hábeis na dedução – para
provocar textos destes, como o de Alberto Gonçalves, para gáudio geral. Ou antes, parcial, não devemos ser
assim tão crédulos, parece mal aos detentores do alarme.
A pequena Greta deu-me alguma coisa em que acreditar /premium
A pequena Greta e os seus fiéis fizeram-me acreditar: agora acredito
que a hecatombe por via do CO2 é capaz de ser uma pantominice pegada. Logo, se
as criaturas se afligem, eu ando descansado.
ALBERTO GONÇALVES, Colunista
do Observador
OBSERVADOR, 07 dez 2019
Numa paródia moralista, “conscienciosa” e “correcta”, um humorista
australiano “criou” uma linha de apoio telefónico para adultos que se irritam
com a pequena Greta. É uma ideia. E uma linha de apoio para adultos que
levam, ou fingem levar, a pequena Greta a sério?
Eu próprio reconheço que a pequena Greta não é uma adolescente comum. Os
adolescentes comuns dizem disparates comuns. A pequena Greta emite
barbaridades com impressionante frequência, o que no caso dela é compreensível.
Afinal, estamos a falar não só de uma adolescente, mas de uma adolescente que
falta às aulas, que sofre de um problema mental devidamente diagnosticado e que
é explorada pelos pais com fins económicos. Sem instrução, sem juízo e sem uma
família decente, é natural que a pequena Greta não dê uma para a caixa. E, nos
tempos que correm, é natural que as pessoas corram a ouvi-la.
Também é verdade que não houve muitos a correr, ou a conduzir veículos
poluentes, para a doca de Alcântara ou lá onde é que foi que a pequena Greta
atracou, escoltada por uma resma de lanchas “verdes” da GNR. Tirando os
repórteres, alguns deputados da esquerda e da extrema-esquerda, aquele autarca
de Lisboa e uma trupe de saltimbancos liderada por um genro do conselheiro de
Estado Francisco Anacleto Louçã, não havia ninguém.
Por mim, estranhei a ausência de cegos e paralíticos em busca da bênção
(a dra. Joacine marcou presença e, que se saiba, continua gaga). E estranhei
a ausência de público em geral. É possível que os cidadãos se tenham
revisto na carta que o ministro do Ambiente enviou previamente à pequena
Greta, e achassem que a interacção com a moça se esgotara aí: em matéria de
ridículo era difícil conseguir melhor. As televisões tentaram. Eu, que
estava num hotel, liguei o televisor às oito e meia e uns nove canais
transmitiam a chegada em directo. Quatro horas depois, num café, a
transmissão da chegada, ainda não concretizada, prosseguia. Por pudor, não
reproduzo os comentários dos “jornalistas”. Por pirraça, noto que a
crise dos “media” é inteiramente justificada. Entretanto, a pequena Greta
já rumou a Madrid, para uma Cimeira do Clima em que todos os participantes
viajaram em meios alternativos – alternativos aos respectivos discursos
sobre a “pegada ecológica”.
Eis a grande questão: quem são os fiéis da pequena Greta? Há
diversas tendências, que às vezes se sobrepõem. Em primeiro lugar, temos os pasmados.
Os pasmados inscrevem-se numa longa linhagem. São os descendentes em linha
recta dos chalupas que passavam a vida à espera do regresso de um profeta
qualquer e gritavam “Lá vem ele! Lá vem ele!” sempre que Matias, o bêbado da
aldeia, dobrava uma esquina aos tropeções. São indivíduos carentes de um santo
que os salve da exacta calamidade que o santo anunciou.
Em segundo lugar, temos os alarmistas. São os que não apenas compraram a versão blu-ray do
“documentário” de Al Gore como viram aquela pessegada. Estão convencidos
de que o degelo destruirá a Terra em 2030 com o fervor com que se
convenceram de que o degelo destruiria a Terra em 2010. E se não é o
degelo é a seca. E se não é 2030 é 2045. Garantido é que isto vai tudo
pelos ares.
Em terceiro lugar, temos os activistas. Diferem dos alarmistas na medida em que evitam os
“documentários” e outra “informação” disponível acerca do clima e saltam
logo para as teses finais:
a culpa é do capitalismo, em particular dos EUA (menos os EUA de Obama), de
Israel, do Ocidente, das democracias representativas e de Pedro Passos Coelho. Se terraplanássemos a modernidade, com excepção
dos telemóveis deles e dos carros deles e dos voos deles, o problema ficaria
resolvido. São os valentes que protestam contra o muro “de Trump” mas fecham a
porta de casa à chave. Face ao apocalipse iminente e indiscriminado, propõem o
apocalipse imediato e selectivo.
Em quarto lugar, temos os oportunistas. Os oportunistas são que aproveitam
aberraçõezinhas do calibre da pequena Greta para espalhar o pânico e ganhar
dinheiro ou prestígio no processo. Não estou a criticar a energia eólica,
por exemplo: estou a dizer que a defenderia com maior empenho se fosse
accionista de uma empresa de ventoinhas com compinchas no poder.
Em quinto lugar, temos os socialistas.
Da forma que costumam descobrir no que calha, do turismo (a “preservação da
identidade histórica”) aos refrigerantes (a “educação para a saúde”), os
socialistas descobrem nas “preocupações ambientais” uma
oportunidade – para aumentar impostos.
Vigarices e alucinações à parte, a falta de competência técnica
levou-me nos últimos anos a fugir aos debates acerca do aquecimento global,
perdão, das alterações climáticas, perdão, da emergência climática. Hoje,
acabei por arranjar uma posição convicta. Devo-a ao famoso consenso. Se criaturas como a pequena Greta, o
eng. Guterres, o dr. Costa, o prof. Marcelo, o arquitecto Louçã e o genro do
arquitecto Louçã acham que o homem está a influenciar o clima, o bom senso
manda concluir que o homem, seja ele quem for, não tem nada a ver com isso. A
pequena Greta e os seus fiéis fizeram-me acreditar: agora acredito que a
hecatombe por via do CO2 é capaz de ser uma pantominice pegada. Logo, se as
criaturas se afligem, eu ando descansado.
Mesmo que, por hipótese absurda, uma vasta quantidade de gente que
nunca teve razão na vida tivesse razão nesta história em particular eu
continuaria descansadíssimo. Desde já, porque bandas do gabarito dos Coldplay
prometeram não voltar a tocar até que inventem concertos amigos do ambiente (estas
coisas é que não se inventam). E depois porque, no limite, dar cabo de um mundo que venera a pequena
Greta não me parece uma decisão excessivamente lamentável.
‘
Nenhum comentário:
Postar um comentário