Devo ter alguma costela do sr. João da Esquina, que rejeitava
liminarmente a sugestão do arsénico como tratamento dos nervos, receitado pelo
recém formado em Medicina, o Daniel das “Pupilas do Sr. Reitor”, logo na sua
primeira visita médica, (em substituição de João Semana, por sugestão da criada
deste, Joana, que protegia o velho médico seu patrão, no seu bem-estar, com os
cuidados de mãe zelosa, que não dispensava as boas sestas para ele, após o
almoço reparador das suas andanças de médico caminheiro, praticando a sua velha
medicina de forma rezingonamente generosa). Na sequência, pois, da sugestão de
Joana, Daniel dá inicio às suas visitas médicas e ao despoletar da trama
romanesca clara e sensível do primeiro romance de Júlio Dinis. E é assim que a
srª Teresa, digna esposa do merceeiro João da Esquina e progenitora da menina
Francisca, jovem de muitas prendas que a mãe enaltece junto do novel médico, bom
partido para a mãe extremosa, incita o marido com o medicamento à base de
arsénico, que o marido irritado se recusa a tomar por ser usado modernamente na
criação cavalar. À sugestão astuciosa da mulher para que tomasse o remédio
receitado pelo excelente partido que Daniel logo representou no espírito da previdente
mãe de Francisca, o sr. José da Esquina repudiou-a com a exaltação “- Ó mulher,
não me digas isso! Que cisma!”, anjinho que era, por não ter logo percebido a
maquinação da esposa.
Tal estou eu, que nunca percebi a necessidade de
tomar o arsénico para poder singrar na vida como mandam as ambições pessoais.
Tivesse eu, pois, pertencido à maçonaria e outro galo me cantaria.
Afinal, nada disto que acima foi dito parece
pertencer à categoria de comentário de um assunto que outros comentadores
debatem melhor. Foi pura divagação que o belo arranque histórico de PachecoPereira me trouxe, com o apoio sabedor
dos seus comentadores. Um dia - quem sabe? - –também tomarei o arsénico. Mas
preferia que me saísse o euro-milhões, claro.
OPINIÃO
Qual é o problema com a maçonaria no PSD?
Fazer parte da maçonaria, para quem se formou politicamente dentro do
PSD nos tempos mais recentes, nada tem que ver com os maçons sociais-democratas
do passado.
JOSÉ PACHECO PEREIRA
PÚBLICO, 21 de Dezembro de 2019
Em teoria, nenhum. O
PSD, como quase todos os partidos portugueses, teve e tem gente da maçonaria.
O problema é que não é a mesma coisa ter tido Nuno Rodrigues dos
Santos, ou Emídio Guerreiro, ou Leonardo Ribeiro de Almeida como maçons dentro
do PSD, ou ter Miguel Relvas.
É que eles não “usam” a
maçonaria da mesma maneira, eles têm lá as lojas, os nomes simbólicos, as
iniciações, os aventais, mas são duas coisas muito distintas. E os maçons que
hoje têm posições dirigentes nas estruturas locais, principalmente em Lisboa e
Porto, assim como os que são candidatos, nada têm que ver com os maçons da
génese do PPD, que estavam lá não por serem maçons mas, sim, porque vinham da
oposição republicana moderada e essa tradição era desejada pelos fundadores do
PPD como elemento legitimador do jovem partido. Acresce que nem todas as “obediências”
são iguais e algumas estiveram nos últimos anos envolvidas em casos de
corrupção e tráfico de influências.
A maçonaria que vinha da geração republicana estava no
PPD porque uma parte da oposição moderada não comunista entrou para o partido
logo na sua fase fundacional. Aliás,
Nuno Rodrigues dos Santos tentou
trazer para o PPD os seus amigos do Directório Democrático-Social, muitos dos
quais maçons, numa tentativa que falhou. O grande veto nesses
anos, logo em 1974-5, para os recrutamentos para o PPD não era a maçonaria, mas
a pertença à União Nacional e à sua sucessora Acção Nacional Popular (ANP). Sá Carneiro e os seus
companheiros fundadores fizeram todos os esforços para vetar a entrada de
filiados com essa origem. Mesmo os
embrionários “serviços de informação” do PPD, que existiram em 1975, uma das
coisas que faziam era verificar as fichas de adesão para evitar a entrada de
membros da ANP. Embora tenha havido excepções, principalmente no Porto, e
nalgumas estruturas locais, em que entraram antigos membros da ANP, esse veto
existia e está bastante documentado nos documentos iniciais do PPD como sendo
uma das preocupações centrais de Sá Carneiro.
Dito isto, a cultura política das “bases” do PPD e depois do PSD tinha
duas componentes marcantes: era anticomunista e antimaçónica, e
esses “anti” tinham que ver com a composição social do partido moldado nos anos
do PREC. O anticomunismo
era essencialmente o anti-PREC, e a antimaçonaria era o anti-PS. Mas neste último caso ia-se mais longe para a
percepção popular, que juntava elementos verdadeiros com imaginários,
que atribuíam ao segredo maçónico, e à ajuda mútua entre maçons, uma
conspiração permanente pelo controlo secreto do poder político. Ora, este elemento de recusa de uma
organização secreta que era transversal aos partidos políticos, e que explicava
promoções, carreiras, negócios, escolhas, e acima de tudo protecções, fazia e
ainda faz parte da cultura política das “bases” do PSD.
Era mais fácil admitir que os socialistas fossem
maçons quase por regra, mas era visto com muita desconfiança que houvesse PSD
que o fossem. É por
saberem que é assim que, quando se suscitou a questão de haver
candidatos à liderança do PSD que eram maçons, os dois candidatos que tinham ou
têm ligações à maçonaria, e que sabem que essa filiação ainda é pestífera
dentro do partido, vieram negar a sua pertença, ou afirmar que foi apenas uma
relação passageira lá muito no passado. Compreende-se que o façam, mas só a ignorância dos rituais
maçónicos, a começar pelos seus aspectos iniciáticos, é que pode atribuir a
essa pertença uma ligeireza que nunca existiu. Fazer parte da maçonaria é uma
ligação “pesada” e densa, que não tem comparação com a pertença a um clube
desportivo ou a uma associação de desenvolvimento regional. E fazer
parte da maçonaria, para quem se formou politicamente dentro do PSD nos tempos
mais recentes, nada tem que ver com os maçons sociais-democratas do passado. Já
se fossem para a Opus Dei, aí não me espantaria.
Se eu sei qual a presença das tradições clássicas da maçonaria no
aparelho do PS, na política e na ideologia, quase natural pela história dos
socialistas, vejo com muita dificuldade que essa presença exista
qualitativamente no PCP, ou no Bloco, ou… no PSD. Todos têm maçons, mas não é a
mesma coisa: as duas primeiras instituições não lhes permitem usar a maçonaria
para efeitos de poder interno, mas na evolução recente do PSD, associada à
viragem à direita nos anos da troika, já é outra história.
O que sobra então na atracção pela maçonaria de gente que vem de zonas
cultural e politicamente tão alheias, e cuja história partidária
tem muito que ver com a inflexão de carreiras feitas na sociedade para
carreiras feitas dentro do partido ocorrida nos últimos anos? Não é certamente o amor pelo Supremo
Arquitecto, mas o incremento do poder que dá pertencer a um grupo que pode dar
“conhecimentos”, oportunidades, negócios, relações e protecções, e que pode ser
uma alavanca almofadada para ambições políticas. É como no reclame do Restaurador Olex, um negro com
cabelo louro ou um branco de carapinha não é natural, o que é natural é cada um
usar o cabelo com que nasceu. Poupo-vos a descrição do que neste caso
significa para homens maduros ter o cabelo louro ou carapinha e andar de
avental e luvas brancas num partido como o PSD.
Colunista
COMENTÁRIOS
Célio Carreira: A Maçonaria (sabemos que há várias Lojas),
analisada em si mesma, nos seus princípios e nos seus fundamentos históricos,
não é nenhum bicho de sete cabeças. Os seus princípios visam, em geral,
o bem da Humanidade e envolvem a elevação moral e ética do Homem. Alguns
ramos não rejeitam a religião; outros - a maioria - são ateus. No caso dos
maçons portugueses (os que interessam para esta conversa), que são em maior
número do que se pensa, o problema é que muitos servem-se dela como
trampolim para alcançarem posições de topo e cargos políticos que pelos seus
méritos pessoais nunca alcançariam. Daí que fique a suspeita de que há
favores a pagar e cumplicidades a defender e que a organização discreta passará
sempre à frente dos deveres cívicos e éticos a que estão obrigados perante os
cidadãos.
DNG, 21.12.2019: Um texto para a história do PSD. Pode um partido que se
diz liberal ser colonizado por interesses obscuros?
nelsonfari, 21.12.2019: Perfeitamente de acordo com o último parágrafo.
Conheci alguns jovens saídos da Universidade com espírito de obter
"sucesso". Até, em telefonemas de trabalho com outros jovens se
despediam alegremente com cumprimentos e votos de "sucesso". Thatcher
e Reagan tinham virado as economias do avesso e, cá neste Portugal, começaram a
aparecer "jovens turcos" em que a Maçonaria era simplesmente uma via
auxiliar para chegar onde se queria, E, hoje, estão em cargos públicos de topo,
com salários fabulosos, automóvel, cartão de crédito e outras regalias. É
como chegar às empresas e pensar: "Money, that´s what I want". E,
estupidamente, na Antena 1, um jornalista dito veterano, de nome Raul Vaz, no
"Contraditório", sente-se perplexo pois não entende qual é o
problema. Um senhor no mínimo estranho.
AndradeQB, 21.12.2019: Na altura em que Candal identificou os lobbies que na
altura mandavam, não me parecia, por razões distintas, poder integrar qualquer
um deles: o de Macau porque não tinha lá estado; o dos LBGTx porque não
tinah condições de entrar; um partido, que sempre me pareceu uma boa ideia
ficou de fora após alguns pré-ensaios que me provaram que isso ultrapassava
elasticidade do meu estômago; o avental ou a cruz eram também uma ideia, mas
ambos me pareciam conter algo de dinástico que afetava o meu sentir republicano.
Pensei, assim, que com as hesitações tinha perdido uma oportunidade, mas
agora vejo que para ser uma verdadeira oportunidade é preciso: ter estado em
Macau; ser-se ou fingir-se LBGTx; estar num partido; colocar avental e andar
com uma cruz. Ufa...
Joaquim Silva Ferreira.850797, 21.12.2019: Quando se fala
de maçonaria, não estamos a falar de uma qualquer sociedade secreta recente,
tipo Grupo Bilderberg (1954), Opus dei, etc. Estamos a falar de algo muito sério... que está a interferir
continuamente, desde há séculos, nos destinos da humanidade. Mas vamos ao que interessa agora. Os graus mais
baixos da maçonaria não são informados do que realmente se está a passar - só a
partir do topo é que a verdade é revelada, portanto, a um nível muito restrito.
Quando se fala dos maçons do passado, sejam eles de que partido for (isso é
irrelevante), estamos a falar de homens que ocupavam lugares cimeiros na
escala maçónica, portanto, de homens que já tinham acesso à rede mundial da
maçonaria, que, por sua vez se interliga com outras sociedades secretas...
(Não há espaço para continuar.)
Fernando
Ferreira, 21.12.2019: Nem no
PSD os maçons de hoje são comparáveis aos antigos nem a maçonaria de hoje se
compara á de outros tempos. Hoje qualquer borra botas é maçom e a maçonaria
também tem outros desígnios.
francisco tavares, 21.12.2019: A maçonaria, que é uma organização secreta, pelo
menos em muitos aspectos, nos tempos atuais não tem justificação. Ou
ser totalmente aberta. O que
é surpreendente é que ela seja tão antiga. Remontará ao Egipto antigo, dos faraós. E
teria aderentes de Israel. Cristo terá, segundo alguns, sido maçónico.
Templários terão feito parte dela. Terá sido por isso que foram perseguidos e a
organização dissolvida. Há catedrais em França que foram construídas por eles,
nomeadamente a Catedral de Chartres, Notre-Dame de Paris e Amiens. Foram
construtores do gótico medieval. Há um livro interessante sobre esta matéria: A
Mensagem por detrás dos Símbolos, subtítulo Os códigos utilizados por
quem não se podia expressar, autor Tim Wallace-Murphy, editora >|
verso da >|apa (verso da Kapa
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