domingo, 22 de dezembro de 2019

Por que raio é que eu não pertenci à maçonaria?

Devo ter alguma costela do sr. João da Esquina, que rejeitava liminarmente a sugestão do arsénico como tratamento dos nervos, receitado pelo recém formado em Medicina, o Daniel das “Pupilas do Sr. Reitor”, logo na sua primeira visita médica, (em substituição de João Semana, por sugestão da criada deste, Joana, que protegia o velho médico seu patrão, no seu bem-estar, com os cuidados de mãe zelosa, que não dispensava as boas sestas para ele, após o almoço reparador das suas andanças de médico caminheiro, praticando a sua velha medicina de forma rezingonamente generosa). Na sequência, pois, da sugestão de Joana, Daniel dá inicio às suas visitas médicas e ao despoletar da trama romanesca clara e sensível do primeiro romance de Júlio Dinis. E é assim que a srª Teresa, digna esposa do merceeiro João da Esquina e progenitora da menina Francisca, jovem de muitas prendas que a mãe enaltece junto do novel médico, bom partido para a mãe extremosa, incita o marido com o medicamento à base de arsénico, que o marido irritado se recusa a tomar por ser usado modernamente na criação cavalar. À sugestão astuciosa da mulher para que tomasse o remédio receitado pelo excelente partido que Daniel logo representou no espírito da previdente mãe de Francisca, o sr. José da Esquina repudiou-a com a exaltação “- Ó mulher, não me digas isso! Que cisma!”, anjinho que era, por não ter logo percebido a maquinação da esposa.
Tal estou eu, que nunca percebi a necessidade de tomar o arsénico para poder singrar na vida como mandam as ambições pessoais. Tivesse eu, pois, pertencido à maçonaria e outro galo me cantaria.
Afinal, nada disto que acima foi dito parece pertencer à categoria de comentário de um assunto que outros comentadores debatem melhor. Foi pura divagação que o belo arranque histórico de PachecoPereira me trouxe, com o apoio sabedor dos seus comentadores. Um dia - quem sabe? - –também tomarei o arsénico. Mas preferia que me saísse o euro-milhões, claro. 

OPINIÃO
Qual é o problema com a maçonaria no PSD?
Fazer parte da maçonaria, para quem se formou politicamente dentro do PSD nos tempos mais recentes, nada tem que ver com os maçons sociais-democratas do passado.
JOSÉ PACHECO PEREIRA
PÚBLICO, 21 de Dezembro de 2019
Em teoria, nenhum. O PSD, como quase todos os partidos portugueses, teve e tem gente da maçonaria. O problema é que não é a mesma coisa ter tido Nuno Rodrigues dos Santos, ou Emídio Guerreiro, ou Leonardo Ribeiro de Almeida como maçons dentro do PSD, ou ter Miguel Relvas. É que eles não “usam” a maçonaria da mesma maneira, eles têm lá as lojas, os nomes simbólicos, as iniciações, os aventais, mas são duas coisas muito distintas. E os maçons que hoje têm posições dirigentes nas estruturas locais, principalmente em Lisboa e Porto, assim como os que são candidatos, nada têm que ver com os maçons da génese do PPD, que estavam lá não por serem maçons mas, sim, porque vinham da oposição republicana moderada e essa tradição era desejada pelos fundadores do PPD como elemento legitimador do jovem partido. Acresce que nem todas as “obediências” são iguais e algumas estiveram nos últimos anos envolvidas em casos de corrupção e tráfico de influências.
A maçonaria que vinha da geração republicana estava no PPD porque uma parte da oposição moderada não comunista entrou para o partido logo na sua fase fundacional. Aliás, Nuno Rodrigues dos Santos tentou trazer para o PPD os seus amigos do Directório Democrático-Social, muitos dos quais maçons, numa tentativa que falhou. O grande veto nesses anos, logo em 1974-5, para os recrutamentos para o PPD não era a maçonaria, mas a pertença à União Nacional e à sua sucessora Acção Nacional Popular (ANP). Sá Carneiro e os seus companheiros fundadores fizeram todos os esforços para vetar a entrada de filiados com essa origem. Mesmo os embrionários “serviços de informação” do PPD, que existiram em 1975, uma das coisas que faziam era verificar as fichas de adesão para evitar a entrada de membros da ANP. Embora tenha havido excepções, principalmente no Porto, e nalgumas estruturas locais, em que entraram antigos membros da ANP, esse veto existia e está bastante documentado nos documentos iniciais do PPD como sendo uma das preocupações centrais de Sá Carneiro.
Dito isto, a cultura política das “bases” do PPD e depois do PSD tinha duas componentes marcantes: era anticomunista e antimaçónica, e esses “anti” tinham que ver com a composição social do partido moldado nos anos do PREC. O anticomunismo era essencialmente o anti-PREC, e a antimaçonaria era o anti-PS. Mas neste último caso ia-se mais longe para a percepção popular, que juntava elementos verdadeiros com imaginários, que atribuíam ao segredo maçónico, e à ajuda mútua entre maçons, uma conspiração permanente pelo controlo secreto do poder político. Ora, este elemento de recusa de uma organização secreta que era transversal aos partidos políticos, e que explicava promoções, carreiras, negócios, escolhas, e acima de tudo protecções, fazia e ainda faz parte da cultura política das “bases” do PSD.
Era mais fácil admitir que os socialistas fossem maçons quase por regra, mas era visto com muita desconfiança que houvesse PSD que o fossem. É por saberem que é assim que, quando se suscitou a questão de haver candidatos à liderança do PSD que eram maçons, os dois candidatos que tinham ou têm ligações à maçonaria, e que sabem que essa filiação ainda é pestífera dentro do partido, vieram negar a sua pertença, ou afirmar que foi apenas uma relação passageira lá muito no passado. Compreende-se que o façam, mas só a ignorância dos rituais maçónicos, a começar pelos seus aspectos iniciáticos, é que pode atribuir a essa pertença uma ligeireza que nunca existiu. Fazer parte da maçonaria é uma ligação “pesada” e densa, que não tem comparação com a pertença a um clube desportivo ou a uma associação de desenvolvimento regional. E fazer parte da maçonaria, para quem se formou politicamente dentro do PSD nos tempos mais recentes, nada tem que ver com os maçons sociais-democratas do passado. Já se fossem para a Opus Dei, aí não me espantaria.
Se eu sei qual a presença das tradições clássicas da maçonaria no aparelho do PS, na política e na ideologia, quase natural pela história dos socialistas, vejo com muita dificuldade que essa presença exista qualitativamente no PCP, ou no Bloco, ou… no PSD. Todos têm maçons, mas não é a mesma coisa: as duas primeiras instituições não lhes permitem usar a maçonaria para efeitos de poder interno, mas na evolução recente do PSD, associada à viragem à direita nos anos da troika, já é outra história.
O que sobra então na atracção pela maçonaria de gente que vem de zonas cultural e politicamente tão alheias, e cuja história partidária tem muito que ver com a inflexão de carreiras feitas na sociedade para carreiras feitas dentro do partido ocorrida nos últimos anos? Não é certamente o amor pelo Supremo Arquitecto, mas o incremento do poder que dá pertencer a um grupo que pode dar “conhecimentos”, oportunidades, negócios, relações e protecções, e que pode ser uma alavanca almofadada para ambições políticas. É como no reclame do Restaurador Olex, um negro com cabelo louro ou um branco de carapinha não é natural, o que é natural é cada um usar o cabelo com que nasceu. Poupo-vos a descrição do que neste caso significa para homens maduros ter o cabelo louro ou carapinha e andar de avental e luvas brancas num partido como o PSD.
Colunista
TÓPICOS  POLÍTICA  PSD  MAÇONARIA  PS   PCP  SÁ CARNEIRO MÁRIO SOARES
COMENTÁRIOS
 Célio Carreira: A Maçonaria (sabemos que há várias Lojas), analisada em si mesma, nos seus princípios e nos seus fundamentos históricos, não é nenhum bicho de sete cabeças. Os seus princípios visam, em geral, o bem da Humanidade e envolvem a elevação moral e ética do Homem. Alguns ramos não rejeitam a religião; outros - a maioria - são ateus. No caso dos maçons portugueses (os que interessam para esta conversa), que são em maior número do que se pensa, o problema é que muitos servem-se dela como trampolim para alcançarem posições de topo e cargos políticos que pelos seus méritos pessoais nunca alcançariam. Daí que fique a suspeita de que há favores a pagar e cumplicidades a defender e que a organização discreta passará sempre à frente dos deveres cívicos e éticos a que estão obrigados perante os cidadãos.
DNG, 21.12.2019: Um texto para a história do PSD. Pode um partido que se diz liberal ser colonizado por interesses obscuros?
nelsonfari, 21.12.2019: Perfeitamente de acordo com o último parágrafo. Conheci alguns jovens saídos da Universidade com espírito de obter "sucesso". Até, em telefonemas de trabalho com outros jovens se despediam alegremente com cumprimentos e votos de "sucesso". Thatcher e Reagan tinham virado as economias do avesso e, cá neste Portugal, começaram a aparecer "jovens turcos" em que a Maçonaria era simplesmente uma via auxiliar para chegar onde se queria, E, hoje, estão em cargos públicos de topo, com salários fabulosos, automóvel, cartão de crédito e outras regalias. É como chegar às empresas e pensar: "Money, that´s what I want". E, estupidamente, na Antena 1, um jornalista dito veterano, de nome Raul Vaz, no "Contraditório", sente-se perplexo pois não entende qual é o problema. Um senhor no mínimo estranho.
AndradeQB,  21.12.2019: Na altura em que Candal identificou os lobbies que na altura mandavam, não me parecia, por razões distintas, poder integrar qualquer um deles: o de Macau porque não tinha lá estado; o dos LBGTx porque não tinah condições de entrar; um partido, que sempre me pareceu uma boa ideia ficou de fora após alguns pré-ensaios que me provaram que isso ultrapassava elasticidade do meu estômago; o avental ou a cruz eram também uma ideia, mas ambos me pareciam conter algo de dinástico que afetava o meu sentir republicano. Pensei, assim, que com as hesitações tinha perdido uma oportunidade, mas agora vejo que para ser uma verdadeira oportunidade é preciso: ter estado em Macau; ser-se ou fingir-se LBGTx; estar num partido; colocar avental e andar com uma cruz. Ufa...
Joaquim Silva Ferreira.850797, 21.12.2019:  Quando se fala de maçonaria, não estamos a falar de uma qualquer sociedade secreta recente, tipo Grupo Bilderberg (1954), Opus dei, etc. Estamos a falar de algo muito sério... que está a interferir continuamente, desde há séculos, nos destinos da humanidade. Mas vamos ao que interessa agora. Os graus mais baixos da maçonaria não são informados do que realmente se está a passar - só a partir do topo é que a verdade é revelada, portanto, a um nível muito restrito. Quando se fala dos maçons do passado, sejam eles de que partido for (isso é irrelevante), estamos a falar de homens que ocupavam lugares cimeiros na escala maçónica, portanto, de homens que já tinham acesso à rede mundial da maçonaria, que, por sua vez se interliga com outras sociedades secretas... (Não há espaço para continuar.)
Fernando Ferreira, 21.12.2019: Nem no PSD os maçons de hoje são comparáveis aos antigos nem a maçonaria de hoje se compara á de outros tempos. Hoje qualquer borra botas é maçom e a maçonaria também tem outros desígnios.
francisco tavares,  21.12.2019: A maçonaria, que é uma organização secreta, pelo menos em muitos aspectos, nos tempos atuais não tem justificação. Ou ser totalmente aberta. O que é surpreendente é que ela seja tão antiga. Remontará ao Egipto antigo, dos faraós. E teria aderentes de Israel. Cristo terá, segundo alguns, sido maçónico. Templários terão feito parte dela. Terá sido por isso que foram perseguidos e a organização dissolvida. Há catedrais em França que foram construídas por eles, nomeadamente a Catedral de Chartres, Notre-Dame de Paris e Amiens. Foram construtores do gótico medieval. Há um livro interessante sobre esta matéria: A Mensagem por detrás dos Símbolos, subtítulo Os códigos utilizados por quem não se podia expressar, autor Tim Wallace-Murphy, editora >| verso da >|apa (verso da Kapa

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