segunda-feira, 16 de dezembro de 2019

Afinal, nunca melhor, antes de particípio passado




Um texto rico de saber, de tristeza também, nos considerandos que denotam forte preocupação sobre este nosso país, há muito instalado na sua condição de país pobre, como afirma, sem receio de buscar o patrocínio da definição ao velho Salazar que sabia da matéria, centrada mais nos aspectos de uma deficiente preparação das massas, sem o auxílio de uma educação ligada ao esforço e trabalho – e ao estudo -  que resultam em produção, como se vê noutros países , a começar pela Espanha... O banho de bem-estar, trazido pelos empréstimos ao BCE, não foi acompanhado de uma mudança autêntica, mas de um assentamento no lambuzar corrupto de tantos, a quem não são exigidas contas da sua actuação, além da imediata convicção de que só os direitos contam, não os deveres, e eis-nos no estado mesquinho de que partimos, embora recheados de produtos – grande parte importados – para a nossa fome...
A questão do Brexit em breve nos marcará o destino, VPV resume o assunto em forte penada sobre os seus efeitos na Britânia.
Quanto à questão gramatical que há muito nos horroriza como uma constante que sai da boca dos próprios ministros, ainda bem que VPV trouxe o tema para a sua crónica diarística. De facto, mais bem - cozido, frequentado, instalado... – estes,  particípios passados de verbos, não admitem a forma “melhor”, unicamente aplicado ao adjectivo “bom” como seu comparativo ou superlativo, precedendo substantivos : “melhor capacidade”, melhor calçado... (não confundir com “mais bem calçado” este,  pp verbal), o melhor estudante...



OPINIÃO
Diário
14 de Dezembro de 2019, 6:17
Peço aos meus colegas do jornalismo escrito e falado, mas sobretudo falado, que não se esqueçam sistematicamente de que “melhor” não é igual a “mais bem”.
VASCO PULIDO VALENTE
PÚBLICO, 10 de Dezembro
Qualquer pessoa gostava de ter os salários dos alemães, o serviço de saúde dos ingleses, as reformas dos franceses e os impostos dos suíços. Infelizmente, estas coincidências não são possíveis, mas António Costa anda a esforçar-se por tirar uma do chapéu. É claro que nunca vai conseguir e que a tentativa só vai assanhar os protestos e dar ao governo um arzinho de falsário e trapalhão.
Isto é ao mesmo tempo triste e inevitável. A miséria nacional vem em grande parte da comparação saloia que a propósito de tudo toda a gente faz entre Portugal e a Europa. Infelizmente, como dizia Salazar, o país é pobre e pobremente será obrigado a ir vivendo.
Quem se indigna com este diagnóstico severo vive nas nuvens e abre a porta a muita agitação desnecessária. É extraordinário o tom com que as “massas” falam dos seus direitos; parece que antes vieram da Ilha do Tesouro e que uma fortuna lhes foi roubada na véspera por um tirano sanguinário. Sucede que não há ilha nem fortuna.
11 de Dezembro: Por esta época a ministra da Cultura ou quem faz a sua vez cai sempre numa armadilha. Se não se quer tornar um árbitro das elegâncias tem por força de distribuir o dinheiro para o teatro por critérios de autoridade e, lamentavelmente, deixar de fora uma boa parte dos fregueses. Costa deu este ano mais 18 milhões para o peditório, mas não há milhões capazes de satisfazer aquela fome.
Este ano, como de costume, apareceram algumas pindéricas manifestações de indignação a propósito de uns miríficos “cortes” na cultura. O problema do teatro é este: arranjado um espaço qualquer que se denomina “o palco” ou “a cena”, tudo o que se passe lá em cima é “arte” ou “cultura”. Quem dirá que não? Um político, acidentalmente promovido ao governo? Era só o que faltava.
Agora, o estrondo da indignação artística até chegou ao parlamento via BE. Não façamos caso.
12 de Dezembro: Boris Johnson ganhou. Porquê? Porque sustentou uma convicção até ao fim e fez tudo o que era necessário para ganhar. Votou contra May. Votou com May. Tomou o partido por cem mil votos. E, quando as “notabilidades” se revoltaram, pôs na rua as “notabilidades”. Perdeu várias vezes no parlamento até poder desembaraçar-se daquele parlamento e convocar eleições. E chegou ao fim com uma direcção e um objectivo – “Brexit”. Mereceu o seu lugar na história do Reino Unido. Daqui em diante, é preciso perceber uma coisa: o “Reino Unido” não é uma velha tradição dos ingleses, dos galeses, dos irlandeses ou dos escoceses. É uma entidade decretada pelo poder imperial no princípio do século XIX. Até aí, só existia a justaposição das coroas na cabeça de sua majestade britânica. Mas com o colapso do prestígio dessa majestade e as mudanças do mundo, só ficou o mundo digital e Meghan Markle. Todo aquele minucioso edifício terá de se desfazer para se tornar a fazer. Não se volta atrás a história.
Colunista
COMENTÁRIOS:
João Borges: Caro Vasco Pulido Valente, para mim, que o leio há muitas décadas, é o melhor cronista e crítico português. Muita saúde e bem haja.
Armando Heleno: E Miguel Sosusa Tavares?
José Manuel Martins, 14.12.2019 : eles (e tantos outros) não se esquecem: ignoram em absoluto, porque perderam o sentido da estrutura lógico-gramatical da linguagem (e da língua). 10/12: e o vagar pré-colonial dos grandes tropicais. 12/12: Johnson é isso: avassalador a chegar triunfal às portas da aniquilação daquilo mesmo que triunfa: a britânia. É a britânia que sai de si própria, não da europa, e o seu triunfo é a sua derrota. Os antigos não tinham nome para isto, e 'vitória de Pirro' nem sequer se aproxima - está assim a modos de como o 'mais bem' está para o 'melhor'.
rafael.guerra, 14.12.2019: Este diário é um concentrado de bom senso e brilhantismo. Em particular, o dia 10 de Dezembro é um verdadeiro presente de Natal para todos os demolidores da UE que pululam por aqui...

Armando Heleno, 14.12.2019: Sim, senhor, tivemos crónica! Adorei aquele "mais bem e melhor" que me irrita profundamente. Os falantes retraem-se do mais bem como o diabo da cruz, têm medo de dizer a "calinada" do mais bem...por ignorância... De Bojo, a liderar o partido mais antigo do mundo, sou coincidente. Vai ter estátua,como ele sempre quis e Meghan Markle, na arrecadação,
TM, 14.12.2019: O RU vai ser neste momento governado pela Inglaterra! No Pais de Gales ganharam os Trabalhistas, na Escocia ganharam os Independentistas e na Irlanda do Norte ganharam os Separatistas. Nao admira que o 'país' esteja mais que dividido! Se tudo correr bem, nao haverá Reino Unido daqui a 10 anos!
francisco tavares, 14.12.2019:  Será que vamos ter o RU desfeito? A Escócia já disse que sim. Nas urnas e na vontade da sua 1ª ministra. A Irlanda do Norte pode bem juntar-se à República da Irlanda, unificando a ilha. O País de Gales sempre teve uma pulsão independentista. Parece que Boris Johnson fez bem o seu trabalho.
Alberto Ferreira, 14.12.2019: «Small is beautifull».
Maria Dulce Manarte, 14.12.2019:  Realmente toda a gente tem medo de dizer “mais bem” por ignorância. E “ou seja” ?


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