quarta-feira, 11 de dezembro de 2019

Cada vez mais



Refiro-me ao título da crónica de Nuno Crato, que coloca a Educação numa encruzilhada, mas que, afinal, também contribui para ela – a encruzilhada – ao escrever segundo o AO90 que, mais do que nunca, acentua o carácter artificial de um pobre país sem educação e sem rumo que sirva. Com a Regionalização, então, será um “ver se te avias” de fantochada educativa, cada uma das regiões impondo as suas normas pedagógicas, certamente, de acordo com o bestunto dos seus mandantes. Mas prefiro ler os comentários, de sentenças segundo as cabeças de cada um. Uma boa distracção.
OPINIÃO
A Educação numa encruzilhada?
Os resultados do PISA mostram-nos um copo meio vazio ou meio cheio, conforme as perspetivas. Mas o que realmente importa é saber se o vamos continuar a encher ou se o começamos a esvaziar.
NUNO CRATO
PÚBLICO, 10 de Dezembro de 2019
“Pode dizer-me, por favor, o caminho que devo tomar?”
“Depende de para onde quer ir,” disse o Gato.
“Isso não me importa,” disse Alice.
“Então não interessa o caminho,” disse o Gato.
Lewis Carroll, Alice no País das Maravilhas
Quem no princípio do nosso século participava nos debates sobre educação, ou quem começava a segui-los, lembra-se de reacções contraditórias por parte dos actores da altura. Foi entre 1996 e 1998 que foram divulgados e debatidos os resultados do primeiro estudo TIMSS (Trends in International Mathematics and Science Study), realizado em 1995; e foi em 2001 que surgiram os resultados do primeiro PISA (Program for International Student Assessment), de 2000.
Os que preconizavam um ensino mais rigoroso salientavam, com toda a razão, a lástima que era, nas avaliações TIMSS, estarmos no fim da tabela, com apenas dois países pior colocados do que nós a Matemática, e, no PISA, apenas com quatro países pior colocados do que nós a Matemática, cinco a Literacia e três a Ciências.
Muitos dos que estavam envolvidos política ou administrativamente na direcção do sistema educativo, nomeadamente vários responsáveis políticos, muitos professores de departamentos de educação, consultores e conselheiros nacionais de educação tinham a posição oposta: desvalorizavam os resultados, diziam que os estudos internacionais padeciam de uma forma “redutora de ver a educação” e que não somos “nem piores nem melhores do que outras regiões” (ver citações no meu O ‘Eduquês’ em Discurso Directo, Gradiva, 2006, pp. 21-27).
Felizmente, o país não negou a evidência e pôs mãos à obra para inverter os resultados. Durante mais de uma década, sobretudo a partir de 2002, o país fez um esforço consciente para dar atenção aos resultados, sobretudo a Português e a Matemática, e para os melhorar, elevando os conhecimentos e a 2004formação dos alunos.
Em 2004 foram instituídos exames no final do ano terminal da escolaridade obrigatória da altura (9.º ano) a Português e Matemática, realizados em 2006. Foram criados programas de acção especiais para essas duas disciplinas. Em 2007 foi criado um sistema de avaliação externa, de melhoria e creditação dos manuais escolares. Em 2010 deram-se os primeiros passos para estabelecer Metas, com o objetivo de clarificar os tópicos mais importantes de cada disciplina, e em 2012 foram estabelecidas Metas Curriculares, mais rigorosas e sequenciais, referências claras para o ensino e a avaliação, e foram aperfeiçoados alguns programas. Na altura, iniciaram-se as Provas Finais, primeiro no 6.º e depois no 4.º ano de escolaridade. Ou seja, durante mais de uma década, pelo menos cinco ministros, de diferentes partidos e orientações, prosseguiram uma actividade continuada de maior atenção aos resultados, de maior rigor nos programas e na avaliação, de aperfeiçoamento dos materiais de estudo.
Chegámos a 2015 e tivemos avaliações nos programas TIMSS e PISA que nos revelaram os melhores resultados de sempre. Não só em Matemática do 4.º ano superámos a então mítica Finlândia, deixando 36 países abaixo da tabela, como os jovens de 15 anos ultrapassaram pela primeira vez a média da OCDE, despertando as atenções da comunidade internacional para o nosso país.
Tudo isto aconteceu após os anos duros de 2011 a 2015, durante os quais, além das dificuldades financeiras e sociais que vivemos, o sistema educativo teve objcetivos curriculares mais exigentes e teve de se alargar. A uma maior exigência curricular somaram-se outras responsabilidades. A escolaridade obrigatória estendeu-se do 9.º para o 12.º ano, e foi introduzido o Inglês obrigatório – que não o era na altura em nenhum ano de escolaridade –, logo a partir do 3.º ano e durante sete anos de escolaridade consecutivos. Não há dúvidas de que o nosso país, os nossos professores, alunos e famílias conseguiram um avanço notável.
Após algumas hesitações, a educação no nosso país mudou o seu caminho. Depois de serem abolidas as Provas Finais de 4.º e 6.º ano, interrompeu-se a avaliação e creditação de manuais e começou uma nova fase, em que o foco da flexibilidade curricular foi alterado. Na realidade, essa flexibilidade, e também a 25% dos tempos e matérias, já tinha sido estabelecida em 2014, mas na altura com avaliações finais e com a obrigatoriedade de cumprir as metas para as matérias estruturantes. Agora a flexibilidade curricular foi outra. Já não se trata de as escolas seguirem as suas opções para melhor ensinar as matérias fundamentais, trata-se de abandonar os objetivos cognitivos claros, de abandonar a sua avaliação e permitir que os programas sejam adaptados e reduzidos pelas escolas, conforme as características dos seus alunos e as opiniões dos seus professores.
Quando não se traçam e conhecem objcetivos cognitivos e não se avalia o seu alcance pelos alunos, não importa o caminho. Mas os resultados não serão famosos. Foi o que se passou com a Finlândia a partir de 2003-2006: flexibilidade curricular, menosprezo pelos currículos e pela estrutura das disciplinas, predomínio do ensino por projectos, menor avaliação, mais felicidade… Os efeitos estão à vista. O país que, graças a uma atenção muito grande aos avanços no conhecimento dos alunos, tinha obtido excelentes resultados, passou de país modelo a país em decadência educativa acelerada. Não será um bom caminho.
É curioso que a flexibilidade, o menosprezo pela avaliação externa e o desinteresse pela exigência dos manuais escolares seja apresentado como forma de reduzir as desigualdades educativas. Não: é exatamente o contrário. Portugal foi citado no relatório oficial do PISA 2015 como sendo um dos raros (2) países/regiões que conseguiram simultaneamente melhorar os resultados globais e reduzir o número de alunos considerados “low performers” (vol. 1, p. 266).
Infelizmente, as percentagens de alunos com extremas dificuldades, que de 2012 para 2015 tinham melhorado em todos os três domínios do PISA, agravaram-se de 2015 para 2018. Os alunos com extremas insuficiências passaram de 17,4% para 20,2% em Ciências, de 23,8% para 23,3%, em Matemática, o que é uma ligeira melhoria, e de 17,2% para 19,6% em Literacia. São números extremamente preocupantes. Há ainda muito a fazer para melhorar a educação no nosso país, sobretudo dos alunos mais desfavorecidos. Por isso é tão importante a atenção à leitura, logo no princípio da escolaridade. Como é logo de seguida importante a atenção à matemática, às ciências, à história, à geografia, às artes, à literatura, ao conhecimento.
Se o ano de 2015 obteve os melhores resultados de sempre, o ano de 2018 revelou uma estagnação, acompanhada do aumento das desigualdades. A nossa encruzilhada é clara para todos os que defendem a importância do conhecimento e da formação exigente dos jovens. Vamos seguir o caminho da Finlândia e iniciar uma trajetória descendente ou vamos rumar para o futuro? Para quem sabe onde quer chegar, o caminho importa.
Professor Catedrático de Matemática e Estatística na Universidade de Lisboa
TÓPICOS SOCIEDADE  PISA 2018   EDUCAÇÃO   OPINIÃO   ALUNOS   ESCOLAS    PROFESSORES

COMENTÁRIOS:
Rafael Nunes: Onde fica a Finlândia... Alguém que me diga em História de educação o que acontece quando uma escola como a existência da escola da Ponte fez por Portugal... Poderão explicar para que servem os exames se porventura...as cábulas também existem... Nunca entendi o que é melhor um ser humano feliz ou um humano que complexo mas sem orientação. São números apresentados... Agora digam me lá se um jovem com o 12º ano feito com média a 20 valores que vem do secundário, o que é que ele faz profissionalmente... O ensino profissional tem uma mais valia a 100% aqui. Para que serve a retenção ou chumbo se na época deste senhor e em toda essa década agravou... A criança é porventura escutada...pois só os é que falam... Uma educação para o séc XXI Sem palhaços do século XX...seria uma bomba...
mzeabranches, 10.12.2019: Foi com Nuno Crato, então Ministro da Educação, que o linguística, democrática e politicamente indefensável Acordo Ortográfico de 1990 foi imposto no ensino, num governo do PSD e do CDS, que se empenhou em aplicar a Resolução do Conselho de Ministros de José Sócrates n.º8/2011. E isto sem discussão, sem debate, submissamente, como se a língua que estrutura, suporta e veicula todo o conhecimento fosse algo de insignificante e desprezível! E continua a escrever com o AO90! Tinha lido, em tempos, o seu livro sobre o "eduquês", e vi a minha esperança defraudada, ao confirmar-se o já habitual: não adianta ter ideias, concepções, projectos - uma vez no poder, esquece-se tudo e segue-se a 'cartilha' imposta politicamente no momento!...
FzD, 10.12.2019: Infelizmente tudo indica que já não estamos na encruzilhada e a inversão está em marcha cada vez mais acelerada.
ALRB, 10.12.2019 A julgar pela frequência de reformas no ensino parece-me que o ensino está numa encruzilhada (eufemismo de baralhada) desde há muito, muito tempo. E não me parece que possamos sair dela já que o anterior governo do Costa quis introduzir a novidade de se fazerem reformas a meio do ano lectivo.
viana, 10.12.2019 16:27
Só a mentir e a enganar o pacóvio é que o Crato se safa. Pro aqui se vê o "rigor", a "coerência", a "honestidade" intelectual dum professor catedrático de matemática. Porque é preciso ter lata para puxar os galões relativamente os resultados do PISA em 2015, quando as suas "reformas" pouco impacto tinham tido no percurso escolar dos alunos avaliados então, e associar os resultados do PISA em 2019 às alterações feitas pelo anterior governo, quando os alunos avaliados agora fizeram a maior parte do seu percurso escolar sob o efeito das suas "reformas". Não tem um pingo de vergonha. Também não menciona que, entre 2007 e 2019, o governo finlandês esteve quase sempre sob domínio de partidos de Direita, que entre outras "reformas", cortaram 1.5 mil milhões de euros no orçamento da Educação.
João Martins. 10.12.2019: Pingo de vergonha não tens tu. Em três anos, o percurso de um aluno é muito alterável. como não deves saber, até num ano lectivo se consegue que um aluno passe de sofrível para excelente. E já agora, o Crato elogia os governos ps anteriores, pelo menos no tema do artigo: "durante mais de uma década..." Aprende a ler e reconhece a evidência: O PS desde 2015 tem vindo a estragar o trabalho feito nesta matéria pelos governos anteriores (desde Guterres inclusivé....). Quem não tem honestidade intelectual és tu, pá!
FzD, 10.12.2019:  Comentário miserável e que só pode ter sido escrito por alguém extremamente ignorante e mal educado.
viana,  10.12.2019: João Martins, o Crato "gostou tanto" do que os governos anteriores fizerem que fartou-se de os criticar antes de chegar ao governo (e foi isso que Passos o lá colocou). E depois de chegar ao governo implementou a maior alteração de procedimentos em décadas. Portanto, só um ingénuo é que não percebe que esse "elogio" a governos anteriores é apenas uma manobra de retórica para parecer "politicamente neutro". Há patos que gostam de cair em ratoeiras... Passar um aluno de sofrivel para excelente num ano lectivo só se for numa "boa" escola privada! Mais um papagaio que não sabe pensar pela sua propria cabeça. Leia o artigo "Políticas de Nuno Crato em exame no PISA 2018" publicado neste jornal *antes* dos resultados serem conhecidos. Informe-se antes de comentar.
DCM, 10.12.2019: Neste momento e sobre este assunto , durante o debate parlamentar que está a dar em directo, A. Costa já respondeu à arranhadela sensata de R. Rio explicando qual o caminho que a Alice deve seguir .
DNG, 10.12.2019: Super Crato ainda opina...
Coletivo Criatura, 10.12.2019: E conseguiu dizer isto tudo sem citar a frase infeliz do ministro que o culpava dos resultados deste ano! Parabéns!
mário borges, 10.12.2019: Barbaridades como: “um maior nº de alunos por turma cria melhores condições de aprendizagem!” "Acho que o dr. Passos é um herói nacional." Ou ter feito 7, repito 7 alterações curriculares durante 4 anos de desgovernação!!! As mesmas que nos 10 anos anteriores. Cursos vocacionais no ensino básico! Introdução de exames na 4ª classe! Ai que saudades das cratinices do cRato...
Raquel Azulay, 10.12.2019: O Gato é um bicho sensato. V Exa bem tentou pôr ordem na educação. Que diferença abismal. Uma vergonha. Um país sem norte-
Manuel AR,  10.12.2019: Um regresso ao passado romântico do ensino clássico com Nuno Crato. Fã do ensino e não da aprendizagem, fã do "magister dixit", fã da absorção de matérias pelos alunos sem espírito crítico. Nuno Crato do ensino da matemática generaliza o seu ideário de professor a todas as unidades curriculares. Hoje o ensino já não é o quer era antes, como o de entra porco e saem chouriços. Meninos de bata branca entram na escola e, no final saem todos em fila e os exames ditavam quem deveria ir para o talho ou para a vida social.
Sima Qian, 10.12.2019: O seu comentário é vago, cheio de preconceitos e de um bipolarismo redutor. Não há ensino separado de aprendizagem. Você não explica como é o ensino de hoje e que ele tem de bom.
Raquel Azulay,  10.12.2019: Manuel > tretas. falam do caso finlandês sem o perceber. na Finlandia, a educação a sério começa na creche. em Portugal é outra história, completamente diferente. eu adoro esta do "espirito crítico"...como é que se pode desenvolver o espirito critico sem a possibilidade de avaliar se o aluno compreendeu o que leu, ou seja, sem avaliar de forma rigorosa???
FzD, 10.12.2019:  Para se poder elaborar um juízo crítico fundamentado é necessário saber muito...
Sima Qian, 10.12.2019: FzD acertou na mouche.


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