segunda-feira, 23 de dezembro de 2019

Será?


“A morte da Europa”...Um formidável aforismo, como acusam alguns comentadores, que não sei se assenta em melancólico e sincero desejo de o seu autor, António Barreto, alertar para a fatalidade de um desenlace inquietante dessa questão do Brexit, se é feito em função de empatias pessoais pelo jogo político da Grã Bretanha e seus aliados além-Atlântico Norte e outros dos mares do sul, se provém de um certo requinte um pouco sádico e masoquista, ou mesmo apenas exibicionista, de mostrar predilecções por esses povos superiores que preferem deixar cair a Europa hoje, mostrando simultaneamente como esses que agora a desprezam, em tempos ajudaram, simpaticamente, a recompô-la... Mas os comentadores explicam melhor esses dados. Apenas acho bastante ingrato este desprezo saliente de AB, por uma Europa, ao que parece, fraca e mesmo moribunda, hoje, apesar de ser palco, em todo o sempre, de realizações culturais que jamais a deixarão morrer, os povos invasores de agora julgo que não se comparam aos suevos, visigodos, etc, de outrora, que deitaram abaixo o império romano. Não merece, por isso, tal designação desdenhosa. Ou apenas assustada, pois custa a acreditar que António Barreto se regozije numa hipótese dessas, de morte obscena da Europa, pequena mas rica de tanta luz e tradição, e nossa...

OPINIÃO
A morte da Europa
ANTÓNIO BARRETO
PÚBLICO, 22 de Dezembro de 2019,
Já havia perigo nas costas do Mediterrâneo. Também, mais a Norte, na Germânia e, a Leste, nos Urais. No Atlântico, instalava-se uma inquietante distância: um estranho silêncio alternava com um ruído agoirento. Desta feita, nas praias dos mares do Norte, a Europa morreu de vez.

A má notícia chegou cem anos depois de ingleses e americanos terem salvado uma Europa exangue e setenta anos após uma segunda ressurreição da Europa, novamente às mãos de americanos e ingleses. À terceira, perante a indiferença dolosa da América, é a Grã-Bretanha que dá o golpe de misericórdia. A sua saída da Europa tem o sabor do absurdo e o ar da tragédia. E tudo isto aconteceu perante o ar aliviado de tantos europeus que estavam desejosos de ver os ingleses pelas costas.
Evidentemente, os principais responsáveis de todas as mortes foram sempre os Europeus. Os nacionalistas e os imperialistas. Os revolucionários e os bolchevistas. Os fascistas e os nazis. E outros. O que realmente muda é que, nas mortes anteriores, houve americanos e britânicos para salvar as pratas da casa. E as paredes. Desta vez, é pior. Os europeus destruíram. Os americanos ajudaram. Os britânicos confirmaram e vieram dizer a todos que é possível, que ainda pode ser pior.
A Europa perdeu a batalha das nações, sem criar um substituto que não seja a vacuidade do cosmopolitismo global. Perdeu as batalhas da tecnologia, da ciência e da cultura. É hoje raro, algures no mundo, reconhecer traços sólidos da cultura europeia, a não ser o património histórico dentro de portas. Até no continente europeu, marcas, símbolos e valores ascendentes são americanos, islâmicos, africanos e asiáticos. A Europa perdeu a batalha da defesa: se tiver de se defender, depende de outros, de americanos em particular. Desde que eles estejam dispostos, o que é cada vez menos verdade. Talvez a Europa seja ainda um farol na justiça, nos direitos humanos e na protecção social. Nem sempre. Mas talvez. Só que, para isso, é necessário ter riqueza, instituições, democracia, consensos, defesa e segurança. O que vai faltando… Os europeus sabem gastar e distribuir. Mas sabem cada vez menos criar, poupar, consolidar e desenvolver. Sem estes, aqueles não são possíveis.
É destes momentos que se faz também a história: parece que tudo conduz ao erro, os homens estão fechados num círculo de fogo e não sabem como sair. Em frente ao desastre, ninguém sabe ou quer evitá-lo! Perdeu a Europa, perdeu a Grã-Bretanha, talvez tenha perdido o mundo.
Faremos este luto durante muitos anos. A Europa perdeu o seu mais eficiente e bem equipado exército, as suas mais formidáveis universidades, os seus campos mais equilibrados e preservados, o seu mais criativo sistema financeiro e a sua cultura mais universal. O pior é que muitos europeus ficaram felizes com essas perdas!
Esta desastrada aventura apenas começou. De Norte e do Sul, do Oeste e do Leste, virão mais notícias, perturbação e fractura. Apesar de tudo, das derrotas, retiram-se lições. Desta, também.
Ficámos a saber que é possível sair pacifica e democraticamente da Europa. Que outros poderão seguir um dia. Que talvez seja possível consagrar o separatismo pacífico e democrático, na Escócia ou na Catalunha. Que talvez seja necessário rever a paz na Irlanda. Que teremos de estar preparados para os sinais de fogo da Itália, da Turquia, da Hungria e da Polónia. Temos de estar preparados para uma Europa inquieta, violenta ou vulnerável, como já quase ninguém a viu. Foram mais de setenta anos em que, sem dramas, os Europeus tiveram a impressão de que o futuro só continha boas notícias. Sete décadas de paz, em que os piores factos de violência, de Belfast a Bilbao, de Belgrado e Sarajevo, foram excepção e foram sendo resolvidos. Anos durante os quais a maior catástrofe ocorrida, a construção do Muro de Berlim, chegou a um termo pacífico. Longos anos durante os quais todos os vestígios de ditadura foram desaparecendo. Nunca a Europa tinha vivido tal! Em paz. Em liberdade, de Lisboa a Helsínquia e de Madrid a Bucareste.
Ficámos a saber que não há só nacionalistas de extrema-direita, reaccionários e fascistas. Também há nacionalistas de esquerda e comunistas. Também há nacionalistas democráticos, conservadores e liberais. Ficámos a saber que há socialistas, social-democratas e trabalhistas que não querem ou já não se interessam pela Europa. E que votar contra a Europa já não é o próprio dos extremos, dos fascistas e dos comunistas. Ficámos a saber que a virtude não está toda do lado da Europa, do cosmopolitismo e da globalização. Ficámos a saber que as liberdades têm uma geografia, que a democracia tanto pode existir no cosmopolitismo europeu como nos Estados nacionais e que o racismo e a xenofobia não são exclusivos da direita e das nações, também são crenças das esquerdas e das federações. Também ficámos a saber que o desejo de controlar as migrações e de orientar as políticas sociais não é próprio dos fascismos e da extrema-direita, é uma das mais legítimas aspirações de qualquer povo.
Poderia pensar-se que estas hipóteses, agora confirmadas, enriquecem o debate e abrem perspectivas de novas escolhas para a Europa! Mas não. O problema é que todas estas hipóteses e alternativas, democráticas ou não, são contra a Europa, apesar da Europa e fora da Europa!
Ganhou sentido o cartaz de uma manifestação, há alguns anos, em Madrid: “Os nossos sonhos não cabem nas vossas urnas”! Ficámos a saber que a Europa estabelecida, a Europa dos Conselhos e do Parlamento, a Europa da Comissão e das Políticas comuns, já não é capaz de perceber o que querem os povos. E temos a consciência, agora, de que, sem capacidade para se auto-regenerar, a Europa abrirá as portas aos realmente anti-europeus e anti-democráticos, de esquerda e de direita. Do Oriente e do Ocidente. Nacionalistas ou não.
Gradualmente, a Europa perde os seus traços antigos: a cultura clássica helénica, o Cristianismo, o espírito do Renascimento e o iluminismo. Em troca, vai recebendo o poderio da cultura de massas americana, o irredentismo islâmico e o multiculturalismo afro-asiático. O pior é que, com tudo o que perde, a Europa também pode perder a sua diversidade nacional, a democracia e as liberdades.
Sociólogo
COMENTÁRIOS
JonasAlmeida: A formação (sociologia) e larga experiência de vida de António Barreto não permitem os descontos desta opinião que leio em tantos comentários em baixo. Eu acho que no essencial ele tem razão, como têm outros sociólogos de renome como Wolfgang Streeck (googlar por ex "The European Union is a liberal empire, and it is about to fall"). Vejo muita gente agarrada a certezas cegas enquanto deixam a comunidade de que são parte caminhar para o precipício.
TM: Permitem sim! O artigo é 'opinião' não é facto! E os comentadores são livres de opinar como quiserem! Felizmente não somos carneirinhos para alinhar em tudo o que diz Barreto não acha?
nelsonfari: O jogo Jonas-TM acaba sempre com o mesmo resultado: Zero a Zero.
viana: A ideia central deste texto resume-se a: que saudades.tenho da Europa branquinha, quando não havia tantos africanos, asiáticos, islâmicos, e os que havia tentavam ser invisíveis. Tem razão "essa Europa" morreu. E já foi tarde!
Helder Antunes: A Europa branquinha é a que há. Não há outra. É estranho que o/a viana deseje o fim da Europa. Para onde irão depois os africanos, asiáticos e islâmicos? Estes pelos vistos gostam bastante dela tal como é.
Conde do Cruzeiro, apenas assinante.: Oh António, não leste esta noticia? " O Presidente da República foi a Cabul com o Ministro da Defesa e o Chefe do Estado-Maior do Exército visitar os militares portugueses em missão da NATO no Afeganistão. " Foi pena, porque escusavas de gastar tantas palavras sem sentido na tua crónica.
Jose: Sr. António Barreto fique descansado que os seus patrões não passarão a proletários em parte alguma por causa da concretização do Brexit. Deixe os povos fazer o seu caminho. Não dramatize, não invente. Não faça alarme social. Lamentavelmente há muitos profissionais do alarmismo, das falsas notícias, dos prognósticos manipuladores. O RU deu um passo pacífico no sentido da desmontagem do poder artificial da UE/BCE que está a deprimir 28 economias amarradas por tecnocratas e lobistas ao serviço do sistema financeiro internacional. A manhosa retaliação não se fará esperar para mal do mundo do Trabalho dessas 28 economias amordaçadas. Bom seria que a restauração da independência do RU fosse um contributo para desmontar em paz o monstro da UE/BCE e abrir caminho à cooperação das nações livres.
rafael.guerra: Felizmente que o ridículo não mata. O RU e os EUA dominam a finança mundial e são avessos à regulação da UE, que é apesar de tudo a nossa melhor protecção.
JonasAlmeida: Subscrevo na íntegra a verificação por António Barreto de que a "Europa" (a UE) é um morto vivo. Tresanda a podre e apodrece aquilo em que toca! Mas de facto, como nota o José, para lá da UE está a Europa sem aspas, a Europa dos povos europeus, que regressará como das outras vezes que os tentaram suprimir com "uniões" fascistas, autocráticas e imperiais. Onde volto a concordar com Barreto é que o mundo avança demasiado depressa e sem o derrube rápido e completo da ditadura europeia corremos o risco de acordar seriamente tarde e insignificantes para o futuro.
rafael.guerra: Tudo o que é exagerado é insignificante.
TM: Cooperação de Nações Livres? O Jose está a querer dizer União Europeia? É que a UE é a cooperação de Nações livres! ahahaha Americano: mas ditadura Europeia onde? Consegue dar um exemplo para elucidar as suas barbaridades ou nem isso consegue fazer? A UE não é nenhuma União fascista, nem autoritária nem imperialista. Já lhe disse várias vezes para deixar de poluir este espaco de debate com esses disparates sem fundamento. Sugiro-lhe que aproveite o tempo Natalicio para reflectir sobre o que aqui escreve tambem!
ricardo111: Realmente para quem também frequenta os media Anglo-Saxónicos a Europa já deve estar morta - nas palavras dos Brexiters e do resto do far-right estava para morrer ontem, como estava para morrer a semana passada e na semana antes dessa, e no mês passado e todos meses antes desses, e já há décadas que está à beira desta morte anunciada: nos olhos de certa gente que só fica feliz com o mal dos outros é tal o crer ver a Europa morta que alguns até já a vêem morta. Se calhar o Sr. Barreto devia ser um bocadinho mais cuidadoso com o aceitar do que passa por "intelectualismo" nos impérios caídos e em decadência - é na queda que sociedades dessas estrebucham mais e desesperadamente gritam que são os outros é que estão em queda.
bento guerra: Sempre optimista ,este decadente
rafael.guerra: Um conselho ao autor: vá passear pela bela Europa e aprenda com o saber viver dos europeus, antes que seja tarde demais...
José Manuel Martins: a brincar às mortes, dissimula-se aquela outra morte que esta - e a desencontrada confusão do seu jogo suicidário - esconde e prefigura: a morte climática num planeta agonizante que um dia se rirá destas questiúnculas absolutamente irrelevantes da vaidade política da humanidade. Barreto profetiza o passado com a sageza dos cadáveres perfazidos. Mas a expressão 'morte da europa', quando A morte da europa (e não apenas a deste povinho europeu nédio e farto) estalar, será o cavalo de turim e de palermo à desfilada. As trombetas andam a tocar - enquanto os néscios e incautos, sábios, buzinam por surdez.
Armando Heleno: Tudo isto posto em causa pela vaidade de David Cameron, que queria ficar para a história... E fica. Tristemente.
agany: O país das cruzes ainda nos vai pregar uma partida...
Fowler Fowler, 22.12.2019: Parece-me que estas notas sobre a morte da Europa são manifestamente exageradas. Compreende-se, o sr. Barreto sente-se órfão.
agany 22.12.2019: Nem o helenismo, nem o cristianismo, nem o catolicismo, nem o protestantismo, nem o islamismo, nem as americanices, nem as chinesices, fazem parte da identidade ou da cultura europeia...
Armando Heleno, 22.12.2019 Disparate!
nelsonfari, 22.12.2019: E podem continuar a censurar comentários,como o que coloquei há alguns minutos...A nulidade permanece. Pelo fecho imediato das caixas de comentários!!! O senhor TM que vá pregar para Bruxelas ou para o raio que o parta!!!.
TM. 22.12.2019: Eu pregar? Eu nem sou padre!
Armando Heleno. 22.12.2019: Realmente algo de grave se passa com esta história de corta/comentários. Sem qualquer justificação. Tem razão,nelsonfari. Não temos quem nos defenda.Requer-se alteração séria na coisa.
Helder Antunes, 22.12.2019 :Alteração Heleno?! Pois se ainda agora inventaram mais o tal Fórum que vai funcionar nos mesmos moldes. Parece que gostam da fórmula. Ainda virei a perceber para que tem o Público um espaço nas suas páginas que não controla, este outsourcing na publicação de conteúdos, sobre a forma de comentários, mas acho que não está para breve.
rafael.guerra, 22.12.2019: A histeria também é uma forma de nulidade, que quando não se tem mais argumentos se ataca às pessoas.
jcastilho, 22.12.2019 12:56 Tenho pena do outrora brilhante Barreto, desde há alguns anos transformado no coveiro de si próprio, matando também o a seu passado , o seu presente e o futuro dos que ficarão depois da sua morte . Agradeço-lho, como sempre, as fotografias que nos foi mostrando e o seu amor pelos jacarandás de Lisboa!
rafael.guerra, 22.12.2019: É Natal e António Barreto aproveita para nos enfiar o barrete sobre a Europa, em bom bajulador dos americanos e britânicos. Os EUA demonstraram a sua amizade indefectível à Europa ao não se unirem à França e ao RU na sua declaração de guerra contra os nazis após a invasão da Polónia. Lavaram as mãos, também, quando o mais antigo aliado, a França, foi ocupado. Seus principais grupos industriais não pararam de negociar com a Alemanha durante a guerra (General Motors / Opel, ITT, etc.). Em 1941 no New York Times, Harry Truman afirmava: "Se virmos que a Alemanha vence, temos que ajudar os russos e se a Rússia vence, temos que ajudar a Alemanha e, assim, deixá-los se matar o máximo possível"... E que dizer de todas as concessões feitas a Stalin durante a grande partição da Europa?
João Rodrigues, 22.12.2019: *A Europa perdeu o seu mais eficiente e bem equipado exército, as suas mais formidáveis universidades, os seus campos mais equilibrados e preservados, o seu mais criativo sistema financeiro e a sua cultura mais universal. O pior é que muitos europeus ficaram felizes com essas perdas!" Felizes? Ficámos aliviados! Ainda não o suficiente. Há que varrer ainda melhor todas essas belezas patéticas do passado de que se baba o conservadorismo crónico neste pedaço bafiento do planeta.
AndradeQB, 22.12.2019: Não fosse a crença pelo Pai Natal estar a ser trocada pela crença num seguro divino que garante amanhãs que cantam, e esta crónica de António Barreto seria suficiente para estragar o Natal. Não obviamente pela falta de suporte para a análise, nem de acurácia nas conclusões, mas exatamente por isso.
GMA, 22.12.2019:  Professor Barreto, o Catastrofista, marca que parece cultivar como forma de manter palco com espectadores. Há uns animadores do espaço público que assim se mantêm à tona; o Prof. Barreto das catástrofes; o Dr. Miguel S. Tavares que está sempre contra tudo e portanto sempre certo; outro Tavares, o Comissário, com os fait divers, uma espécie de Cristina da escrita,... Seria infindável a pauta. A Inglaterra saiu da Europa? Geograficamente anexou-se à América do amigo Trump evitando assim os problemas logísticos do “grande acordo”? Ou o Sr. Boris vai ficar conhecido como o desunificador de um Reino Unido? No dizer do Prof. Barreto, a Europa está a caminho de tornar um novo Corno de África. E no entanto, Prof. Barreto, que outro espaço se compara à Europa em matéria de Liberdade e de bem-estar?
TM, 22.12.2019: Nenhum. Não ha paralelo com a Europa no que toca à Liberdade e Bem estar. Talvez a Nova Zelândia e o Canadá. Ambos com uma influência Ocidental gigantesca.
António Neves, 22.12.2019:  Com o devido respeito pelo escriba, este parece omitir que foram os próprios britânicos a optarem, democrática e livremente, pela saída do maior projecto de unidade que já existiu na Europa...


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