Um texto - de Teresa de Sousa - que mereceu muitos comentários, sobre um assunto
que, naturalmente, a todos nós interessa, como participantes de uma novela de urdidura
complexa e, para todos os efeitos, preocupante, o que se vê pelos comentários,
mas, sobretudo, pela análise de TS, apoiada no Financial Times, sobre os dois protagonistas das eleições britânicas. A imagem de
Boris a levar o seu cãozinho para as urnas, pareceu, de facto, de um comportamento
leviano, mas inspirador de risos e de votos.
ANÁLISE : Entre Corbyn
e Boris, a escolha impossível
“Os principais partidos puseram a pureza ideológica à frente do que é
melhor para a Grã-Bretanha. Nenhum pode merecer o nosso apoio.” É o dilema
do Financial Times e
é o dilema, provavelmente, de muitos eleitores.
TERESA DE SOUSA
PÚBLICO, 12 de Dezembro de 2019
1. Talvez nunca como hoje
tenham sido tão difíceis as escolhas dos eleitores nas segundas eleições
legislativas desde o referendo que radicalizou de forma quase absoluta a vida
política britânica. De um lado está Boris Johnson, cuja personalidade no mínimo controversa incomoda muita
gente do lado de lá da Mancha. A sua fiabilidade é escassa, dizem quase todos os estudos de opinião.
Já ninguém tem grandes dúvidas de que a sua carreira política foi e é movida
por um único objectivo – entrar (e ficar) no número 10 de Downing
Street -, muito mais do que por qualquer convicção sobre o destino do seu
país.
A sua campanha centrou-se num único tema, que foi igualmente o único da
sua ascensão ao poder: resolver o “Brexit” de uma vez por todas. De
resto, o seu programa eleitoral moveu-se quase sempre ao sabor das
conveniências, de forma a não perturbar a ideia central: “Get Brexit done.” Para um eleitorado visivelmente cansado do tema que
domina a vida política desde Junho de 2016, pode ser fácil mobilizar os
britânicos neste sentido. Já não se trata tanto de escolher entre o leave e o remain, mas
de tirar o “Brexit” do caminho.
A proposta do Labour de sujeitar um novo acordo de
saída, que promete negociar em três meses, a um segundo referendo, é suficientemente
vaga para conseguir o mesmo efeito mobilizador. Arrisca-se a ser vista por
muitos eleitores como mais do mesmo a que tiveram direito nos últimos três
anos, embora seja o derradeiro obstáculo que os remainers podem pôr no caminho
do quase inevitável divórcio da União Europeia.
A alternativa apresentada pelos liberais-democratas é, de algum modo, o
inverso de Boris Johnson: propõem a revogação pura e simples do Artigo 50.º,
que accionou o processo de saída em Bruxelas. É ignorar o resultado de um referendo
sem propor outro para anular o primeiro. Levanta imensas objecções, incluindo a
sua legitimidade democrática. Em vez de subirem nas intenções de voto, os
liberais-democratas têm estado constantemente a descer, também esmagados por um
sistema eleitoral uninominal a uma volta que torna difícil a consolidação de
uma terceira força. “Não há cavalaria centrista para resgatar [o eleitorado
moderado]”, escreve Robert Shrimsley no Financial Times.
Mas apenas “a hierarquia entre dois horrores”.
2. Jeremy Corbyn, provavelmente o líder mais à esquerda da história do
Labour, manteve sobre o “Brexit” uma constante ambiguidade que alguns
justificam pelo facto de o eleitorado tradicional do seu partido se dividir
entre os que querem sair e os que querem ficar, mas que tem razões bastante
mais profundas.
Se, para Johnson, o “Brexit” é um caminho para chegar
ao poder – se fosse o contrário, certamente que seria o mais convicto defensor
do remain –, para Corbyn é uma
convicção ideológica profunda. Sempre foi, desde os anos em que se iniciou na
vida política. Ninguém o pode acusar de incoerência. Apenas pode ser acusado de
ter levado o seu partido para uma visão da Grã-Bretanha e do mundo que
pensávamos ter ficado definitivamente lá atrás, nos anos 60 e 70. Quis fazer da
economia o tema central da campanha com um vasto programa de nacionalizações ou
o aumento do investimento público até um nível incomportável. Não
há nada que não prometa tornar gratuito.
Depois dos tempos da austeridade, que se seguiram à falência dos bancos
e à intervenção maciça do Governo para os salvar com o dinheiro dos contribuintes,
os britânicos nem sequer se mostram particularmente adversos às nacionalizações
ou à penalização fiscal dos ricos e das empresas. Mas o que as sondagens também
revelam é que uma larga maioria não acredita na capacidade de Corbyn para governar
o Reino Unido. Num país que historicamente prefere as reformas às revoluções, o
líder do Labour tem, porventura, uma receita demasiado revolucionária ou
demasiado sectária, e os eleitores parecem pressenti-lo.
3. Mas as consequências
não seriam apenas internas. Uma vitória de Corbyn poria em causa os
compromissos internacionais do Reino Unido desde a II Guerra. Com a União
Europeia, mesmo estando fora, com a NATO mesmo estando dentro, com a aliança
primordial com os EUA, que tem determinado a política externa britânica desde o
pós-guerra. Numa palavra, o mundo ocidental, que hoje enfrenta uma crise de
destino perante a emergência de grandes potências autoritárias ou totalitárias,
sofreria um rombo num dos seus pilares até hoje mais resistentes. No médio prazo,
seria uma catástrofe para o Reino Unido e seria muito mau para a Europa.
Do ponto de vista europeu, Boris também levanta muitos problemas, mas de uma ordem totalmente diferente. Suspeita-se em muitas capitais que possa vir a usar a
“libertação” das regras da União Europeia para alimentar uma concorrência
desleal. Tudo isso terá de ser negociado no acordo de associação entre Londres
e Bruxelas, depois de consumado o divórcio. A Europa também tem argumentos de
peso para levar os britânicos a uma solução equilibrada, se não quiserem ficar
nas mãos dos Estados Unidos.
4. As eleições
em democracia são normalmente uma escolha do “menor dos males” e não do “maior
dos bens”. Há excepções, quando o que está em causa é demasiado importante – e o que está em causa nestas eleições
é demasiado importante –, ou quando, como com Obama, há um líder que consegue fazer
as pessoas sonhar. Mas,
no geral, não é assim e ainda bem, porque isso tem ajudado a manter um razoável
equilíbrio ao centro, que torna as escolhas aceitáveis para quase toda a gente,
seja quem for que ganhe. Ora, é essa realidade que hoje se está a perder – que
se perdeu no Reino Unido, onde menos se esperava que isso viesse a acontecer,
que aconteceu na grande democracia americana e que começa a acontecer na
Europa. Primeiro com a radicalização à direita, agora com uma tendência para a
radicalização também à esquerda.
5. “Em eleições
passadas, o Financial Times distribuiu o seu apoio pelos conservadores ou
por um Labour moderado. Desta vez, os principais partidos puseram a pureza
ideológica à frente do que é melhor para a Grã-Bretanha. Nenhum pode merecer o
nosso apoio.” É o dilema do jornal e é o dilema, provavelmente, de muitos
eleitores. Logo à noite se saberá qual dos dois líderes consideraram o “mal
menor”. Ontem, ainda estava quase tudo em aberto. tp.ocilbup@asuos.ed.aseret
COMENTÁRIOS
José Cruz
Magalhaes, 12.12.2019 O Brexit é a principal arma de arremesso
de Boris Johnson,para garantir a sua permanência no número 10 de Downing st,que
é o único plano e o único objectivo que o move.Para isso,conta com o apoio e a
exigência de financeiros,empresários e das élites conservadoras,que anseiam por
um novo estado de aceleração dos negócios,dos lucros e dos rendimentos.Boris
não tem qualquer plano,nem projecto,para o RU e depois do Brexit,até pode
passar a fazer de morto.
vinha2100, 12.12.2019:
Detesto Corbyn mas não hesitaria em votar nele. Johnson é
um diletante sem princípios, semelhante a Trump mas ainda mais mal preparado, e
capaz de vender a mãe para alcançar os seus objetivos. Não hesitou em mentir
com quantos dentes tinha para chegar à posição que ocupa. Já Corbyn, claramente
um pragmático com más ideias, tem pelo menos a vantagem de estar num partido
com muitas pessoas sérias e progressistas. Quando chegar o momento, vai
defender a permanência na União Europeia e defender o Serviço Nacional de Saúde
que os Conservadores meteram de rastos. Um é um pulha, o outro é um sonhador...
claro que preferia os Liberais Democratas, mas mal por mal que o bom senso
prevaleça com alguém que quer genuinamente defender as famílias britânicas, e
não um privilegiado pusilânime.
Manuel
Caetano, 12.12.2019 : Concordo no geral com o que escreve mas
isso ainda torna mais incompreensível a "ajudinha" que o Conselho da
UE deu a Boris Johnson na subida ao cargo de primeiro-ministro do RU. Por mais
voltas que se dê não é possível ignorar que foi a saida de May que abriu
caminho à entrada de Boris e que May caiu porque o Backstop-inegociável impediu
a ratificação do acordo entre a UE e o governo de Theresa May no parlamento.
Hoje saberemos se o backstop-inegociável como ferramenta-mestra da estratégia
do Conselho para impedir a todo o custo a saída do RU foi acertada ou errada.
vinha2100, 12.12.2019: Manuel, o Conselho da UE está farto dos
britânicos. Quer vê-losl pelas costas. A UE já nem sequer pensa nos britânicos
ou nos europeus que estão lá a viver, quer apenas ver-se livre de um membro que
se tornou embaraçoso e que prejudica a imagem e poder negocial europeu.
Dr. Severino,
12.12.2019: Corbyn
é um hipócrita. Só agora que se sente sufocar é que desesperadamente se lembra
de um 2o referendo.!
Manuel
Caetano, 12.12.2019: Boris Johnson chegou ao poder porque o governo de Theresa May
caiu por força do backstop (inegociável com May mas, incompreensivelmente,
negociável com Boris) desenhado como a ferramenta mestra da estratégia adoptada
pelo Conselho da UE para impedir a saída do RU (todos nos recordamos que o
parlamento britânico chumbou três vezes o acordo da UE com o governo deTheresa
May por causa do backstop inegociável). Bem sei que alguns detestam ser
confrontados com a realidade mas a verdade é que o Conselho da UE deu um bom
contributo para que Boris Johnson seja hoje primeiro-ministro do RU.
joaocpedro,
12.12.2019: Por um lado sim, mas por outro lado o UK
votou para sair, ninguem votou para "sair mas com um acordo". Se o UK
ainda nao saiu e grande parte porque a sua classe politica bloqueou/ arrastou o
processo. Podiam ter saido sem acordo ha mais de um ano. Backstop? Tiveram mais
de tres anos para preparar contingencias.
Manuel Caetano, 12.12.2019: joãocpedro se o colega acompanhou o
processo negocial para a saída do RU da UE (para dar cumprimento à decisão da
maioria dos britânicos no referendo de 2016) terá reparado que o backstop foi
sempre a pedra de tropeço na concretização do Brexit. Não creio que seja
possível defender que estamos perante um acontecimento casual.
TM, 12.12.2019:Pois eu João se tivesse cotado Remain
neste momento faria um voto tático e votaria no meu círculo para o candidato
que defendesse a permanência na UE e que tivesse melhores chances de ganhar no
circulo eleitoral. E já agora João, a questão de sair da UE de forma imediata
seria completamente irracional. Não é uma questão de querer ou não seguir o
resultado do referendo, é uma questão de bom senso! Qualquer líder do RU sabe
que tem de haver um acordo para sair da UE que assegure os direitos
conquistados ao longo dos últimos 40 anos e que salvaguarde a economia Britânia
e as empresas que dependem fortemente das suas relações com a UE! O Boris sabe
disso, o Corbyn sabe disso. Toda a gente sabe disso. E depois há a questão da
fronteira com a Irlanda que tem um contexto histórico muito particular e nenhum
PM quer que a violência regresse a Irlanda do Norte! A única coisa que me
espanta aqui é como o Americano continua a negar coisas tão óbvias e como consegue
ter tanto desprezo pela paz e prosperidade.
viana, 12.12.2019: Boris quer tirar o Reino Unido da UE,
quer destruir o seu sistema social, e já deu provas de que fará o que for
necessário para chegar ao, e manter-se no, Poder, como se viu pelo desrespeito
por várias regras da democracia britânica nos poucos meses que teve de
primeiro-ministro, e pela avalanche de notícias falsas pagas pelo partido
Conservador para circular na internet, em particular no Facebook (como hoje é
noticiado no Público). Em contraste temos Corbyn, que pretende um novo
referendo à permanência do Reino Unido na UE, e que aceita a permanência do
Reino Unido na NATO (por mais que discorde do princípio). Portanto, face a um
individuo que é contra a UE, uma ameaça à Democracia e ao sistema social
britânico, afirma que não consegue apoiar Corbyn. Veremos o mesmo com Trump?...
Coletivo Criatura, 12.12.2019: As pessoas deixarem de entender o que
significa 'ditadura', 'democracia', 'estado de direito', 'responsabilidade
social', 'estado social', etc. Tudo aquilo com que eu não concordo pertence ao
campo dos ditadores, do 'mundo impossível'. Confundo o meu estado de alma, as
minhas paixões partidárias, a questão do momento, com a democracia! O que temos
agora é um jogo de 'puxar à corda': de um lado uns, porque sim; do outro lado,
outros, porque sim, também! E puxam unicamente movidos pela incompreensão do
interesse de ambos os lados. E, principalmente, por frustração ou 'cansados' de
viverem a doce calma da democracia e paz social! Há jogos destes em que caem
tanto os vencidos como os vencedores ! Experimentem!
Darktin, 12.12.2019: Concordo contigo. Contudo, o que fazer
quando estão a puxar a corda com a ajuda de países que de facto são ditaduras e
que lhes interessa corromper a imagem da União Europeia com objectivos
corruptos e obscuros? E é fácil perceber o que está em causa. Não existe a
perfeição. Estamos todos na melhoria contínua. Ora, os EUA têm muitos defeitos.
Solução: dissolver a união de Estados? A Federação Russa tem muitos problemas e
vive sob um regime de semi ditadura. Solução: dissolver a Federação? E a China
etc. Então porque raio de carga, esta gente só sabe defender a dissolução da
UE? A melhor coisa que aconteceu na história da Europa? Andamos a perder tempo
com estes palhaços pirómanos. Deveríamos estar centrados na resolução de
problemas e não estar preocupados com nossa sobrevivência.
Jonas Almeida bit.ly/portugexit, 12.12.2019:
Dessas
palavras eu acho que há uma que todos entendem, qualquer que seja a era, a
idade, ou até o regime politico em que vivem - a Democracia. É o sistema
vinculativo de uma cabeça um voto, sem adjetivações ou intermediações. A
Liberdade e a Justiça derivam dessa fundação. Sem ela a governança
centraliza-se e apodrece, abusiva, abafante, e opressora. O que vai a votos
directos hoje inclui um único partido "europeista". Está em queda no
eleitorado para menos de 1/6 do total. São os tais "liberais". Que se
tirem daí as conclusões que se impõem. Quer Boris quer Corbyn votaram Brexit. O
"europeismo" soa bonito até se perceber que é profundamente
anti-democrático, anti-social e na verdade anti-europeu. Perde referendos e
alimenta-se de jogos parlamentares por clientelismos inconfessos.
TM, 12.12.2019: Há por aqui um Americano que se esqueceu
de ler a parte: o sistema eleitoral Britânico não favorece os partidos mais
pequenos! Achar que os Liberais iriam sair vencedores é apenas estúpido! A
realidade é que a maioria dos Remainers irá votar Labour porque é a única forma
de travar uma maioria Tories! A realidade que um tal Americano ignora é que a
maioria dos Britânicos é pro UE e quer continuar na UE, seja pelo cancelamento
do artigo 50, seja pela realização de um novo referendo, seja pela adesão num
futuro próximo ( caso o RU sais realmente). O que um tal Americano ignora é que
a UE é uma Democracia que vai continuar a existir por muitos e bons anos! :D
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