Vejo-o nos comentários que contestam o
discurso derrotista de António
Barreto relativamente a este governo. E assim se vai galgando o tempo,
atamancando acções e discursos, coisas e loisas, daqui e dali, do passado e do
presente…. Mas há sempre os que se distinguem pela positiva, pela acção, pelo saber,
neste rectângulo maneirinho, que vai fazendo pela vida como pode e que amamos,
velhos do Restelo agoirentos, ou Ícaros imprudentes ou néscios, a luzinha da
esperança sempre brilhando, ainda que circunscrita à das gambiarras da quadra
natalícia do mês que passa.
OPINIÃO: O nada e o infinito
Como nunca antes, o Governo “marca as
agendas”, selecciona as notícias e os estudos, escolhe os órgãos de imprensa
que fazem jeitos.
ANTÓNIO BARRETO
PÚBLICO, 1 de
Dezembro de 2019
António Costa não faz a mínima ideia
para onde quer levar o seu país.
Sabe que quer aguentar mais quatro anos, a fim de… ganhar mais quatro! Também
sabe que gostaria que Portugal conseguisse chegar a todos os lugares comuns:
mais saúde, mais educação, mais pensões, mais igualdade, mais cultura e mais
sossego! Belo programa! Nada se passa e tudo deve continuar. Eternamente.
Entre 1974 e 1980, os socialistas e
Mário Soares souberam encontrar o ponto de encontro entre a liberdade, a
democracia e a Europa. Deram um contributo valioso e inestimável. Outros
ajudaram, mas o seu papel foi determinante. Depois disso, em momentos difíceis,
renovaram o contributo: a integração europeia, duas crises financeiras e as
revisões da Constituição que permitiram que Portugal fosse democrático. Nesta
sua segunda intervenção, não esteve sozinho, estava ao lado do PSD: juntos,
conseguiram o feito histórico de libertar a Constituição e de garantir a adesão
à União Europeia.
A
seguir, já quase sem Mário Soares, mas com Guterres, Sócrates e Costa, os
socialistas desempenharam um papel importante, em certas circunstâncias, já sem
o fulgor de outros tempos e sem o carácter decisivo do passado. Além disso,
organizaram e presidiram a um dos piores ciclos da história da democracia
portuguesa: os seis anos de José Sócrates detêm esse título pouco invejável. A
dívida aumentou de modo catastrófico, a bancarrota instalou-se e foi necessário
pedir a assistência financeira internacional. Uma grande parte das mais
importantes empresas públicas foi desmantelada. A corrupção e o nepotismo
atingiram graus inéditos. A liberdade de expressão esteve condicionada e os
socialistas de Sócrates sonharam com a aquisição e a tutela de televisões, rádios
e jornais.
É curioso
que a liberdade de expressão
tenha tido, ao longo das últimas décadas, uma evolução significativa. Começou
por ficar refém dos revolucionários, comunistas e militares, logo a seguir ao
25 de Abril. Foi por sua causa que o PS iniciou as hostilidades contra o
despotismo que se preparava e derrotou, por via de eleições, os comunistas e
seus colaboradores. Durante uns anos, mau grado o excesso de Estado na
comunicação social, não só havia alguma margem, mesmo reduzida, de liberdade e
de pluralismo, como novos órgãos privados, jornais, rádios e televisões,
iniciavam a sua vida e reforçavam a liberdade. A privatização dos órgãos
estatizados completou a libertação. Novos ciclos começaram depois.
Desde
então, gradualmente e por novos meios, a liberdade de expressão e o pluralismo
têm vindo a conhecer o condicionamento. A publicidade privada e pública
domina grande parte da liberdade. Os
empregos públicos, a vontade de os ter e o receio de os perder, também. As
agências de comunicação, de meios e de publicidade são hoje os verdadeiros
executivos do domínio da comunicação, sendo que a última instância do poder
reside nas grandes centrais: o Governo, os partidos e os grandes grupos
económicos. Entre todos estes, não tenhamos dúvida, o Governo é hoje o
grande timoneiro da comunicação social, isto é, o mais feroz condicionamento da
liberdade de expressão.
Como
nunca antes, o Governo “marca as agendas”, selecciona as notícias e os estudos,
escolhe os órgãos de imprensa que fazem jeitos, paga publicidade institucional,
não responde a quem procura e investiga, alimenta a maior parte das agências de
comunicação que, sem o governo, pouco teriam para fazer. Os noticiários das
televisões parecem feitos nos gabinetes dos ministros.
Os órgãos de informação vivem tempos
difíceis, dramáticos mesmo. Não só a Internet, os telemóveis e as redes sociais
os ameaçam, como a sua dependência é cada vez maior. Uns por vontade e
doutrina: alguns jornalistas de esquerda silenciam quase tudo o que não convém
aos seus amigos, condenam o que lhes cheira a direita ou a incomodidade. Os de direita, poucos actualmente, não se comportam
de maneira muito diferente, só que argumentam quanto podem com as liberdades,
dado que o Governo fica à esquerda. A verdade, todavia, é que existe
uma espécie de ambiente geral, de clima cultural ou de moda e espírito sempre
disponíveis para agradar à esquerda, calar os defeitos, inventar conveniências
e fabricar verdades, mas sobretudo condicionar e definir as agendas. Os mesmos lapsos, os mesmos erros, os mesmos
defeitos, as mesmas medidas políticas, as mesmas iniciativas, as mesmas
mentiras, as mesmas aldrabices e os mesmos roubos cometidos pelas direitas e
pelas esquerdas têm tratamentos absolutamente diferentes. Condescendência,
desculpa ou silêncio para a esquerda, crítica, intransigência e investigação
para a direita. Esquecimento para a esquerda, memória para a direita. Nos tempos dos governos de Cavaco Silva não era
muito diferente, só que os jornalistas se comportavam então com um pouco mais
de liberdade e havia menos agências de comunicação. Os governos de Sócrates
eram parecidos, só que mais brutos. Os de Costa refinam.
As ridículas campanhas anti-racistas mobilizam a imprensa e a
televisão, até o Parlamento e as autarquias. As aventuras revisteiras da deputada do Livre acabam
por ser viradas do avesso, como se estivessem em causa as mulheres, as negras e
as deficientes, quando se trata de problemas de cismas parecidos com os dos Monty
Python e dos grupelhos da A Vida de Brian. O miserável estado em que
se encontram os serviços públicos, especialmente o SNS, o fisco, o SEF e a
segurança social, permanece quase oculto. As graves decisões sobre o novo aeroporto de Lisboa,
os caminhos-de-ferro, o terminal de contentores, a nova travessia do Tejo e o
terminal de Sines continuam fora do domínio público e da opinião independente.
Alguns dos protagonistas e muitos dos
principais dirigentes políticos actuais, no Governo, no partido e em muitas
instituições públicas já o eram com José Sócrates. Não é fácil esquecer esses
tempos. Não é fácil mudar de pensamento, corrigir os defeitos, olvidar
ligações, omitir medidas e esconder decisões. Não é simples fazer o mesmo por
outros meios ou tentar fazer legalmente o que sempre se fez na ilegalidade. A
única maneira de manter a impunidade de quem serviu Sócrates e agora serve
Costa, de quem se serviu e agora pretende que tal não se veja, consiste em
condicionar a liberdade de expressão. Pena é que haja tanta gente disponível
para esta ingrata missão. E pena é que não haja oposição. Nem de direita, nem
de esquerda.
Sociólogo
COMENTÁRIOS:
mamaciel, 01.12.2019: Obrigado
Dr.António Barreto, pelos temas que escolhe e pela clareza com que os escreve.
Este é mais um daqueles artigos de opinião que nem é de esquerda nem de
direita, é tão só, o retrato de Portugal.
rafael.guerra, 01.12.2019: Se nada se passa, talvez seja um bom sinal. Governar
um país e conseguir a paz social é infinitamente mais difícil do que vir nos
enfiar barretes de opinião nas colunas do Publico...
Joao, 01.12.2019: Gostei e
apreciei. Aqui o Barreto fala da manipulação dos temas internos, e bem,
manipuladores talvez pela ordem que diz " o Governo, os partidos e os
grandes grupos económicos". Mas isso são temas de trazer por casa, de
pouca ou nenhuma importância a medio ou longo prazo. Os temas importantes, as
Políticas, esses são definidos em Bruxelas e WallStreet.
Joao, 01.12.2019: Como será a
energia em Portugal daqui a 50 anos, como serão as relações de trabalho, como
será a saúde, como será a habitação, etc, tudo isso é desenhado no exterior e
definido como normalidade cá pela propaganda dos mesmos manipuladores.
JonasAlmeida, 01.12.2019: Concordo, aliás
esse é sempre o choque inicial nos meus regressos regulares a Portugal - entre
o futebol e a propaganda europeísta em que o regime se assume como a encarnação
do espírito de santo não sobra muito oxigénio na praça pública. Não admira que
a sociedade civil vá (re)descobrindo os méritos de assumir o conflito.
(e
sob a direita canídea, mais uma vez o Colete acerta na muche, é personificada
por Passos Coelho e é tema que só se trata com luvas e entre parêntesis)
TM, 01.12.2019: As politicas são
definidas por Bruxelas? Algumas sim, mas a larga maioria não!
Manuel Dias, 01.12.2019: Então o que
importa que seja o Jerónimo de Sousa ou O André Ventura o primeiro ministro?
Tanto faz.
Joao, 01.12.2019: Os caros serão
capazes de dizer se o Costa, ou outro qualquer primeiro ministro, tem
capacidade para decidir e executar alguma política de compra e venda que não
seja aprovada por Bruxelas? De alguma empresa ou negócio interno, ou de algum
negócio externo? Alguma nacionalização ou privatização? Alguma alteração
cambial? Alguma compra de gás ou petróleo? Alguma política externa? Algum
pagamento sequer? Algum recebimento até? Alguma transferência de dinheiro?
Alguma aliança política ou militar? Ou alguma declaração de guerra? Enfim,
alguma coisa que não esteja na lista de autorizações de Bruxelas e não esteja
na lista das proibições de Bruxelas e WallStreet?
Joao, 01.12.2019; Os caros são
capazes de dar algum exemplo de exercício de soberania do Costa ou afins? Algum
exemplo de autodeterminação importante? Que não seja claro definir a hora de
recolha de caixotes do lixo (e só dentro de alguma margem) ou plantar ou não
árvores na segunda circular (e se calhar também só dentro de alguma margem).
São capazes de dar um exemplo de decisão autónoma e importante?
Joao, 01.12.2019: Aliás o Cavaco,
no seu mais infame discurso, quando recusava nomear o Costa a isso se referiu.
No seu mais infame e nojento discurso, em que objectivamente e factualmente
tinha razão como aqui estou a referir, mas que nunca poderia ou deveria ter
sido proferido por um Presidente de Portugal que deveria sim ser ainda um
símbolo e estímulo de nacionalidade e soberania portuguesa.
Joao, 01.12.2019: Só por exemplo li
agora que o esquema da Alemanha e França para tentarem rodear as sanções
americanas sobre o Irão recebeu mais uns seis aliados, países europeus. Esforço
meritório que tentam há meses e meses para que os iranianos são sejam
ignobilmente asfixiados e escravizados e possam fazer trocas comerciais com
outros países. Ora bem, estamos a falar da Merkel, Macron, de vários governos e
países bem mais poderosos que Portugal. Ora bem ... apesar disso ...e de
tentarem já há meses ...ainda nenhuma, repito, nenhuma troca comercial existiu!
Nenhuma empresa, nenhum particular, ninguém foi convencido pelos ditos mais
"poderosos" da Europa a vender ou comprar pistachios ou peúgas aos
iranianos com receio de aborrecer WallStreet. Então o governo português que
está na cauda da hierarquia ...
Colete Amarelo, 01.12.2019: Mas de que se queixa a direita? Teve uma oportunidade de
oiro para mostrar o que valia quando até a esquerda votou nela supondo, por
desconhecimento, que por direita teríamos uma força patriótica pela qual
valeria a pena fazer sacrifícios, e afinal se descobriu que a direita é o clube
reservado dos que tratam exclusivamente de si, como se riqueza e pobreza não
fossem o mesmo fenómeno; foi pior a emenda que o soneto. Omite-se o nome de
Passos Coelho neste artigo, e é sabido que uma das formas de não dizer verdade
é omitir.
bento guerra, 01.12.2019: Amarelo, graças
ao Passos Coelho pudeste continuar a comer e agora mordes a mão
Colete Amarelo, 01.12.2019: Devo agradecer ao salvador? Essa história de nos
salvarem do que seria pior, ainda funciona? É em nome do que seria que nos vão
lixando. Abra os olhos!
Colete Amarelo, 01.12.2019: Quero dizer,
sem pretender ofender, Não acredite em políticas que têm como fim último algo que
não é do domínio do real. Tem que ser possível pensar o que se faz a partir de
coisas detectáveis. O Passos engoliu que nem um patinho que a austeridade era a
política a seguir para nos salvarmos de pior. Competia-lhe salvar o país desse
flagelo, foi por isso que se votou na direita. Ele, contudo, limitou-se a ser
subserviente. Digo-lhe, precisamos de uma direita patriótica que saiba impor na
Europa o valor de Portugal.
JonasAlmeida, 01.12.2019: Excelente
argumentação Colete Amarelo! A direita ainda se portou pior, nem sequer
sustentando uma molécula da tal desaparecida "direita patriótica". É
triste recordar isso num dia como o de hoje em que celebramos a restauração da
independência a 1 Dez de 1640.
João Boavida 01.12.2019: Radiografia muito nítida do Portugal de
hoje. Quem não vê ou está comprometido na gangrena e, portanto, já gangrenado
em adiantado estado, ou é cego.
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