“Deus quer, o Homem
sonha, a Obra nasce”
E assim nascem os Impérios. Poderosos. O Persa, o Grego, o Romano, os
Ocidentais... O Império do Meio. Mais fabuloso ainda. Porque sem tanto risco e
com muito maior safadeza. Salles
da Fonseca explica. Os que o lêem
perceberão, com maior ou menor interiorização. Tudo isso nos leva ao mesmo remate
de Pessoa: “Senhor, falta cumprir-se Portugal!”
Henrique Salles
da Fonseca
15.10.19
As conversas são
como as cerejas: agarrada a uma vem sempre outra e assim por aí além…
Já não sei como começou mas lembro-me de termos passado pela polémica
marca chinesa de telemóveis e termos chegado ao valor real do Yuan.
E a questão a que chegámos, afinal, centra-se no conceito mais
inesperado, na palavra «real», não no «valor». Que valor algum há-de ele
ter, quanto mais não seja o que o Decreto determina.
Mas centremo-nos no que está em causa: quanto vale o Yuan?
E aqui se dividem as opiniões entre os que dizem que…
… está sobrevalorizado porque, depois de ter absorvido toda a massa quase
incalculável das «senhas» (não convertíveis) que circulavam entre os chineses
comuns, deveria ter-se desvalorizado para níveis certamente muito mais baixos
do que o definido por Decreto;
… está subvalorizado
para facilitar as
exportações e dificultar as importações.
Desde já me coloco do lado
dos que acusam o Yuan de estar sobrevalorizado.
Porquê?
Porque uma moeda cujo valor é definido por Decerto,
não representa certamente uma economia transparente em que os preços se formem
livremente. E isto mantém-se válido apesar de, entretanto, o Yuan ter sido
indexado a um cabaz de moedas credíveis como são o Dólar americano, o Euro, o
Yen e o Won da Coreia do Sul. Só que o valor de
base é duvidoso pois ninguém me faz acreditar que a absorção de toda a massa
monetária não convertível (o Renminbi não convertível) pelo sistema de uma
única moeda em toda a República Popular da China, não tenha provocado grande
mossa no valor da moeda que já então era convertível, o Yuan. E mais ainda, o «gato escondido com rabo de
fora», revela-nos o Yuan, o Dólar de Hong Kong e a Pataca com o mesmo valor.
Tudo cheira a artificial e, por causa da tal absorção da moeda não
convertível, cheira a falsidade no sentido da sobrevalorização – o Yuan
deveria ter um valor muito mais baixo.
Mas, para além destas anormalidades, há ainda outra que tem a ver com o
volume de dinheiro anualmente lançado no mercado quando os orçamentos
do Partido Comunista Chinês e das Forças Armadas chinesas são segredo de
Estado. Qual a política monetária que sustenta uma tal opacidade orçamental?
Sim, tudo me cheira a falso.
Quanto à hipótese de o Yuan já estar subvalorizado para sustentar as
exportações e dificultar as importações, tenho a recordar que as
desvalorizações…
… osu são discretas e
decretadas depois do encerramento
das grandes praças financeiras, de preferência ao final da tarde de 6ªs feiras
para dar tempo à digestão do novo câmbio (até à 2ª feira seguinte) pelos
mercados, ou…
… são deslizantes – o
chamado «crawling peg» - de
modo a que os preços se vão adaptando ao ritmo anunciado da própria
desvalorização deslizante.
Em ambas as desvalorizações, os operadores económicos
são beneficiados com a informação suficientemente atempada para se poderem
adaptar aos novos câmbios e na respectiva correspondência a nível dos preços no
mercado doméstico. E na actual sociedade da informação, é inútil pensar que o
efeito surpresa exista.
Ora, se o instrumento da competitividade cambial era o efeito surpresa,
então ele nunca existiu e actualmente, com a globalização, menos eficácia tal
efeito poderia ter. A menos que haja preços tabelados e respectivo controlo
policial, nessa situação, a ruptura dos abastecimentos só será evitada pelos
mercados paralelos.
Eis por que cada vez
mais tenho a política cambial por decreto como um bluff que, para
além do mais, tenta esconder os factores da incompetitividade da economia cuja
moeda é sujeita a tais desvalorizações. E a China tem outros motivos
de salvaguarda da sua competitividade internacional a começar pela inexistência
de sindicalismo livre e, consequentemente, pela prevalência de um mercado
esclavagista de trabalho.
Então, se eu não acredito na política cambial que possa ou não estar
subjacente ao Yuan, para quê preocupar-me com o tema?
Muito simplesmente porque
a República Portuguesa se empenhou não há muito tempo em Yuans e o valor dessa
moeda deixou de me ser indiferente: quanto mais desvalorizada, melhor para nós,
seus devedores. É que eu, ao contrário de um tal que por aí anda, acho que as
dívidas devem ser pagas – mas, se pudermos beneficiar de alguma desvalorização
da dívida, tanto melhor.
15 de Outubro de 2019
Isabel
Pedroso 16.10.2019
Para o português mais genuíno dos poucos que existem por aí, vai toda a minha
gratidão, por tudo o k tão bem escreves k nos ajuda a arejar a mente e muitas
vezes a abrir horizontes, ainda bem k existes queremos é mais gente assim
Anónimo 16.10.2019
Apenas dois ou três
comentários breves, Henrique: Na realidade desconheço se o yuan está
sobrevalorizado ou não, mas não me custa aceitar que o esteja. Refiro, todavia,
que, quando necessário, as autoridades chinesas desvalorizam a moeda para
facilitar as exportações e dificultar as importações. Foi o que fizeram no
início de agosto último perante o anúncio da Casa Branca de nova tarifa
aduaneira adicional de 10% sobre produtos chineses a ter lugar a partir de
setembro. O yuan fixou-se no patamar mais baixo dos últimos 11 anos, tendo
gerado uma queda das bolsas e de moedas de países emergentes, em paralelo com a
subida do dólar dos EUA. Logo a Casa Branca denunciou manipulação da moeda
chinesa, como forma de a China ganhar vantagem competitiva injusta no comércio
internacional. Mas o FMI veio de imediato afirmar que não confirmava aquela
acusação, porquanto, segundo a sua opinião, o yuan tem estado “amplamente
alinhado” com os fundamentos económicos. E assim vai a guerra comercial
e cambial sino-americana… Sublinho também as declarações da Presidente do IGCP,
desta semana, em que afirma que, de momento, não é prioridade a emissão de
dívida em outras divisas que não o Euro, a fim de não dificultar o programa do
BCE. Recorde-se que a emissão de dívida pública em moeda chinesa teve como
objetivo, segundo então anunciado, atrair novos investidores. Finalmente, e
tanto quanto me recordo, quando Macau estava sob administração portuguesa,
tínhamos já o cuidado, atendendo à interdependência das duas economias, de
alinhar a pataca ao dólar de Hong-Kong e ambas as divisas estavam alinhadas, em
geral, ao dólar de EUA (alinhadas, não paridade). Abraço. Carlos
Traguelho
Henrique Salles
da Fonseca 16.10.2019 M/ Caro Dr. Salles
da Fonseca, Ora aí está uma
questão bem colocada. Eu começaria por responder que o Yuan não é
"dinheiro", é a "unidade monetária" em que se expressam as
dívidas livremente transmissíveis do Banco Central da RP China e dos Bancos
Comerciais chineses. É a liquidez, por lá.
Como a liquidez denominada em Yuan não é livremente transmissível entre
não residentes na RP da China, nem entre residentes e não residentes na RP
China, representa certamente "dinheiro" (isto é, terá funções
monetárias plenas) no território da RP China para quem aí resida
(designando-se, então, renmimbi), mas terá funções monetárias (poder liberatório e
reserva de valor) muito limitadas no exterior. No território da RP China: (i) pagam-se os impostos entregando saldos de
liquidez em Yuan; (ii) extinguem-se dívidas, mesmo em processo de execução
judicial, entregando saldos de liquidez em Yuan; (iii) os Bancos Comerciais
estabelecidos na RP China têm a sua Base Monetária denominada em Yuan.
A liquidez em Yuan é um facto, mas é algo que só a eles diz respeito. No
exterior da RP China: (i) nem é possível pagar impostos entregando saldos de
liquidez em Yuan; (ii) nem o credor a quem seja oferecido um saldo de liquidez
em Yuan está obrigado a considerar o seu crédito pago, e a dar a correspondente
quitação; (iii) alguns Bancos Comerciais podem deter activos financeiros em
Yuan, mas encontrar-se-ão expostos ao risco cambial, porque a sua Base
Monetária está expressa noutra liquidez. O Yuan não é ainda uma divisa
livremente convertível (talvez venha a ser um dia).
Em regime de câmbios flutuantes (que não é o que se passa na RP China), a liquidez em Yuan vale exactamente aquilo que um não
residente na RP China esteja na disposição de pagar por um saldo de liquidez em
Yuan. Como o Banco Central da RP China tem descomunais Reservas em divisas
convertíveis é ele, apesar de ser residente, o primeiro e principal comprador
de saldos de liquidez em Yuan (vendendo divisas convertíveis) - e o primeiro e
principal vendedor de saldos de liquidez em Yuan (comprando divisas
convertíveis). E, em determinadas circunstâncias, está sempre comprador e
sempre vendedor: é um "Market-Maker". Agora a resposta
à questão inicial: Enquanto o Banco Central da RP China nadar em divisas
convertíveis, o Yuan (leia-se: a liquidez denominada em Yuan) valerá
exactamente aquilo que ele estiver na disposição de pagar ou entender pedir. Abraço
António Palhinha Machado
Anónimo 16.10.2019
Como te tenho dito, Henrique, foi no teu blog que fiz a minha estreia
de comentador, e sempre que comento fico com a ansiedade da dimensão do
comentário, procurando que ele seja ligeiro, não muito profundo, nem demasiado
técnico.
Tive a sorte de ler dois comentários do nosso António Palhinha Machado,
um sobre o futuro (?) aeroporto e agora este, e vejo que o António, e bem,
naqueles temas que comenta, fá-lo com profundidade, concorde-se ou não com os
seus argumentos. Ainda bem que assim é, até pela valorização que isso carreia
para o blog, mas eu vou manter as caraterísticas acima citadas quando me
permitires, Henrique, que comente algo.
Com licença tua e da do António, e para benefício dos leitores do blog,
vou avançar com alguns conceitos ou esclarecimentos para simplificar as
questões.
Como diz o António, o yuan é uma unidade de conta (como era o conto
português, ou como são os Direitos Especiais de Saque, do FMI, de que,
infelizmente, num passado recente, muito ouvimos falar), enquanto o renminbi
(RMB) é o nome da moeda oficial chinesa. Em linguagem correcta, diz-se que o
RMB se valorizou e não que o yuan se valorizou. Por outro lado, fala-se que o
preço de uma mercadoria é de 5 yuans e não de 5 RMB.
Para complicar um pouco mais a situação, existem dois RMB – um onshore,
para uso só na China, que não é convertível, penso, e outro externo, offshore,
convertível, não sei, confesso, se inteiramente, ou com algumas limitações.
Não estou totalmente de acordo com o último parágrafo do António (mas
isso é um pormenor), pois, como dei nota, existe alguma supervisão sobre o
comportamento da moeda chinesa (veja-se a atitude do FMI, por mim recordada,
perante a acusação da Casa Branca de manipulação da moeda chinesa). Já
agora, aproveito a oportunidade de ter voltado ao espaço de comentários ao teu
artigo, Henrique, para, em relação também ao teu último parágrafo, informar
que, tanto quanto sei, a emissão de dívida pública portuguesa, em RMB, foi
objeto de imediato swap, pelo que não está denominada, para efeitos de risco
cambial, nessa moeda.
Vou pedir-te licença para transmitir aqui um sentimento íntimo de
“realização”, quando no início da década 90 do século passado, passou a
circular em Macau uma nota de 5 patacas, com a minha assinatura, na qualidade
de administrador do Banco Nacional Ultramarino… Um abraço para o Henrique e
outro para o António. Carlos Traguelho
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