quarta-feira, 25 de dezembro de 2019

Natal... sempre que o Homem quiser



Três crónicas sobre o Natal – no A BEM DA NAÇÃO, no OBSERVADOR, no PÚBLICO. Qualquer delas com o carisma específico dos seus autores: a de Salles da Fonseca, didáctica e suavemente crítica, entre os referentes históricos e a promoção actual dos actos perdulários, para gozo geral; o segundo, de Pedro Morais Vaz, promovendo o espírito de família como simbolismo da palavra NATAL, em descritivo simpático de evocação familiar ternurenta e gentil; a crónica de João Miguel Tavares serve-se artificiosamente desse mesmo simbolismo do “Natal”, em termos, como é seu hábito, de moralização dos costumes, no apontamento de mais um “casus belli”da nossa especificidade político-social decadente.
Afinal, sendo o significado de “Natal” ligado a um conceito de pureza e bondade, que seja, pois, esse conceito aliado a uma resolução de efectividade extensiva aos demais dias do ano – para orientação moral e cívica. Seria bom. Mas cada vez mais utópico, numa sociedade de estardalhaço e gozo.
HENRIQUE SALLES DA FONSECA            A BEM DA NAÇÃO24.12.19
A festa maior do Cristianismo é a da ressurreição de Cristo mas não podemos deixar de enaltecer o Natal como o acontecimento fundacional desta fé.
Omã, Salalah, «floresta» do incenso
Em Março passado estive em Omã e visitei o local onde existem as árvores que produzem o incenso pelo que, para mim, ficou esclarecida a origem dos Reis Magos. Ficou por esclarecer a origem do ouro e da mirra mas creio que essa é uma questão menor para quem crê na divindade de Emanuel, O que assim foi anunciado pelo Profeta Isaías.
Entretanto, tudo foi «agarrado» pelos lobbies comerciais e vá de promoverem os presentes como peça central das festividades. O próprio Pai Natal, essa simpática figura criada pela Coca-Cola com renas, neve e trenó, não passa duma fantasia completa pois o verdadeiro São Nicolau nada tem a ver com a Lapónia. Pelo contrário, é bem meridional pois foi Bispo de Mira, cidade principal de colónia grega na Ásia Menor, actual Turquia. A única aproximação à realidade é no facto de São Nicolau se ter distinguido como protector da infância desvalida e, daí, a distribuição dos presentes.
Mas não quero agora armar-me em desmancha prazeres estragando a festa da criançada. Os puritanismos que eles não têm maturidade para perceber estragariam a felicidade que eles têm ao receberem presentes e a nossa felicidade em lhos darmos como se fôssemos o Pai Natal.
Portanto, aí estão os meus votos de feliz Natal para todos, crianças e adultos e que 2020 seja benigno.
Continuemos…  24 de Dezembro de 2019
2- Um Natal
Não somos perfeitos, também temos os nossos problemas e este ano seremos 128. Mas, neste dia, tudo se torna secundário porque nos reunimos para celebrar o mais importante que temos: a vida e a família
128. O número deste ano. Fruto de um casal, Teresa e Clemente, pais de 14, avós de 41, bisavós de umas dezenas. A família – para a qual já todas as casas são pequenas – reúne-se em espaço alugado, no banzé habitual, em vésperas de Natal. As tarefas são habitualmente repartidas: aquele tio trata do perú, aquela tia assegura o arroz árabe, outra desenrasca uma salada ou uma sobremesa. Tudo aos molhos, aos kilos, à farta – não que gostemos de desperdício, mas porque as barrigas não se enchem de ar.
E começam a chegar. Os primeiros têm mais sorte: dispensam ou atenuam a hercúlea tarefa de cumprimentar, um a um, os recém-chegados. Os últimos arriscam uma bochecha inchada ou uma tendinite na mão ao final do dia. Chegassem mais cedo.
Chegam, pousam os casacos, montam os sorrisos; uns libertam as feras (“vá, vão brincar com os primos”). E o banzé vai-se instalando, paulatina e naturalmente, com uma pequena agravante: as tias (minhas queridas tias e mãe) são daquele tipo de gente que acha que a razão é directamente proporcional ao volume da voz. Por isso, esforçam-se por se ultrapassar, por se fazer ouvir, por ter mais razão, até que o barulho de fundo se começa a assemelhar ao de um galinheiro sob ataque de raposas esfomeadas. É bonito. Entre os tios, as discussões assemelham-se às daqueles programas televisivos culturais e altamente enriquecedores que passam diariamente na RTP3, na SIC Notícias e na TVI24 sobre a arte futebolística. Lembro-me de ouvir uma vez um tio dizer que o Benfica (na altura, em 3º lugar no campeonato) estava a 7 pontos da liderança porque estava a 2 do Sporting e a 5 do Porto. Dá para imaginar. Quando passam para a política, chega a sentir-se falta de um Ferro Rodrigues para silenciar e repreender os mais indisciplinados.
Nos Natais mais recentes, é preciso especial cuidado a cada passo que damos, não vamos espezinhar um pé, uma mão ou uma pata. Cada passo é medido milimetricamente para não comprometer a integridade física das dezenas de gnomos (meus queridos sobrinhos) que, freneticamente, correm, saltam, gritam e nos contornam a cada segundo.
Uma das vítimas mais recentes dos nossos Natais foi o famigerado “amigo secreto”. Com o avançar dos anos, fomo-nos apercebendo que o mero convívio era mais compensador e proveitoso do que centralizar atenções durante 3 horas para desfazer embrulhos e distribuir meias, sacos de gomas, jogos para a Playstation 2, porta-cd’s e afins – o que indignava sempre, compreensivelmente, a tia que investia avultadas somas na camisola da Springfield ou no top da Zara.
No meio desta feira, reina a unidade. Em torno de uma pessoa. A rainha da família, mulher formosa, singela, elegante e delicada. A mesma que, em tempos – reza a lenda – abriu a cabeça à “sapatada” a um dos filhos depois do fedelho ter posto um gato na retrete e puxado o autoclismo. Imagine-se. Nos seus pensamentos e das suas 94 primaveras, deverá – imagino eu – contemplar aquele circo, lembrar o meu avô e pensar para si, sorrindo: “mas que raio fomos nós fazer?”. Foi dar-nos a nós, filhos, netos e bisnetos, a maravilhosa oportunidade de vivermos, em família, uma experiência única. Uma experiência que não se limita ao dia de Natal, mas que se estende a muitos outros momentos (como as férias em São Martinho do Porto ou os fins de semana em Penacova) e a várias relações (não tivéssemos uns nos outros muitos dos nossos grandes amigos). Não somos perfeitos e também temos os nossos problemas. Mas, neste dia, tudo se torna secundário porque nos reunimos para celebrar o mais importante que temos: a vida e a família.
3 - Uma cultura de exigência no sapatinho
Puxar do currículo quando se faz asneira tem um único resultado: continuar a alimentar uma cultura de mediocridade.
JOÃO MIGUEL TAVARES            PÚBLICO, 24 de Dezembro de 2019
A confusão em torno da RTP continua, agora com o chumbo da acumulação da direcção de programas e de informação numa só pessoa (José Fragoso), mas hoje é véspera de Natal e não gostava de gastar demasiado tempo com análises políticas e teorias da conspiração. Proponho algo mais simples, ainda que porventura mais ambicioso: sugerir ao Pai Natal para deixar no sapatinho de todos os portugueses o desejo profundo de uma cultura de exigência e de profissionalismo, que preceda quaisquer questões de estilo, simpatia pessoal ou ideologia.
Pode parecer coisa pouca, mas se essa exigência realmente estivesse disseminada, este caso da RTP estaria há muito resolvido, e teria impedido mais de 130 jornalistas (entre eles alguns de que gosto bastante) de subscreverem um abaixo-assinado em defesa de uma directora de informação que admitiu ter feito algo inadmissível – conversar com o principal alvo de uma investigação nas costas dos jornalistas que o investigavam, sem nunca os informar; proceder a uma colecta de informações paralelas que envolveu, de caminho, uma directora-adjunta (Cândida Pinto) que sempre evitou apresentar quaisquer explicações para os seus actos; e tudo isto num caso em que havia evidentes conflitos de interesses, por a directora ser professora no instituto investigado.
Diante disto, pouco deveria importar que a directora fosse de esquerda, de direita, prima ou conhecida do primeiro-ministro, uma profissional com um currículo impecável ou “uma das mais sérias profissionais do jornalismo português”, como se lia no texto do abaixo-assinado, numa ditirâmbica sequência de elogios que ainda a colocavam como “defensora irredutível do jornalismo livre, rigoroso, sem cedências ao mediatismo, a investigações incompletas, ou à pressão de poderes de qualquer natureza”. A ex-directora da RTP até pode ser tudo isso, e merecer o mais elevado lugar nos altares do jornalismo português, mas para o caso em apreço isso pouco importa – o magnífico currículo não a impediu de cometer um erro gigantesco, inaceitável, impossível de desvalorizar; erro esse que foi classificado pelo plenário da RTP como uma “violação dos deveres deontológicos dos jornalistas e de lealdade para com a redacção”.
Aconteceu. Não é propriamente uma originalidade. Os currículos não são um escudo contra a asneira. Em todas as profissões há gente extraordinária que comete grandes erros. Aquilo que convinha não existir, na sequência desses erros – mas existe, e muito, em Portugal –, é o amiguismo assolapado, o corporativismo acéfalo, a falta de exigência que suspende raciocínios elementares, a incapacidade de olhar para os actos concretos independentemente da nossa paixão pelas pessoas que os praticamO próprio Conselho Geral Independente achou por bem sublinhar, na sequência da saída de Maria Flor Pedroso, que “ao longo de 2019, a informação da RTP distinguiu-se pela independência, equilíbrio e neutralidade informativa” – o que é muito bonito, mas irrelevante para analisar a justeza da sua demissão face a este episódio concreto. O que tal raciocínio sugere, pelo contrário, é que a dimensão do erro que deu origem à saída da directora é irrelevante perante as suas altas qualidades profissionais – foi a isto que chamei falta de cultura de exigência. Os grandes erros têm de ter consequências em lugares de grande destaque, como é o caso. Puxar do currículo quando se faz asneira tem um único resultado: continuar a alimentar uma cultura de mediocridade.

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