Três crónicas sobre o Natal – no A BEM DA NAÇÃO, no OBSERVADOR, no
PÚBLICO. Qualquer delas com o carisma específico dos seus autores: a de Salles
da Fonseca, didáctica e suavemente
crítica, entre os referentes históricos e a promoção actual dos actos
perdulários, para gozo geral; o segundo, de Pedro Morais Vaz, promovendo o espírito de família como simbolismo da
palavra NATAL, em descritivo simpático de evocação familiar ternurenta e
gentil; a crónica de João Miguel Tavares serve-se artificiosamente desse mesmo simbolismo do “Natal”,
em termos, como é seu hábito, de moralização dos costumes, no apontamento de
mais um “casus belli”da nossa especificidade político-social decadente.
Afinal, sendo o significado de “Natal” ligado a um conceito de pureza e
bondade, que seja, pois, esse conceito aliado a uma resolução de efectividade
extensiva aos demais dias do ano – para orientação moral e cívica. Seria bom.
Mas cada vez mais utópico, numa sociedade de estardalhaço e gozo.
1 - FELIZ NATAL
HENRIQUE SALLES DA FONSECA
A BEM DA NAÇÃO24.12.19
A festa maior do Cristianismo é a da ressurreição de Cristo mas não
podemos deixar de enaltecer o Natal como o acontecimento fundacional desta fé.
Omã, Salalah, «floresta» do incenso
Em Março passado estive em Omã e visitei o local onde existem as
árvores que produzem o incenso pelo que, para mim, ficou esclarecida a
origem dos Reis Magos. Ficou por esclarecer a origem do ouro e da mirra
mas creio que essa é uma questão menor para quem crê na divindade de Emanuel, O
que assim foi anunciado pelo Profeta Isaías.
Entretanto, tudo foi «agarrado» pelos lobbies comerciais e vá de
promoverem os presentes como peça central das festividades. O próprio
Pai Natal, essa simpática figura criada pela Coca-Cola com renas, neve e trenó,
não passa duma fantasia completa pois o verdadeiro São Nicolau nada tem a ver
com a Lapónia. Pelo contrário, é bem meridional pois foi Bispo de Mira,
cidade principal de colónia grega na Ásia Menor, actual Turquia. A única
aproximação à realidade é no facto de São Nicolau se ter distinguido como
protector da infância desvalida e, daí, a distribuição dos presentes.
Mas não quero agora armar-me em desmancha prazeres estragando a festa
da criançada. Os puritanismos que eles não têm maturidade para perceber
estragariam a felicidade que eles têm ao receberem presentes e a nossa felicidade
em lhos darmos como se fôssemos o Pai Natal.
Portanto, aí estão os meus votos de feliz Natal para todos, crianças e
adultos e que 2020 seja benigno.
Continuemos… 24 de Dezembro de
2019
Não somos perfeitos, também temos os nossos problemas e este ano seremos
128. Mas, neste dia, tudo se torna secundário porque nos reunimos para celebrar
o mais importante que temos: a vida e a família
128. O número deste ano. Fruto de um casal, Teresa e Clemente, pais de
14, avós de 41, bisavós de umas dezenas. A família – para a qual já todas as
casas são pequenas – reúne-se em espaço alugado, no banzé habitual, em vésperas
de Natal. As tarefas são habitualmente repartidas: aquele tio trata do
perú, aquela tia assegura o arroz árabe, outra desenrasca uma salada ou uma
sobremesa. Tudo aos molhos, aos kilos, à farta – não que gostemos de
desperdício, mas porque as barrigas não se enchem de ar.
E começam a chegar. Os primeiros têm mais sorte: dispensam ou atenuam a
hercúlea tarefa de cumprimentar, um a um, os recém-chegados. Os últimos
arriscam uma bochecha inchada ou uma tendinite na mão ao final do dia.
Chegassem mais cedo.
Chegam, pousam os casacos, montam os sorrisos; uns libertam as feras
(“vá, vão brincar com os primos”). E o banzé vai-se instalando, paulatina e
naturalmente, com uma pequena agravante: as tias (minhas queridas tias e mãe)
são daquele tipo de gente que acha que a razão é directamente proporcional ao
volume da voz. Por isso, esforçam-se por se ultrapassar, por se fazer ouvir,
por ter mais razão, até que o barulho de fundo se começa a assemelhar ao de um
galinheiro sob ataque de raposas esfomeadas. É bonito. Entre os tios, as
discussões assemelham-se às daqueles programas televisivos culturais e altamente
enriquecedores que passam diariamente na RTP3, na SIC Notícias e na TVI24 sobre
a arte futebolística. Lembro-me de ouvir uma vez um tio dizer que o Benfica (na
altura, em 3º lugar no campeonato) estava a 7 pontos da liderança porque estava
a 2 do Sporting e a 5 do Porto. Dá para imaginar. Quando passam para a
política, chega a sentir-se falta de um Ferro Rodrigues para silenciar e
repreender os mais indisciplinados.
Nos Natais mais recentes, é preciso especial cuidado a cada passo que
damos, não vamos espezinhar um pé, uma mão ou uma pata. Cada passo é medido
milimetricamente para não comprometer a integridade física das dezenas de
gnomos (meus queridos sobrinhos) que, freneticamente, correm, saltam, gritam e
nos contornam a cada segundo.
Uma das vítimas mais recentes dos nossos Natais foi o famigerado “amigo
secreto”. Com o avançar dos anos, fomo-nos apercebendo que o mero
convívio era mais compensador e proveitoso do que centralizar atenções durante
3 horas para desfazer embrulhos e distribuir meias, sacos de gomas, jogos para
a Playstation 2, porta-cd’s e afins – o que indignava sempre,
compreensivelmente, a tia que investia avultadas somas na camisola da
Springfield ou no top da Zara.
No meio desta feira, reina a unidade. Em torno de uma pessoa. A rainha da família, mulher formosa, singela, elegante
e delicada. A mesma que, em tempos – reza a lenda – abriu a cabeça à “sapatada”
a um dos filhos depois do fedelho ter posto um gato na retrete e puxado o
autoclismo. Imagine-se. Nos seus pensamentos e das suas 94 primaveras, deverá –
imagino eu – contemplar aquele circo, lembrar o meu avô e pensar para si,
sorrindo: “mas que raio fomos nós fazer?”. Foi dar-nos a nós, filhos, netos e bisnetos, a
maravilhosa oportunidade de vivermos, em família, uma experiência única. Uma
experiência que não se limita ao dia de Natal, mas que se estende a muitos
outros momentos (como as férias em São Martinho do Porto ou os fins de semana
em Penacova) e a várias relações (não tivéssemos uns nos outros muitos dos
nossos grandes amigos).
Não somos perfeitos e também temos os nossos problemas. Mas, neste dia, tudo se
torna secundário porque nos reunimos para celebrar o mais importante que temos:
a vida e a família.
3 - Uma cultura de exigência no sapatinho
Puxar do currículo quando se faz asneira tem um único resultado:
continuar a alimentar uma cultura de mediocridade.
JOÃO MIGUEL TAVARES PÚBLICO,
24 de Dezembro de 2019
A
confusão em torno da RTP continua, agora com o chumbo da acumulação da direcção de
programas e de informação numa só pessoa (José Fragoso), mas hoje é véspera
de Natal e não gostava de gastar demasiado tempo com análises políticas e
teorias da conspiração. Proponho algo mais simples, ainda que porventura
mais ambicioso: sugerir ao Pai Natal para deixar no sapatinho de todos os
portugueses o desejo profundo de uma cultura de exigência e de
profissionalismo, que preceda quaisquer questões de estilo, simpatia pessoal ou
ideologia.
Pode parecer coisa pouca, mas se essa exigência realmente estivesse
disseminada, este caso da RTP estaria há muito resolvido, e teria impedido
mais de 130 jornalistas (entre eles alguns de que gosto bastante) de
subscreverem um abaixo-assinado em defesa de uma directora de informação que
admitiu ter feito algo inadmissível – conversar com o principal alvo de uma
investigação nas costas dos jornalistas que o investigavam, sem nunca os
informar; proceder a uma colecta de informações paralelas que envolveu, de
caminho, uma directora-adjunta (Cândida Pinto) que sempre evitou apresentar quaisquer
explicações para os seus actos; e tudo isto num caso em que havia evidentes
conflitos de interesses, por
a directora ser professora no instituto investigado.
Diante disto, pouco deveria importar que a directora fosse de esquerda,
de direita, prima ou conhecida do primeiro-ministro, uma profissional com um
currículo impecável ou “uma das mais sérias profissionais do jornalismo
português”, como se lia no texto do abaixo-assinado, numa ditirâmbica sequência
de elogios que ainda a colocavam como “defensora irredutível do jornalismo
livre, rigoroso, sem cedências ao mediatismo, a investigações incompletas, ou à
pressão de poderes de qualquer natureza”. A ex-directora da RTP até pode ser tudo isso, e
merecer o mais elevado lugar nos altares do jornalismo português, mas para o
caso em apreço isso pouco importa – o magnífico currículo não a impediu de
cometer um erro gigantesco, inaceitável, impossível de desvalorizar; erro
esse que foi classificado pelo plenário da RTP como uma “violação dos deveres
deontológicos dos jornalistas e
de lealdade para com a redacção”.
Aconteceu. Não é propriamente uma originalidade. Os currículos não são
um escudo contra a asneira. Em todas as profissões há gente extraordinária que
comete grandes erros. Aquilo que convinha não existir, na sequência desses
erros – mas existe, e muito, em Portugal –, é o amiguismo assolapado, o
corporativismo acéfalo, a falta de exigência que suspende raciocínios
elementares, a incapacidade de olhar para os actos concretos independentemente
da nossa paixão pelas pessoas que os praticam. O
próprio Conselho Geral Independente achou por bem sublinhar, na sequência da
saída de Maria Flor Pedroso,
que “ao longo de 2019, a
informação da RTP distinguiu-se pela independência, equilíbrio e neutralidade
informativa” – o que é muito bonito, mas irrelevante para analisar a justeza da
sua demissão face a este episódio concreto. O
que tal raciocínio sugere, pelo contrário, é que a dimensão do erro que deu
origem à saída da directora é irrelevante perante as suas altas qualidades
profissionais – foi a isto que chamei falta de cultura de exigência. Os grandes
erros têm de ter consequências em lugares de grande destaque, como é o caso.
Puxar do currículo quando se faz asneira tem um único resultado: continuar a
alimentar uma cultura de mediocridade.
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