É uma história que Voltaire conta, sobre um pobre diabo de Candide cuja
vida, inicialmente fértil em delícias, num castelo de estranho nome, e uma
namorada, Cunegundes, também de nome propício ao pessimismo, sendo expulso do
tal castelo, pelo pai da namorada, barão e déspota, corre o mundo em aventuras
que em nada ficam a dever, em horror, crueldades e eventuais recuperações, e,
sobretudo, delírio de imaginação, às dos filmes de animação para as crianças de
hoje, a provar o optimismo do seu filósofo e acompanhante Pangloss, que o
iniciara na questão do optimismo da altura, definido, ao que parece, pelo
filósofo alemão Leibniz, e que acabará a vida, depois de recuperar esses amigos
e a namorada Cunegundes, velha, feia e repontona, a informar sobre a
necessidade de se cultivar o nosso jardim, embora sem o insonso do éden
primeiro, este, fechado ás realidades e cruezas da vida.
Também hoje se vivem pesadelos de má morte, que Salles da
Fonseca bem define, e nem sequer
temos mais a esperança no cultivo da horta, devido à seca que veio instalar-se,
alternada, é certo, de chuvas escandalosas e tornados que tudo arrasam. É certo
que são outros os dados que oferece SF, que têm mais a ver
com as traquinices de uma inteligência favorecedora de atropelos vários, de que
a França hoje está prisioneira, como
tantos outros países de uma União que se pretendeu democrática, e que, tal a
nossa participação também beduinesca, apenas o que deseja é mama. Isto, nós,
cá. Quanto aos ingleses, de que trata Carlos Traguelho, é outra loiça. Os uns, os outros, os assim-assim...
Mas, optimismo, só por sátira, já no tempo de Voltaire...
BALDUÍNO E OS BEDUÍNOS
HENRIQUE SALLES DA
FONSECA A BEM DA NAÇÃO,
8/12/19
Nota prévia: texto
originalmente escrito em francês a propósito dos «coletes amarelos» e
posteriormente traduzido e adaptado à circunstância portuguesa; mas mantive o
título original.
* * *
Qu'ils sont joyeux
au désert des chameaux!
Por favor, não
confundir Balduíno com beduíno – para além de prestigiado
rei da Bélgica no século XX, outro Balduíno houve que foi «só» chefe da Primeira
Cruzada e o primeiro rei cristão de Jerusalém; os que cabem na segunda
palavra a não confundir, são os calcantes das dunas do Sahara, guardiães de
camelos e cumpridores da lógica de Talião.
A actual desorientação europeia resulta muito da
destabilização que os beduínos provocam na vida dos balduinistas, mas não só - o
relativismo cultural[i],
o hedonismo e o silêncio em torno da definição do bem comum, são responsáveis
por grande parte do resto do desnorte global por que passamos. Abreviadamente, o triunfo efectivo do anarquismo.
Eis por que aqui cabe
referir o perigo do mau uso do liberalismo que se transforma em anarquia, a deturpação
do uso da liberdade transformada em libertinagem, a autoridade transformada em
autoritarismo, a eleição democrática assumida como missão de caudilhismo… Não
muito longe do «politicamente correcto» em vigor.
Todos com políticas iguais,
apenas discutindo factos e pessoas, conduziram a Europa à vacuidade do
debate de ideias. E quando aparece alguém a sugerir a discussão de conceitos
que fundamentem políticas, logo o establishment se une
ostracizando o inovador, alcunhando-o de extremista ou, no sentido
ascendente das hierarquias políticas e muito benignamente, classificando as
suas mensagens de SPAM.
Então, o que é necessário é que os dirigentes europeus reconheçam que
se equipararam a beduínos e fizeram da Europa o deserto dos camelos, nós.
Dezembro de 2019
Henrique Salles da Fonseca
[i] - O relativismo cultural é um processo de
observar sistemas culturais sem uma visão etnocêntrica em relação à sociedade
do pesquisador, ou seja, realizar a observação sem usar o parâmetro da cultura
ocidental. E, com isso, realizar a avaliação sem privilegiar os valores de um
só ponto de vista e estruturar o corpo social a partir das suas próprias
características. (adaptado da Wikipédia)
COMENTÁRIOS
Francisco G. de Amorim 08.12.2019: Assino em baixo, em cima e aos lados. Muito bem posto
problema
Henrique Salles da
Fonseca 08.12.2019
Muito bem escrito Henrique ! Tão bom de ler, tão interessante. Um grande abraço
e oxalá venham mais escritos assim. Carlos
Antolin Teixeira
Anónimo 08.12.2019 : Sendo eu um europeísta (não federalista),
reconheço, Henrique, que tens razão nos aspetos que suscitas no teu excelente
texto. Pouco se debate o conceito de Europa e o que queremos dela, não sendo
raro o cerceamento deliberado da participação dos povos nessa construção,
ficando eles confinados a uma votação de 4 em 4 anos para o Parlamento Europeu.
Quanto a mim, o zénite do afastamento foi aquando da proposta da
Constituição europeia, que uma comissão liderada por Giscard d’Estaing elaborou
no silêncio dos gabinetes, que foi aprovada pelo Conselho de Europa em 2004 e
rejeitada, por referendo, pelos eleitores de França e dos Países Baixos, por
sinal dois dos fundadores da CEE. A Constituição defunta de 265 páginas haveria
de ser substituída em 2007 pelo Tratado de Lisboa, prevendo-se, então, a sua
ratificação por referendos. Ideia imediatamente abandonada mediante o resultado
negativo dos irlandeses (2008) que, coitados, tiveram que votar outra vez
(2009) para dizer que sim. Tu, Henrique, suscitas este conjunto de questões
em vésperas de eleições legislativas em Inglaterra, fortemente condicionadas
pelo tema do Brexit. É certo que o Reino Unido, em geral, teve uma participação
atribulada no seio da CEE/UE e algo limitada (por exemplo, não estava na Zona
Euro; as vicissitudes que a libra sofreu na 4ª feira negra deve, em parte, explicar
essa opção). Diria que a natureza da relação era quase de amor/ódio, pelo que
não me admirou muito o resultado do referendo de 2016. Para tal, devem ter contribuído a própria
personalidade dos ingleses, o seu determinismo pela sua autonomia, alguma falta
de informação aos eleitores ou mesmo informação deturpada sobre as relações do
País com a Europa, as questões, todas ou em parte, constantes do teu artigo,
bem como, já referido num comentário meu a um artigo teu anterior, o tema da
imigração, o qual tem a sua expressão no Abrigo (ou Selva) de Calais, o qual
durou 10 anos e só foi desmantelado no ano do mencionado referendo. Aspectos históricos igualmente não
devem ser descurados nessa análise. Quanto à personalidade dos ingleses
deixa-me transcrever uma frase do Leitão de Barros, nos seus “Corvos”, que
acompanharam a nossa juventude através do Diário de Notícias. Ei-la: “Assim
como o orgulho é uma arma nacional para os espanhóis, assim também aquele país
[Inglaterra], de costas voltadas para a Europa, tem o enorme dom do respeito
por si próprio e do desinteresse pelo resto do planeta”. Sobre aspectos
históricos, o atual Primeiro-Ministro inglês, Boris Johnson, no seu livro
datado de 2014 (portanto anterior ao referendo) sobre Churchill, recorda que o
Reino Unido, governado pelo Partido Trabalhista, do Sr. Attlee, recusou, em
1950, o convite francês de participar no plano do Sr. Robert Schuman, para a
criação de um organismo supranacional de supervisionamento dos mercados
europeus de carvão e aço, que haveria de se chamar CECA e que seria o embrião da
CEE. Que coisa era essa do então principal produtor daqueles produtos
ficar dependente de um controlo europeu? E nessa altura ouviram-se muitos
argumentos que se escutam atualmente a favor do Brexit: “Quem é essa gente?”;
“Que direito teria de vir dizer o que devemos fazer?”; “Seria uma oligarquia
imposta à Europa, uma oligarquia cujo poder arbitrário e influência enorme
teria capacidade para afetar a vida de todas as pessoas deste país”. E assim
ficaram isolados. Não entraram na CECA nem, em 1957, na CEE. Mas em 1963 e em
1967 já estavam a pedir a sua adesão à CEE, pedidos que tiveram o veto de
Charles de Gaulle. Só após o fim da vida política (1969) e física (1970) deste
é que O Reino Unido entrou na CEE. Entretanto, dinamizou a criação, em 1960,
da EFTA, de que fomos parceiros fundadores, com proveito, julgo. Esperemos, Henrique,
que os Órgãos próprios da UE façam uma reflexão sobre o Brexit e corrijam o que
há de menos positivo na Europa, aproximando esta dos cidadãos. Abraço. Carlos Traguelho
Anónimo 08.12.2019: Caro Henrique: nâo tenho notícia dos teus
olhos. Quanto ao relativismo cultural tenho a comentar que não me parece que os
Vikings que estão na origem da civilização russa, e que os Mongois que estão na
origem da brilhante civilizaçâo Mongol na Índia e que as conquistas macedónias
da Grécia e da Pérsia, e que as conquistas romanas em torno do "mare nostrum"
deles, e que a ocupação da península Ibérica pelos mouros durante 700 anos, e
que os impérios Otomano Habsburgo, Português, Espanhol, Sacro Império Romano
Germânico, Britânico e tutti quanti, tenham perdido muito tempo com as
elocubrações intelectuais do teu relativismo cultural. O devir histórico é o
que é e somos todos produto dele. E qualquer pessoa deste mundo sabe, desde
que saiba ler, que esse devir histórico concentrou na nossa civilização
ocidental a superioridade cultural, social e intelectual que foi, em tempo
útil, espalhada com maior ou menor sucesso por toda a Terra. Quem se preocupa
muito com a análise relativista das civilizações se calhar não leva em conta que
todos os povos da Terra querem vir para a Europa ou norte América. Conheces
alguém que queira emigrar para a China ou para a Nigéria ou para a Bolívia? Abraço
V v Z
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