segunda-feira, 9 de dezembro de 2019

“Candide ou l’Optimisme”


É uma história que Voltaire conta, sobre um pobre diabo de Candide cuja vida, inicialmente fértil em delícias, num castelo de estranho nome, e uma namorada, Cunegundes, também de nome propício ao pessimismo, sendo expulso do tal castelo, pelo pai da namorada, barão e déspota, corre o mundo em aventuras que em nada ficam a dever, em horror, crueldades e eventuais recuperações, e, sobretudo, delírio de imaginação, às dos filmes de animação para as crianças de hoje, a provar o optimismo do seu filósofo e acompanhante Pangloss, que o iniciara na questão do optimismo da altura, definido, ao que parece, pelo filósofo alemão Leibniz, e que acabará a vida, depois de recuperar esses amigos e a namorada Cunegundes, velha, feia e repontona, a informar sobre a necessidade de se cultivar o nosso jardim, embora sem o insonso do éden primeiro, este, fechado ás realidades e cruezas da vida.
Também hoje se vivem pesadelos de má morte, que Salles da Fonseca bem define, e nem sequer temos mais a esperança no cultivo da horta, devido à seca que veio instalar-se, alternada, é certo, de chuvas escandalosas e tornados que tudo arrasam. É certo que são outros os dados que oferece SF, que têm mais a ver com as traquinices de uma inteligência favorecedora de atropelos vários, de que a França hoje  está prisioneira, como tantos outros países de uma União que se pretendeu democrática, e que, tal a nossa participação também beduinesca, apenas o que deseja é mama. Isto, nós, cá. Quanto aos ingleses, de que trata Carlos Traguelho, é outra loiça. Os uns, os outros, os assim-assim... Mas, optimismo, só por sátira, já no tempo de Voltaire...



BALDUÍNO E OS BEDUÍNOS
 HENRIQUE SALLES DA FONSECA                A BEM DA NAÇÃO, 8/12/19 
Nota prévia: texto originalmente escrito em francês a propósito dos «coletes amarelos» e posteriormente traduzido e adaptado à circunstância portuguesa; mas mantive o título original.
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Qu'ils sont joyeux au désert des chameaux!
Por favor, não confundir Balduíno com beduíno – para além de prestigiado rei da Bélgica no século XX, outro Balduíno houve que foi «só» chefe da Primeira Cruzada e o primeiro rei cristão de Jerusalém; os que cabem na segunda palavra a não confundir, são os calcantes das dunas do Sahara, guardiães de camelos e cumpridores da lógica de Talião.
A actual desorientação europeia resulta muito da destabilização que os beduínos provocam na vida dos balduinistas, mas não só - o relativismo cultural[i], o hedonismo e o silêncio em torno da definição do bem comum, são responsáveis por grande parte do resto do desnorte global por que passamos. Abreviadamente, o triunfo efectivo do anarquismo.
Eis por que aqui cabe referir o perigo do mau uso do liberalismo que se transforma em anarquia, a deturpação do uso da liberdade transformada em libertinagem, a autoridade transformada em autoritarismo, a eleição democrática assumida como missão de caudilhismo… Não muito longe do «politicamente correcto» em vigor.
Todos com políticas iguais, apenas discutindo factos e pessoas, conduziram a Europa à vacuidade do debate de ideias. E quando aparece alguém a sugerir a discussão de conceitos que fundamentem políticas, logo o establishment se une ostracizando o inovador, alcunhando-o de extremista ou, no sentido ascendente das hierarquias políticas e muito benignamente, classificando as suas mensagens de SPAM.
Então, o que é necessário é que os dirigentes europeus reconheçam que se equipararam a beduínos e fizeram da Europa o deserto dos camelos, nós.
Dezembro de 2019
Henrique Salles da Fonseca
[i] - O relativismo cultural é um processo de observar sistemas culturais sem uma visão etnocêntrica em relação à sociedade do pesquisador, ou seja, realizar a observação sem usar o parâmetro da cultura ocidental. E, com isso, realizar a avaliação sem privilegiar os valores de um só ponto de vista e estruturar o corpo social a partir das suas próprias características. (adaptado da Wikipédia)

COMENTÁRIOS
 Francisco G. de Amorim  08.12.2019: Assino em baixo, em cima e aos lados. Muito bem posto problema
 Henrique Salles da Fonseca  08.12.2019 Muito bem escrito Henrique ! Tão bom de ler, tão interessante. Um grande abraço e oxalá venham mais escritos assim. Carlos Antolin Teixeira
 Henrique Salles da Fonseca  08.12.2019  Parabéns. Assino por baixo. Abraço Manuel Veloso
 Henrique Salles da Fonseca  08.12.2019  Muito bom. Helena Salazar Antunes Morais
 Anónimo  08.12.2019 : Sendo eu um europeísta (não federalista), reconheço, Henrique, que tens razão nos aspetos que suscitas no teu excelente texto. Pouco se debate o conceito de Europa e o que queremos dela, não sendo raro o cerceamento deliberado da participação dos povos nessa construção, ficando eles confinados a uma votação de 4 em 4 anos para o Parlamento Europeu. Quanto a mim, o zénite do afastamento foi aquando da proposta da Constituição europeia, que uma comissão liderada por Giscard d’Estaing elaborou no silêncio dos gabinetes, que foi aprovada pelo Conselho de Europa em 2004 e rejeitada, por referendo, pelos eleitores de França e dos Países Baixos, por sinal dois dos fundadores da CEE. A Constituição defunta de 265 páginas haveria de ser substituída em 2007 pelo Tratado de Lisboa, prevendo-se, então, a sua ratificação por referendos. Ideia imediatamente abandonada mediante o resultado negativo dos irlandeses (2008) que, coitados, tiveram que votar outra vez (2009) para dizer que sim. Tu, Henrique, suscitas este conjunto de questões em vésperas de eleições legislativas em Inglaterra, fortemente condicionadas pelo tema do Brexit. É certo que o Reino Unido, em geral, teve uma participação atribulada no seio da CEE/UE e algo limitada (por exemplo, não estava na Zona Euro; as vicissitudes que a libra sofreu na 4ª feira negra deve, em parte, explicar essa opção). Diria que a natureza da relação era quase de amor/ódio, pelo que não me admirou muito o resultado do referendo de 2016. Para tal, devem ter contribuído a própria personalidade dos ingleses, o seu determinismo pela sua autonomia, alguma falta de informação aos eleitores ou mesmo informação deturpada sobre as relações do País com a Europa, as questões, todas ou em parte, constantes do teu artigo, bem como, já referido num comentário meu a um artigo teu anterior, o tema da imigração, o qual tem a sua expressão no Abrigo (ou Selva) de Calais, o qual durou 10 anos e só foi desmantelado no ano do mencionado referendo. Aspectos históricos igualmente não devem ser descurados nessa análise. Quanto à personalidade dos ingleses deixa-me transcrever uma frase do Leitão de Barros, nos seus “Corvos”, que acompanharam a nossa juventude através do Diário de Notícias. Ei-la: “Assim como o orgulho é uma arma nacional para os espanhóis, assim também aquele país [Inglaterra], de costas voltadas para a Europa, tem o enorme dom do respeito por si próprio e do desinteresse pelo resto do planeta”. Sobre aspectos históricos, o atual Primeiro-Ministro inglês, Boris Johnson, no seu livro datado de 2014 (portanto anterior ao referendo) sobre Churchill, recorda que o Reino Unido, governado pelo Partido Trabalhista, do Sr. Attlee, recusou, em 1950, o convite francês de participar no plano do Sr. Robert Schuman, para a criação de um organismo supranacional de supervisionamento dos mercados europeus de carvão e aço, que haveria de se chamar CECA e que seria o embrião da CEE. Que coisa era essa do então principal produtor daqueles produtos ficar dependente de um controlo europeu? E nessa altura ouviram-se muitos argumentos que se escutam atualmente a favor do Brexit: “Quem é essa gente?”; “Que direito teria de vir dizer o que devemos fazer?”; “Seria uma oligarquia imposta à Europa, uma oligarquia cujo poder arbitrário e influência enorme teria capacidade para afetar a vida de todas as pessoas deste país”. E assim ficaram isolados. Não entraram na CECA nem, em 1957, na CEE. Mas em 1963 e em 1967 já estavam a pedir a sua adesão à CEE, pedidos que tiveram o veto de Charles de Gaulle. Só após o fim da vida política (1969) e física (1970) deste é que O Reino Unido entrou na CEE. Entretanto, dinamizou a criação, em 1960, da EFTA, de que fomos parceiros fundadores, com proveito, julgo. Esperemos, Henrique, que os Órgãos próprios da UE façam uma reflexão sobre o Brexit e corrijam o que há de menos positivo na Europa, aproximando esta dos cidadãos. Abraço. Carlos Traguelho
 Anónimo  08.12.2019:  Caro Henrique: nâo tenho notícia dos teus olhos. Quanto ao relativismo cultural tenho a comentar que não me parece que os Vikings que estão na origem da civilização russa, e que os Mongois que estão na origem da brilhante civilizaçâo Mongol na Índia e que as conquistas macedónias da Grécia e da Pérsia, e que as conquistas romanas em torno do "mare nostrum" deles, e que a ocupação da península Ibérica pelos mouros durante 700 anos, e que os impérios Otomano Habsburgo, Português, Espanhol, Sacro Império Romano Germânico, Britânico e tutti quanti, tenham perdido muito tempo com as elocubrações intelectuais do teu relativismo cultural. O devir histórico é o que é e somos todos produto dele. E qualquer pessoa deste mundo sabe, desde que saiba ler, que esse devir histórico concentrou na nossa civilização ocidental a superioridade cultural, social e intelectual que foi, em tempo útil, espalhada com maior ou menor sucesso por toda a Terra. Quem se preocupa muito com a análise relativista das civilizações se calhar não leva em conta que todos os povos da Terra querem vir para a Europa ou norte América. Conheces alguém que queira emigrar para a China ou para a Nigéria ou para a Bolívia? Abraço V v Z


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