Seguem-se três textos sobre o tema em torno de Greta, excelente de
análise filosófica e sociológica o de Paulo Tunhas, no Observador, directo, o de João Miguel Tavares, ao seu modo crítico, bem ponderado, a Carta do
Sr. Ministro Matos Fernandes, referida por PT, e por JMT, transcrita por Patrícia Carvalho, no Público - tal como o de JMT – uma carta pouco sensata, no seu servilismo e publicidade
partidária bem despropositados.
1 - Introdução ao
ecopopulismo /premium
O populismo caracteriza-se por amalgamar realidades distintas,
fornecendo ao mesmo tempo a aparência de uma explicação única que tudo engloba.
O ecopopulismo não é excepção a esta regra geral.
OBSERVADOR, 05
dez 2019
A ordem das estações e as leis dos
elementos que até agora governaram o mundo começam a cair num caos eterno que
anuncia o fim do género humano. Assistimos a sinais e prodígios, coisas
espantosas e terríveis, aflições diversas mas que se ligam umas às outras.
Disformidades monstruosas da natureza anunciam discórdias. Não há já tempos
propícios para as sementeiras, por todo o lado há chuvas excessivas,
inundações, secas desastrosas, epidemias, fome terrível. Os elementos hostis
batalham uns contra os outros, castigando a insubordinação dos homens.
A ciência explica tudo isto,
explica que as nações humanas se desviaram do seu curso recto e caminham para o
abismo, sob o comando do miserável Donald Trump, que, nos quatro cantos da
terra, conta com modernos Gogue e Magogue para perfazer a sua obra de
destruição. Os cientistas interpretam de forma clara e evidente todos estes
sinais. Só eles têm a capacidade de levar consigo todo o povo humano à
perfeição, afastando-o da desavergonhada avidez, da desenfreada cupidez
capitalista que faz o sangue cobrir-se de sangue. Os negacionistas, seduzidos
pelo espírito enganador, que trabalha insidiosamente para desviar os bons da
sua via recta, são os agentes do desânimo e da perversão doutrinal. Membros do
corpo científico atingidos por um inominável mal, deverão ser excomungados,
para que a podridão que consigo trazem não se propague mais.
O desregramento do universo exorta à penitência. Exigem-se ritos de
purgação. As regras de vida que até aqui eram apenas seguidas nos claustros
pelos monges, pelos especialistas das macerações e da abstinência, deverão
agora ser uso comum. Mas nada disto será em vão. Uma Nova Aliança
entre os seres humanos e a terra daí advirá, a acção climática trará consigo
uma nova Primavera que porá fim à desordem das estações e ao desenfreado
combate dos elementos.
Os três parágrafos anteriores são, quase sem
modificação alguma, transcrições de passagens das Histórias escritas
pelo monge Raul Glaber
na primeira metade do século onze e de comentários que o historiador francês
Georges Duby a elas fez no seu livro O Ano Mil, onde analisa algumas
atitudes prevalecentes no fim do primeiro milénio. É claro que mudei uma coisa
ou outra. Onde estava a Bíblia – nomeadamente o capítulo XX do Apocalipse –
está agora “Ciência”. Os “homens de Igreja” são agora os “cientistas”, o
demónio é o capitalismo, o Anti-Cristo Trump, os heréticos os “negacionistas”… Mas, tirando estas
substituições fáceis de executar, encontram-se no livro de Duby descrições que convêm por
inteiro à atitude contemporânea face às chamadas alterações climáticas.
Sobretudo à nova conversa de taxista que tomou conta do mundo e a que se
poderia chamar ecopopulismo.
O populismo caracteriza-se, entre outras
coisas, por amalgamar realidades distintas, fornecendo ao mesmo tempo a
aparência de uma explicação única que tudo engloba. O ecopopulismo não é excepção a esta
regra geral. Tudo se encontra magicamente ligado. E, como tudo se
encontra magicamente ligado, o corte com o presente que reivindica tem de ser
radical. Greta Thunberg, a nova sacerdotisa do ecopopulismo – o sumo
sacerdote Al Gore já deu o que tinha a dar - recebida entusiasticamente em
Lisboa por meia-dúzia de pessoas e uma cobertura mediática nunca vista,
exprimiu recentemente, num artigo publicado em conjunto com duas colegas que
também faltam às aulas, este aspecto do credo ecopopulista: a “crise climática”
foi “criada e alimentada” pelos “sistemas de opressão coloniais, racistas e
patriarcais”, “temos de os demolir todos”.
Dir-se-á que comparar as
atitudes presentes com os pavores do fim do primeiro milénio é fugir a qualquer
discussão séria das questões postas pelos males infligidos pelos seres humanos
ao ambiente do planeta, como por exemplo a de Judith A. Curry,
em Alterações climáticas. O que sabemos, o que não sabemos, publicada
entre nós pela Guerra e Paz. Mas não era disso que falava: falava do
ecopopulismo posto em voga pela Igreja Universal da Climatologia, que
justamente representa a mais formidável barreira para que a tal discussão séria
tenha lugar. Uma barreira tão extraordinária que, para explicar a
infantilização do espírito que produz, apetece recorrer a uma conjectura
arriscada, como manda a sábia metodologia científica: só as alterações
climáticas poderiam efectivamente dar lugar a tal monstruoso efeito regressivo
na mente humana. Tal conjectura parece cumprir os requisitos das boas
hipóteses: simplicidade, beleza, fecundidade. Até a “Carta a Greta” do
ministro Matos Fernandes se compreende melhor assim.
2 - Matos Fernandes escreve a Greta: “Estamos gratos pelo teu
activismo”
O Ministro do Ambiente e da Acção Climática traçou à jovem activista
sueca um retrato dos esforços nacionais na redução de gases com efeito de
estufa e dos problemas que o país já enfrenta graças às alterações climáticas.
PÚBLICO, 1 de Dezembro de
2019,
“Querida Greta, bem-vinda a Portugal, o primeiro país do mundo a
comprometer-se com a neutralidade carbónica em 2050 e que está a apostar toda a
sua ambição na década entre 2020 e 2030”, começa por escrever o ministro do
Ambiente, apresentando em seguida alguns dados sobre o que já foi
conseguido: 54% da electricidade consumida no país já é obtida através de
fontes renováveis; há projectos em curso para encerrar as duas centrais
termoeléctricas de carvão em 2021 (Pego) e 2023 (Sines); há uma “aposta forte”
em redução as emissões do sector dos transportes em 40% em 2030; nesse ano
iremos alcançar 50% de redução de emissões de gases com efeito de estufa e 47%
de toda a energia consumida no país será proveniente de fontes renováveis,
explica Matos Fernandes.
Depois, a jovem sueca de 16 anos (que já leu a missiva, segundo fonte
do ministério) pode ficar a conhecer alguns dos efeitos que o país já está a
sentir por via das alterações climáticas, com o ministro a escrever que
Portugal é mesmo “um dos países europeus que mais sofre as consequências”
dessas alterações. “Como resultado da subida do nível do mar nos anos recentes,
já perdemos 13 quilómetros quadrados das nossas áreas costeiras. No sul do
país, a seca é crónica e ainda precisamos de saber como vamos adaptar o nosso
uso de recursos” a esta realidade, escreve Matos Fernandes. Por isso, frisa o governante: “Temos uma estratégia de adaptação nacional à mudança
climática muito ambiciosa, que estamos a seguir rigorosamente, uma vez que para
Portugal isto já é um problema actual, não um problema de futuro”.
3 - OPINIÃO A minha
carta para Greta Thunberg
Gostava que fosses um pouco menos alarmista, e que um dia destes
admitisses que o mundo – e o combate às alterações climáticas, já agora – é um
pouco mais complicado do que a forma como o retratas.
JOÃO MIGUEL TAVARES
PÚBLICO, 3 DE DEZEMBRO DE
2019
Estás a ver aquela carta que o ministro do Ambiente de Portugal te
escreveu? Esquece. Não leias. O engenheiro Matos Fernandes até é um homem
simpático e com sentido de humor, mas aquilo que ele fez com essa carta foi o
que quase todos os adultos fazem quando estão ao pé de ti: usar a tua popularidade para se porem em bicos de pés,
fingindo que sonham todas as noites com calotas polares a derreter e que
acreditam mesmo que o mundo vai acabar lá para 2050. Lamento, Greta – eles não
sonham, nem acreditam. Estão mesmo só a aproveitar-se de ti, para se sentirem
menos velhos e parecerem bué sintonizados com as preocupações da juventude.
Já no que me diz respeito, Greta, podes estar descansada, que eu não
quero nada de ti. Minto: talvez queira uma pequena coisa. Gostava que fosses
um pouco menos alarmista, e que um dia destes admitisses que o mundo – e o
combate às alterações climáticas, já agora – é um pouco mais complicado do que
a forma como o retratas. Há
uma diferença significativa entre diminuir a pegada ecológica e cortar um pé, e
temo que tenhas dificuldade em distinguir uma coisa da outra. Seria magnífico
que conseguisses olhar para o ser humano como mais uma espécie animal que
habita o planeta Terra, e que por isso também tem uma cultura e um modo de vida
a preservar. Deu uma trabalheira desgraçada chegar até aqui, e, sim, nos últimos
150 anos os combustíveis fósseis ajudaram bastante.
Conheces aquela frase muito bonita que Isaac Newton escreveu há 350 anos? “Se eu vi mais longe, foi
por estar em cima de ombros de gigantes.” Esta ideia de nos apoiarmos no
legado de gente extraordinária remete para uma gratidão em relação ao nosso
passado, e aos sacrifícios que foram feitos por milhões de homo sapiens que nos precederam, até atingirmos um nível de
vida sem paralelo na história da humanidade. Aquilo
que me preocupa no teu discurso, nota bem, não são as mais do que legítimas
preocupações com o ambiente. Não posso estar mais de acordo contigo quanto
dizes que não há um planeta B. Mas, para continuar com o planeta A, convém não
regredir até um modo de vida Z, porque nem todos têm o privilégio de navegar
pelo planeta em barcos de luxo – feitos, aliás, numa magnífica fibra de carbono.
E é neste ponto que nós discordamos profundamente. Ainda há dias,
escreveste um artigo em conjunto com duas outras jovens activistas onde dizias
isto: “A crise climática
não é apenas sobre o ambiente. É uma crise de direitos humanos, de justiça e de
vontade política. Sistemas de opressão coloniais, racistas e patriarcais
criaram-na e alimentaram-na. Nós precisamos de os desmantelar a todos.” Aquilo que as pessoas que não concordam com o
radicalismo do teu discurso já tinham percebido há algum tempo, é que seria
inevitavelmente aqui que as tuas reivindicações iriam desaguar – em vez de
pacatamente ambientais, furiosamente políticas.
Essa parte, desculpa, eu não compro. As justificações para as alterações climáticas já
não são apenas os automóveis a gasóleo ou as vacas com flatulência – são os
tais “sistemas de opressão” que é preciso, a todo o custo, “desmantelar”. Ora,
se não te importas, Greta, convém ter algum cuidado com aquilo que se
desmantela. Nunca, em tempo algum, houve tão pouca violência no mundo e
tantas pessoas a viver acima do limiar da pobreza. Tu, eu, todos nós, temos
uma sorte imensa. Ser conservador no ambiente e revolucionário na política é um
cocktail explosivo. Ainda és muito nova para o beber.
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