Gostei do General Ramalho Eanes, pela parte que tomou no 25 de Novembro de 75, o país vivendo então sob o efeito achincalhante dos
seus Hércules da altura, que tentavam limpá-lo de tudo o que significasse
riqueza, produção, as quais associavam sempre ao vampirismo da canção do Zeca
Afonso, querendo também tomar parte no banquete, e visando, provavelmente, um
igualitarismo social a começar pelos próprios, com Otelo à cabeça. Recordo a alegria que senti, quando Eanes foi eleito PR para um primeiro mandato em processo “democrático” que
restabeleceu certa ordem após as tais arremetidas trazidas pelo COPCON durante o PREC de má memória. No meu livro “Cravos Roxos” de 1981, dediquei-lhe mesmo uma parte – a IV, que
intitulei de MESSIAS e que era constituída por uma só folha sintética, que transcrevo:
«”A bem nascida segurança / Da lusitana
antiga liberdade” Camões, Lus., I, 6. RAMALHO EANES?», o ponto de interrogação
aposto ao nome, sendo expressivo já de conotação negativa na questão do
messianismo, ou antes, sebastianismo, (segundo o trilho camoniano da dedicatória),
Ramalho Eanes que eu
admirara como salvador da pátria, tendo enveredado, no segundo mandato
presidencial, por normas de maior proximidade com a esquerda revolucionária, segundo
então se dizia e se sentia.
Por isso não estranho a tese de “tema fracturante” esse do 25 de Novembro libertador, que RE considera, e que por tal motivo não deve ser
data assinalada, na sua opinião – bem sinistra - pelo que revela, talvez de
arrependimento de nele ter tomado parte.
A crónica de Francisco Assis parece-me, pois, brilhante de seriedade e elegância
arrojadas, na denúncia de uma opinião que também a mim me parece censurável.
OPINIÃO
Ainda
a propósito do 25 de Novembro
Seria muito grave que os democratas
deixassem de assinalar as suas datas de referência por receio de incomodar
aqueles que no seu íntimo continuam a deplorar a democracia.
FRANCISCO ASSIS
PÚBLICO, 30 de Novembro de 2019
1.
Nos últimos dias - a propósito de vários artigos e de tomadas de posição sobre
os acontecimentos históricos de 25 de Novembro de 1975 - foram feitas considerações que merecem alguma
reflexão. A mais curiosa, e provavelmente a mais partilhada, é a
de que o 25 de Novembro não deve ser assinalado porque permanece um tema
fracturante na sociedade portuguesa. Consta que a primeira personalidade a
sustentar tal tese terá sido o general Ramalho
Eanes. Tratando-se de uma figura fulcral no sucesso das
forças pró-democráticas naquela ocasião histórica a sua opinião presente reveste-se
de uma certa autoridade moral que dificulta a devida apreciação crítica.
Dificulta mas não impede.
Comecemos
por decompor a afirmação – ela integra duas asserções: a data é
fracturante e as
datas fracturantes não devem ser assinaladas.
Comecemos por avaliar a primeira. Em que medida o 25 de Novembro suscita,
ainda hoje, apreciações antagónicas na sociedade portuguesa e onde se situa a
linha de fractura que separa essas mesmas apreciações. Em 1975
era fácil perceber a natureza da confrontação existente e o posicionamento das
diversas forças políticas em relação à mesma. A disputa era em torno de um
modelo de regime político, económico e social e opunha os defensores de uma
democracia liberal de tipo ocidental aos simpatizantes de sistemas autocráticos
de inspiração marxista-leninista. Nessa
ocasião ninguém tinha dúvidas sobre saber de que lado estava, mesmo que cada um
dos lados acolhesse pessoas e correntes de opinião muito diversas. Faço, por
exemplo, a justiça de pensar que muitos jovens revolucionários daquela altura
teriam sido tragados pela própria revolução, na medida em que agiam motivados
por impulsos que colidiriam fatalmente com uma ordem autoritária. O
que importa destacar, porém, é a transparência do que então estava em causa. Cabe-nos agora colocar idêntica questão no presente. Neste ano de 2019 só se pode continuar
a afirmar que o tema é fracturante se admitirmos que há sectores da sociedade
que lamentam não ter sido bem sucedida a tentativa de instauração de um regime
autocrático comunista em Portugal. Esses e só
esses podem sentir-se incomodados com qualquer iniciativa visando assinalar a
data. Todos os demais deverão reconhecer-se em qualquer manifestação de
regozijo pela vitória das correntes democráticas. Sendo assim a fractura é
clara e no plano parlamentar deveria demarcar, como durante muitos anos
demarcou, os partidos que sempre defenderam o modelo da democracia
representativa daqueles que verdadeiramente sempre cultivaram, e pelos vistos
continuam a cultivar, outro tipo de preferências. Pode, assim, concluir-se que a fractura
não é nova e que não existem, como nunca existiram, especiais razões para
tratar com especial consideração moral quem continua a preconizar, mesmo que
retrospectivamente, um modelo de regime anti-democrático e anti-liberal. Era o
que faltava que os democratas se deixassem auto-condicionar pelos adversários
da democracia.
A segunda asserção assenta igualmente em bases muito frágeis. Se olharmos para o mundo ocidental no período
moderno verificaremos que há uma clara inclinação para a comemoração de
acontecimentos políticos fracturantes. A começar por acontecimentos de
teor revolucionário, como por exemplo a Revolução Francesa ou o 5 de Outubro em
Portugal. Haverá algo de mais fracturante do que um acto revolucionário?
É natural que os regimes comemorem os seus momentos fundadores e assinalem as
datas mais relevantes nos seus processos de consolidação. O que funciona como
elemento motivador é a referência a um conjunto de valores e princípios que se
pretendem resgatar de um momento histórico genésico e projectar num tempo
actual e futuro. Ora, não se fica à espera de nenhum unanimismo para proceder
de tal forma. Tal unanimismo é, aliás, dificilmente alcançável. Só uma
ingénua crença no carácter unitário de uma sociedade pode levar à obsessão pelo
unanimismo na apreciação dos acontecimentos históricos. Cai, assim, por terra a
peregrina ideia de que não deveremos assinalar datas fracturantes. Pelo
contrário, no limite, se acreditarmos plenamente na superioridade moral e
política dos princípios e valores associados a determinadas datas, até temos
mais dever de as assinalar enquanto elas permanecerem fracturantes. Em nome da
defesa desses valores e princípios que, nesse caso, continuariam a ter inimigos
declarados.
Estou certo que o general
Ramalho Eanes, herói do 25 de Novembro e um dos homens a quem
a democracia portuguesa mais deve, fez essa afirmação por motivos respeitáveis.
Isso não torna, contudo, a afirmação correcta. Já não são nada respeitáveis os
motivos de uma certa esquerda que agora, subitamente, descobriu os malefícios
das fracturas sociais e políticas. Claro que nessa descoberta está presente o
imenso cinismo de quem se julga detentor de uma verdade revelada. Seria muito
grave que os democratas deixassem de assinalar as suas datas de referência por
receio de incomodar aqueles que no seu íntimo continuam a deplorar a democracia.
2. Porfírio Silva,
vice-presidente da bancada parlamentar do PS e membro da direcção nacional do
partido, atacou-me de forma soez a propósito do artigo que aqui
publiquei na semana passada. Custa-me ver um espírito tão apequenado a exercer
funções relevantes num partido tão importante na nossa democracia como é o PS.
Infelizmente é um triste sinal dos tempos. Os comunistas
marxistas-leninistas sempre contaram com o prestimoso contributo dos chamados
“idiotas úteis”. O que não era costume era eles estarem instalados no
Secretariado Nacional do PS.
TÓPICOS POLÍTICA OPINIÃO PORTUGAL 25 DE NOVEMBRO DE 1975 PARTIDOS POLÍTICOS RAMALHO EANES ASSEMBLEIA DA REPÚBLICA
COMENTÁRIOS
mário
borges: O Assis por este andar vai
passar do PS directamente para o Chega sem sequer passar pelo PSD.
Todas as revoluções são um processo complexo. A
Francesa, a de Outubro... e a do 25 de Abril também o é, caso contrário seria
apenas um mero golpe de estado. Todas sofreram diversas etapas, golpes
contra-revolucionários, por exemplo. Pode-se dizer que o 25N é fracturante, mas
isso não invalida que seja parte do 25A, e por isso a celebração do 25A engloba
a do 25N. Consideramos que a intenção do 25A é pôr fim a um regime fascista e
criar condições para a democracia, ou que a intenção do 25A é pôr fim a um
regime fascista e instalar um regime de extrema-esquerda? Eu acho mais correcta
a primeira opção. É a opção mais livre, o desejo de Liberdade é mais que
presente nesses anos. Houve mutações no caminho para a Democracia e Liberdade
que se conseguiu. 25 de Abril sempre. Sem qualquer dúvida.
Manuel
Dias: O 25 de Abril foi feito para por fim ao estado em que o país se encontrava
nessa altura e nisso todos os intervenientes concordavam. Quanto às motivações
e aos objectivos para o futuro, não era claro nem preciso e muito menos
unânime.
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