Incontornável, a questão retomada por Maria João Avillez, a
respeito da nossa opacidade irreversível contra tudo o que represente lufadas
da luz do entendimento para uma melhoria de actuação num mundo de exigências
que nos recusamos a transcorrer, manhosamente acomodados à nossa tacanhez
subserviente, ou indiferente, que não se abre a nenhuma orientação
positivamente séria, inteligentemente exposta, racionalmente conduzida. Também
por esse motivo não existem, nos nossos canais televisivos, grandes debates a
sério, objectivos e serenos, de uma envergadura de simplicidade e precisão, despida
da subjectividade exibicionista em que descamba a maioria das intervenções, de
farfalheira atacante e ruidosa - os que estão na mó de cima do poder, de resto,
surdos a quaisquer apelos de mudança, apesar de se dizerem democratas. É a
nossa realidade, a nossa “vanitas vanitatum”, por um lado, “humilitas
humilitatum” por outro. Restam-nos estas crónicas, que vão semeando algum pão
da nossa fome, para mais recheado tantas vezes do queijo ou outro qualquer
produto do nosso paladar, em lanches por vezes opíparos, mas de efémero efeito.
A melancolia
da realidade /premium
Não há convite possível á vontade para intervir na vida colectiva se se
persistir na pegajosa ficção de que está tudo bem e no disfarce de que Portugal
pisa o melhor caminho (para chegar onde?)
MARIA JOÃO AVILLEZ
PÚBLICO, 11 dez. 2019,
1. Porque será? É uma forma de ser, uma doença, um grande receio? Onde buscar
uma explicação racional que nos conforte do vexame de que nada ou quase nada
(não me ocorre nenhuma excepção) seja devidamente levado a sério em Portugal?
Porque
é que desde o governo, aos próprios socialistas, passando pela media,
“pontificadores” e influentes, todos nos surgem como aliados na singularidade
da sua apreciação das coisas - as da política, as do país, as da vida? Tratando-as por igual,
relativizando perigosamente o que por natureza impediria que o fosse e
graduando tudo com o mesmíssimo nível de substância e importância? É um mistério. Um mau mistério. Tudo se
mistura, o grave e o não grave, o essencial e o acessório, o principal e o
secundário nessa relativização apoucada que aliás muito explica e nos explica.
Como se a vida nacional se resumisse a uma interminável telenovela, somando
episódios sempre exibidos como equivalentes entre si e não separados à
nascença, tal como exigiria o uso de um critério mínimo de racionalidade
política (ou mesmo só de mera racionalidade).
2. E haverá melhor prova disto do que a escassez de grandes debates
nacionais sobre questões nacionais? Reflexões sérias, debates mobilizadores. Estão
em extinção como as baleias ou como se diz no Brasil “há, mas estão em falta”. Evoco — repito — discussões a sério. Determinantes para o rumo de
Portugal e decisivas para as escolhas – saber o que se escolhe e
porquê é uma espécie de assinatura. Não tem sido o caso. Descendo ao concreto que
é no concreto que a gente se entende, ocorrem-me dois simplicíssimos exemplos,
imediatamente perceptíveis: a regionalização logo á cabeça e pelas más
razões: quando se trata a questão como ela tem vindo a ser aflorada — por meias
palavras, atrás da porta e de baixo da mesa — além de se estar a ser manhoso e
a fazer batota, está-se automaticamente a desconvocar o país para um debate
digno desse nome e alargado a todos os portugueses. E no entanto, no mapa
político interno a ameaça é de peso e haverá poucas questões, de tão arrasadoras
consequências quanto esta, anunciada mas não maioritariamente desejada, o que
agrava a trama e a manha. Segundo exemplo: a reforma da segurança social e haverá algo mais premente? Face a este tema crucial o governo
hesita entre o disfarce e a fuga a sete pés: tudo menos ser capaz de debatê-lo,
metendo mãos à obra e convocando os portugueses para a grande aventura de lhes
garantir boas notícias para os seus filhos e netos. O tempo que vá
passando, um dia
o PS sai de cena, logo se vê. Subentendido, os vindouros que tratem disso. Como o único que poderia
tratar bem disso — e do resto – não virá, os vindouros previsíveis não se
distinguem por aí alem dos residentes que deixarão de o ser. Ou seja,
estamos conversados: a reforma mais-que-necessária-entre-todas-as-que-também-o-são, não se
fará. Podia juntar à lista do que deveria ser frontalmente debatido essa dificuldade trágica em que se
transformou – por exemplo — a procura de casa para jovens: dá-se-lhes um pontapé para
longe ou muito longe das cidades onde trabalham e onde beneficiariam de alguns
apoios familiares, com isso hipotecando-lhes qualquer projecto de futuro solido
a que o esforço e o mérito os poderia conduzir. Pior sinal dado pelos
governantes à juventude pela qual também são responsáveis, parece-me
impossível. Mas quem discute a sério a urgência e a premência de tudo isto?
3. Se uma coisa é as coisas serem o que são — verdade imperecível — outra é
apesar de tudo o poder de observação, critério e transmissão que temos sobre
elas. E como nada nos veta esse poder, espanta que a sua prática seja
afinal tão incomum em quem se “ocupa” da coisa pública ou dela é o mensageiro. Dar a ver, longa e
abundantemente, a chegada da adolescente Greta a uma doca portuguesa com
autoridades políticas presentes e com um relevo cujo empolgamento se prendia
muito mais com a sua (explorada) “persona” do que com a (explorada) agonia do
planeta, é levar muito pouco a sério as coisas. Não se tratou apenas de mais
um lance da política espectáculo sem a qual a própria política hoje mal
respira, mas da abdicação de dois excelentes instrumentos de vida: a escolha e o critério. Naquele longo desembarque
falharam ambos.
O que logo encadeia mais dúvidas: como se
poderá contar com algum português anestesiado como estará pela uniformização
apatetada do que ocorre inter e extra muros? Alheado das grandes questões que o
deviam interpelar pela recusa do poder em abordá-las ; desconvocado pela media
mais ágil no consumo diário de fait divers e intrigas partidárias do
que num presente capaz de moldar um futuro; e desfocado da realidade tal como
ela é e não como a parte dela que lhe mostram, como? Se quem detém o poder, não separa o trigo do
essencial, do joio da trivialidade inconsequente, será difícil fazer crer aos
portugueses que têm responsabilidades no país e obrigações perante ele. E ainda
menos levá-los a alistarem-se nas frentes de batalha em que o país poderá
reclamar que se tome parte. Não há convite possível à vontade para intervir na
vida colectiva se se persistir na pegajosa ficção de que está tudo bem e no
disfarce de que Portugal pisa o melhor caminho (para chegar onde?) Pelo contrário: a
desresponsabilização galopará até ao fim dos tempos e o país quedar-se-á, meio
amorfo, pouco convicto, pouquíssimo exigente.
Uma realidade um bocadinho melancólica,
inteiramente previsível e infelizmente verdadeira.
Comentários:
Filipe Paes "o que é verdade é que
a geringonça funcionou!" : Fico de cabelos em pé quando
ainda por cima vem do Presidente da República. E
à custa de quê, pergunto eu? À custa de,
mais uma vez, regredirmos e adiarmos o nosso País.
Será que não haverá uma consultora que possa estudar o impacto que teve
no País e nos PORTUGUESES este funcionamento da geringonça. Onde estávamos, onde estamos e onde poderíamos
estar? Penso que o que era importante era
discutir seriamente!? este candente assunto nacional.
Aqui está um bom tema de discussão a que o Senhor Presidente da
República poderia dar o seu alto patrocínio.
Manuel Magalhães: ... “e infelizmente verdadeira”, nem mais estamos a viver
uma melancólica decadência que nos deveria envergonhar a todos!!!
Sergio Coelho Qual a
novidade ?!?!? Já dizia o outro de país a
SÉRIO: "os tugas querem é chutadeiros de boilas, p**tas, vinho
verde, touradas, novelas e INCÊNDIOS"
Maria José
Melo : ACENTO GRAVE ... à (cabeça) ... à (vontade) ... à
(juventude)
Fernando
Costa : 5
estrelas
Ana Ferreira Enquanto
esta senhora se for confessando nostálgica do passado e melancólica do futuro,
podem 99.9% dos portugueses dormir descansados, os interesses deles estão a ser
defendidos contra saudosismos nefastos.
José Marques > Ana Ferreira: Ui...
Sinto-me tão defendido com os passos que estamos a dar!!!!!! Em boa verdade
sinto-me é adiado, suspenso, à espera da primeira crise para ver este país
rebentar com tantos equívocos, adiamentos, superficialidade, imediatismo, etc.
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