Da Colunista do Observador,
Helena Matos. Visivelmente cansada de
um mundo de atropelo constante, que, a cada passo, nos torna joguetes das
baforadas de álcool dos construtores da
nova ordem, ou dos seus orgasmos eloquentes em delinquência e provocação.
Coisas do progresso. Esperemos que haja muitas Helenas Matos assim arrojadas, desmascarantes dos novos snobismos
mentais, que ajudem a abrir os olhos a muitos desses pobres joguetes da nova boçalidade
ruidosa, mascarada de piedade falseadora e, sim, instigadora de um carpe
diem desordeiro e mandrião.
As pessoas
estúpidas /premium
As pessoas estúpidas são tão estúpidas que sustentam uma das mais
florescentes indústrias do mundo capitalista: a indústria do viver bem à conta
de chamar estúpidos aos outros.
OBSERVADOR, 08 dez 2019, 07:49
Não sei se a culpa foi
do marido de Penélope Cruz gritando “estúpido” na Marcha do
Clima, em Madrid, se do marido da filha do dr. Louçã transformado em profeta do
apocalipse ambiental. Mas de algum deles foi certamente pois ambos com o seu
particular e bem sucedido modo de vida fizeram-me perceber a importância das pessoas
estúpidas. Ou seja aquelas pessoas que, com os seus impostos em ordem e desejo
de viver em paz e sossego, mantêm a funcionar um sistema que o senhor Bardem e
o marido da filha do dr. Louçã declaram abominar.
O genro do dr. Louçã além de ser genro do dr. Louçã, o que em Portugal
é uma espécie de posto, é também dirigente de uma associação que
se destacou por ter ido com vários deputados e o presidente da CML esperar a
embarcação em que viajava, à boleia, uma adolescente que se
notabilizou por gritar e faltar à escola. Perante isto as pessoas estúpidas interrogam-se:
se não levarem os filhos à escola e os largarem pelas ruas será que os
deputados, o presidente da CML, a família Louçã e os activistas do costume
deixam de proferir insanidades eco-betas nas docas do Tejo e tentam entrar nos
comboios atrasados da linha de Sintra? Isso, dirão os estúpidos, isso sim seria
um forte contributo para perceberem por que há quem passe horas enfiado num
carro, nas filas do IC19.
Aliás as pessoas estúpidas têm um problema com os transportes. Por
exemplo, obstinam-se em viajar, transformando-se então no ex libris da
estupidez: o turista. As pessoas inteligentes não são turistas, são viajantes.
Os protegidos das pessoas inteligentes são migrantes. Já as pessoas estúpidas
quando viajam são turistas obviamente estúpidos que estupidamente destroem o
carácter autêntico das cidades. Pelo contrário os viajantes e os migrantes
enriquecem as mesmas cidades. Percebido?
Como é óbvio as pessoas estúpidas, certamente porque
são estúpidas, não percebem o atrás exposto e também não conhecem gente
suficientemente inteligente (leia-se abonada) que possa emprestar-lhes um iate
ou um catamarã. Aliás as pessoas mais estúpidas de todas até
questionam o que seria dos oceanos se cada um dos estúpidos que agora viaja de
avião optasse pelos meios de transporte que os inteligentes dizem sem impacto
ambiental. Por exemplo, quantos milhões de catamarãs e iates teríamos a sulcar
os mares caso prescindíssemos dos aviões? Ou será que só os inteligentes,
milionários como os príncipes do Mónaco e os que poeticamente dizem que
resolveram largar tudo e partir à aventura (ou seja vivem à conta da família ou
dos patrocinadores) é que viajavam?
Como se vê as pessoas estúpidas perdem-se nos detalhes. Aliás as
pessoas estúpidas são tão estúpidas que não percebem como os mesmos políticos
que falharam rotundamente quando, nos incêndios de 2017, o país viveu uma
situação de emergência se propõem agora resolver nada mais nada menos que a
emergência climática do planeta. Valha a verdade, e contra nós portugueses falo, se nos fiarmos no
percurso do engenheiro Guterres, temos de admitir que é mais fácil ser bem
sucedido a mandar no planeta que neste seu modesto rectângulo! É evidente que as idiossincrasias nacionais levam a
que as nossas pessoas estúpidas sejam ainda mais estúpidas que as demais. Por
exemplo, perante a magnitude do conceito da justiça climática qualquer estúpido
português dirá que aquilo que ele queria mesmo era uma justiça que funcionasse
em prazos e moldes humanamente razoáveis. Isto para não falar da desordem
mental que alguns estúpidos experimentam quando constatam que o mesmo país,
Portugal, que segue com entusiasmo militante as sessões do inquérito ao
presidente dos EUA aceitou em silêncio que o presidente da república e o
primeiro-ministro de Portugal não fossem interrogados a propósito do
desaparecimento/achamento das armas de Tancos porque isso pertubaria o
desempenho das suas altas funções.
Está percebida a dimensão estratosférica da nossa estupidez?
As pessoas estúpidas são insensíveis aos altos voos e aos avanços
civilizacionais. Por
exemplo, as pessoas estúpidas não compreendem como é possível que com a
Segurança Social à beira da falência o país tenha agora como desígnio não a
resolução desse enorme problema mas sim a criação de um problema que nunca
teve: as regiões e a regionalização.
Uma das grandes dificuldades das pessoas estúpidas resulta da sua mania
de tomar tudo à letra. Por exemplo, as pessoas estúpidas acreditam que desde
Novembro de 2015, o Tribunal Constitucional, os reitores indignados, os bispos
agitados e os empresários compungidos entraram para a lista das espécies
ameaçadas de extinção. Porquê? Porque paulatinamente têm vindo a escassear os
sinais da sua outrora espalhafatosa existência.
Às pessoas estúpidas também lhes escapa a dialéctica
subjacente ao facto de o mesmo governo querer às segundas, quartas e sextas
construir um aeroporto no Montijo e urbanizar os terrenos da antiga Lisnave e
às terças quintas e sábados pretender que as alterações climáticas vão fazer
subir o nível das águas do estuário e consequentemente inundar os mesmos
terrenos que no dia anterior pretendia urbanizar. Mas
não acaba aqui a estupidez emanada pelas pessoas estúpidas. Por exemplo, é de
uma tacanhez profunda que as pessoas estúpidas não só não percebam mas
sobretudo insistam em chamar a atenção para o facto, paradoxal dizem eles, de
os maiores defensores das escolas públicas e dos hospitais públicos, tratarem
de não os frequentar nem eles nem os seus filhos.
“Que mude o sistema, não o clima” – gritava-se na Marcha do Clima, em
Madrid, a tal marcha em que Bardem, um daqueles actores espanhóis com
muito pedigree esquerdista que se mudou para os EUA para enriquecer a
sério, resolveu prodigalizar o epíteto estúpido a todo e qualquer que não pense
como ele.
De facto as pessoas estúpidas são mesmo estúpidas. Há quanto tempo têm
de aturar esta conversa do “mudar o sistema”? Está mais ou menos implícito que
todos temos de querer mudar o sistema, entendendo-se por sistema as democracias
liberais. A quem quer mudar o sistema não se lhe pede um programa ou reflexões.
Apenas emoções e de preferência algum mistério. Num ápice os jornais enchem-se
de artigos hagiográficos sobre a figura de turno. Ainda se lembram do subcomandante Marcos com o seu rosto tapado que nos ia
ensinar novas formas de organização do estado, ou seja do sistema? Quanto
mais ignorante ou tresloucado for o candidato a guru da mudança do sistema
maior a possibilidade do seu sucesso. Uma constante do nosso sistema é
precisamente a disponibilidade das pessoas que se têm e são tidas como
inteligentes para apoiar os projectos mais desequilibrados e os líderes mais
perversos. Basta que acreditem que vão mudar o sistema e ei-los nas ruas, com
aquele ar beatífico de quem se considera do lados dos bons. Vale aos fiéis seguidores de Greta Thunberg que esta
não passa de uma adolescente mimada e que o capitalismo inventou os telemóveis,
caso contrário acabariam prisioneiros numa aparentemente perfeita comunidade agrícola,
como aconteceu há 41 anos aos desgraçados que seguiram um dos ídolos do
progressismo de então, Jim Jones.
Mas deixemos as pessoas
inteligentes e voltemos às estúpidas. Contra tudo e todos, as pessoas estúpidas
existem e estão fartas de tanto avanço civilizacional, de tanto combate e de
tanta mudança radical. As pessoas estúpidas querem simplesmente que quem
governa governe e não invente manobras de diversão. Pode parecer estúpido mas
valia a pena tentar, digo eu.
As pessoas estúpidas querem
recuperar a naturalidade dos gestos. Querem comprar uma camisola este Natal sem
ter de pensar em todos os dramas do mundo. Querem que comer seja simplesmente
comer e não um manifesto em prol da saúde, do ambiente e do comércio um pouco
justo ou muito injusto. As pessoas estúpidas querem levar os filhos e os netos
ao Jardim Zoológico sem antes terem de fazer mea culpa.
As pessoas estúpidas querem
poder amar e desamar sem o medo dessa espécie de ébola das relações e das
palavras que é o politicamente correcto.
As pessoas estúpidas às
vezes cansam-se. De ser estúpidas? Não. Apenas que não contem com elas. Afinal
se a comprovada inteligência de gente comprovadamente inteligente nos trouxe à
farsa desta semana em torno de Greta Thundberg é evidente que chegou o momento
de dar a vez aos estúpidos.
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