Histórias da Nato, por Tiago Moreira de Sá , que é bom
lembrar.
OPINIÃO: A NATO e o regresso do medo
Não ignorando os riscos que a NATO
enfrenta, ela tem hoje um propósito que já não tinha desde o fim da Guerra
Fria. Dito de uma forma simples: o medo está de regresso.
TIAGO MOREIRA DE SÁ PÚBLICO, 2 de Dezembro de 2019
Foi em setembro. Em 1948. Poucos meses antes da criação da NATO. Na
Assembleia-Geral das Nações Unidas. Paul-Henri Spaak conversava com o representante
soviético. Já tinha havido a criação do Kominform, o “golpe de
Praga” e o início do bloqueio de Berlim. E havia a hegemonia da URSS em
praticamente toda a Europa de Leste. Exasperado, o primeiro-ministro
belga virou-se para o seu parceiro de diálogo e atirou, certeiramente: “Sabeis
qual é a base da nossa política? É o medo! O medo de vós, o medo do vosso
governo, o medo da vossa política.”
É dezembro. Ano 2019. Em Londres, reúnem-se os dirigentes dos países
membros da Organização do Tratado do Atlântico
Norte. Celebram
os 70 anos. Tratam do presente e decidem se há futuro. Haverá? O Presidente francês parece achar que nem
por isso e o melhor é mesmo procurar alternativas, enquanto o seu homólogo
norte-americano parece considerar que sim, pedindo a todos que gastem mais com
a defesa comum. Nunca se pode ter a certeza nos dias de hoje, mas,
ironicamente, ainda pode ser a administração Trump a salvar a NATO,
dando-lhe não só mais poder, como, sobretudo, um novo propósito comum.
Todas as conversas andam à volta da recente entrevista
de Emmanuel Macron à revista The Economist. O que
ele disse não é só errado. É muito perigoso. Desde logo para a França, que, sem NATO
e com o “Brexit”, pode ficar novamente sozinha com a Alemanha na Europa. Não
costuma acabar bem. O
Presidente francês acha que os países europeus já não podem confiar nos Estados
Unidos, que a NATO está “cerebralmente morta” e tem de ser
substituída por uma “aliança de defesa europeia”, que a Europa deve funcionar
como “um poder equilibrador”. E não disse, mas está implícito nas suas
palavras, que a UE deve considerar de forma equivalente os EUA, a Rússia e a
China. De resto, ainda acrescentou que era preciso um entendimento com os
russos, com ou sem os norte-americanos. Estaline concordaria. Aliás, chegou a
mandar Molotov propor isso mesmo aos europeus.
Estas ideias, a serem postas em
prática, só podem resultar numa ruptura dos laços políticos e de segurança
entre os Estados Unidos e a Europa, culminando numa “separação atlântica”,
pois, neste caso, a NATO deixa de ter qualquer interesse para ambos os lados do
oceano e o seu fim é apenas uma questão de datas. Mas ainda há esperança. Os restantes líderes
europeus não acompanham o Presidente francês. Os alemães até pedem desculpa. E
os norte-americanos já fizeram saber que a prioridade é fazer face ao regresso
da competição entre grandes potências e à grande ameaça que vem das
revisionistas Rússia e China. Estão preparados para fazê-lo sozinhos. Mas,
retórica à parte, sabem bem que é do seu interesse agir com os aliados. Desde
que, como lembrou a Casa Branca nas vésperas da cimeira, continue o “avanço sem
precedentes” da partilha de encargos, que, desde 2016, já permitiu um aumento
de 100 milhões de dólares em novos gastos de defesa. Em Londres,
como habitualmente, todas as atenções estão viradas não para Macron mas para
Donald Trump. E, se por uma vez, desviarmos os nossos olhares dos faits
divers, até mesmo da personalidade do Presidente dos EUA, e olharmos para os
principais documentos estratégicos norte-americanos, percebemos que, não
ignorando os riscos que a NATO enfrenta, ela tem hoje um propósito que já não
tinha desde o fim da Guerra Fria. Dito de uma forma simples: o medo está de
regresso.
Comecemos pelo medo da Rússia. A
Estratégia de Segurança Nacional, de 2017, a Estratégia de Defesa Nacional e
a Nuclear Posture Review, ambas de 2018, identificam-na, sem ambiguidades,
como uma potência revisionista, um competidor estratégico e uma ameaça para a
segurança dos Estados Unidos. No primeiro documento pode mesmo ler-se que os
russos pretendem “refazer o mundo de uma forma antitética aos valores e aos
interesses norte-americanos” e procuram “estabelecer esferas de influência na
sua vizinhança próxima”. E continua: Moscovo tem “como objetivo enfraquecer a
influência dos EUA no mundo” e “separá-los dos seus aliados e parceiros”, vendo
“a NATO e a União Europeia como ameaças”. Finalmente, para referir apenas
alguns exemplos, diz-se que a Rússia “está a investir em novas capacidades
militares, incluindo sistemas nucleares que continuam a ser a mais
significativa ameaça existencial aos Estados Unidos”. Mais claro do que isto
era impossível.
Depois,
há o medo da China, que, de acordo com a mesma Estratégia de Segurança
Nacional, pretende reescrever as regras da ordem internacional e criar novas,
ao mesmo tempo que vai implementando o seu projeto de hegemonia regional e de
expansão da sua influência ao nível mundial. Como? Construindo “a mais capaz e
bem financiada força militar do mundo” logo a seguir à dos EUA. Aumentando o
seu poder nuclear. Construindo postos militares avançados no Mar do Sul da
China, “pondo em perigo o livre comércio, ameaçando a soberania de outras
nações e minando a estabilidade regional”. Contrapondo à ordem norte-americana
uma ordem chinesa, traduzida no projeto Belt&Road Initiative. Usando inventivos
e penalidades económicas para estender a sua influência em outros Estados,
penetrando assim em várias regiões.E as grandes ameaças não ficam por aqui. As
duas referidas são as principais. Mas elas também vêm dos Estados-párias, como
o Irão e, pelo menos até há algum tempo atrás, a Coreia do Norte. Do
terrorismo. E dos ciberataques.
Os mais cínicos estão neste momento a
pensar que, mesmo sendo tudo isto verdade, tal não tem um impacto significativo
na Aliança Atlântica, pois, não só Trump tem tweetado a sua desconfiança em
relação aos aliados permanentes e a sua preferência por agir unilateralmente,
como os Estados Unidos não precisam da NATO para nada. Pelo menos no caso da Rússia (e, talvez, mais cedo ou
mais tarde, da China) a realidade prova o contrário, como o demonstra a
extraordinária unidade transatlântica na reação à guerra da Ucrânia e anexação
da Crimeia (que não se alterou com a eleição de Donald Trump, estando este a
cumprir todos os compromissos assumidos pelo seu antecessor), assim como na
ação concertada no caso Skripal. Se Paul-Henri Spaak fosse vivo e estivesse
na cimeira dirigir-se-ia não a um representante soviético, mas aos líderes
presentes na sala, para dizer-lhes que a NATO é hoje mais importante do que em
qualquer outro momento do pós-Guerra Fria. E explicar-lhes-ia a atual base da
política comum dos Estados-membros: “É o medo! O medo da Rússia. O medo da
China.” Não deixa de ser curioso que os EUA, de Trump, tenham sido os primeiros
a perceber isto.
COMENTÁRIOS
Darktin, 02.12.2019: Putin ressuscitou a NATO e hoje em dia esta
voltou a ser importante na Europa. Todo o leste europeu depende da NATO para
manter a sua integridade territorial. É uma pena a Rússia ter um presidente
como Putin. Só agravou o atraso da sociedade russa e provocou novamente uma
corrida às armas. E no final quem está a perder é o povo russo. Desde que Putin
resolveu brincar aos soldadinhos de chumbo, a economia da Rússia caiu
fortemente. Para não falar no desinvestimos na Educação e Saúde para poder
investir nas armas. Isto é uma maratona e nesta maratona, Putin comprometeu a
Rússia nas próximas décadas. A esperança está na saída de Putin para o Ocidente
voltar a reatar as suas ligações com a Rússia. Dentro de 10 anos, ninguém se lembrará
mais de Putin. Foi sonho mau que passou.
manuelserra72, 02.12.2019: A Nato é importante para nos defendermos da Líbia.
Esse país tão perigoso. Felizmente livrámo-nos do Kadafi e instaurámos uma
maravilhosa democracia nesse pais. Foi também muito importante para acabar com
o genocídio no Kosovo e para a instauração de uma região multi-étnica. Isso
tudo respeitando todas as normas do direito internacional (ao contrário desses
malvados dos russos). Entretanto não se descobriu nenhuma prova de genocídio,
mas não faz mal. Não é preciso. A verdade é que construímos mais uma base
americana, Camp Bondsteel no Kosovo. Porque nunca são demais e quantas mais
melhor..... Podemos dar mais exemplos. Macron está tão errado. Os americanos
pagam e nós temos total independência e liberdade para obedecer.
Joao, 02.12.2019: Oh meu caro Tiago deixe-se de rufar os tambores da
guerra polacos, deixe-se de toques de carga de clarins napoleónicos, deixe-se
de convocatórias para planeamento no Wolfsschanze. O meu caro parece, ia dizer
o recrutador mas corrijo, o caro parece o caro Rato nos debates na TV a
defender a invasão do Iraque, coitado, até se torcia todo mas lá desempenhava a
função.
O
meu caro quer tentar o dois em um, e tenta suavemente, meticulosamente,
sedutoramente, mas meu caro, por um dos lados, só por exemplo a Rússia ser “a
ser a mais significativa ameaça existencial aos Estados Unidos” é … bem, também
o Zimbabwe “representa uma ameaça "incomum e extraordinária" à
política externa de Washington” como o Público nos referiu há poucos meses,
também cerca de 60 outros países representam “invulgar e excepcional ameaça aos
interesses” americanos, etc, etc e todos estão nas listas das sanções, dos
confiscos, das apropriações, etc. Meu caro, é óbvio que para o polvo mafioso a
Rússia é o único que lhe resiste e é o único adversário.
O
Trump anunciou que não é bem assim, que o maior perigo para a hegemonia
americana reside na China. Mas quem manda de facto é o polvo mafioso, que tem
décadas e séculos e inúmeras tentativas falhadas para dominar a Rússia … e não desiste, por ódio e por inércia. E veja-se
como o Trump levou e leva na corneta para aprender quem manda e para voltar ao
caminho “certo”. Não há um país que não tenha invadido a Rússia pelo menos uma
vez, os bálticos, os polacos, os suecos, os franceses, os alemães, os
portugueses, os espanhóis, os romenos, os italianos, os japoneses, os ingleses,
os americanos, etc, etc. Por ódio ou por inércia insistem.
O
caro parece tocar à convocação de todos eles, por exemplo parece convocar a
Divisão de Montanha croata (20ª SS), da Divisão de Granadeiros estoniana (20ª
SS), da Divisão CharleMagne francesa (33ª SS), da Divisão Galícia ucraniana
(14ª SS), da Divisão de Granadeiros letã (19ª SS), etc, etc, e da Divisão Azul
espanhola que também tinha portugueses, para todos irem alegremente defender os
interesses de alguém e invadir a Rússia e matar todos por lá como já fizeram.
Por ódio ou por inércia secular.
Pelo
outro lado a China que o caro junta no dois em um. A China que é uma
ameaça para os USA “pondo em perigo o livre comércio” no Mar Sul da China? Ou
“contrapondo à ordem norte-americana uma ordem chinesa” de comércio na Ásia e
Médio Oriente? Mas enfim, o Trump há muito viu que a ameaça à hegemonia glogal
americana é da China, só os outros, Bruxelas por exemplo para baixar o preço da
mão-de-obra e entreter a maralha com pechisbeques, não entenderam isso. Etc
Etc.
Voltando
à Nato, trupe de bombistas e invasores, fornecedora de mísseis, treino e apoio
aéreo aos terroristas wahabitas ou nazis, terá “um novo propósito comum”? Qual?
O Macron é mais comedido ao que parece que o Tiago, quer uma “força europeia”
para “projectar em intervenções” em África. Mais contido, pois, pelo que
entendo, o caro Tiago aponta como “propósito comum” da Nato intervir na
Ásia, Extremo Oriente, Mar da China, Sibéria, Urais, etc. Deixe-se disso
meu caro, lembre-se do Gomes Freire e do Marquês de Alorna que por lá andaram
ao serviço dos mesmos a invadir a Rússia, o primeiro acabou enforcado na Barra
à ordem dos ingleses, o segundo lá conseguiu evitar ser canibalizado pelos seus
soldados e morreu em Kaliningrad, e os seus soldados por lá morreram sem deixar
rasto.
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