Com sequelas sobre os tempos a vir. E alvitres de mudanças, e de novas
alianças que o tempo se encarregará de provar. Ou não. Um texto de Paulo
Rangel, para mim, leiga, inesperado.
E um pouco delirante, sobretudo na questão das Irlandas, e da Escócia, e da Catalunha...
E voltemos ao Velho do Restelo:
(Lus., IV, 97)
— "A que
novos desastres determinas
De levar
estes reinos e esta gente?
Que perigos,
que mortes lhe destinas
Debaixo
dalgum nome preminente?
Que promessas
de reinos, e de minas
D'ouro, que
lhe farás tão facilmente?
Que famas lhe
prometerás? que histórias?
Que triunfos,
que palmas, que vitórias?”
Reino Unido, Europa e Portugal. E depois do “Brexit”?
No quadro da UE, Portugal perde o grande defensor de uma visão
marítima, atlântica e extrovertida da Europa.
PAULO RANGEL
PÚBLICO, 17 de Dezembro de
2019
1. A vitória muito
confortável dos conservadores e
de Boris Johnson nas
eleições britânicas nada tem de surpreendente. A grande maioria dos
analistas diz que ela se ficou a dever à fadiga do eleitorado com o impasse do
“Brexit” e à pressa que esse impasse exerceu sobre a agenda política. A que junta as fragilidades evidentes do líder
trabalhista, um radical de esquerda, incapaz de apresentar uma ideia clara
sobre o “Brexit” (porque era a favor dele, sem o poder dizer claramente). Terão decerto uma boa parte de razão os analistas
que assim discorrem. Mas, a meu ver, foi o facto de ter sido capaz
de negociar um acordo de saída com a União Europeia e de o fazer “aprovar” pela
Câmara dos Comuns o principal factor da ampla vitória de Boris Johnson. Com efeito, quando assumiu as funções de
primeiro-ministro, ninguém acreditava que conseguisse renegociar o acordo e,
muito menos, que, logo de seguida, conseguisse demonstrar, num parlamento
visceralmente dividido, que esse acordo reuniria um voto maioritário. Assim
que obteve o acordo — um
acordo não tão diverso do de Theresa May —, Boris Johnson garantiu a vitória nas eleições seguintes, pois deu
credibilidade e consistência a toda a sua estratégia anterior (que, a dada
altura, mais não parecia que pura táctica atrabiliária). Para este feito, muito contribuíram
dois factores: a vontade da UE em dar esse acordo e a arriscada mudança de
posição inglesa quanto à Irlanda do Norte.
2. Sim, a UE quis
oferecer um acordo a Boris Johnson, pois também ela estava fatigada,
senão mesmo exausta, com o arrastamento da incerteza e indefinição. Ao
dar-lhe o acordo, apostou nele como o interlocutor para a concretização do
“Brexit”. Para conseguir o trato, Boris assumiu uma opção estratégica arriscada: resolveu
prescindir da Irlanda do Norte, deixando-a na prática no seio da UE e aceitando
criar uma fronteira dentro do Reino Unido no mar da Irlanda. A criação desta
fronteira marítima tem tudo para servir de catalisador a uma futura separação
da Irlanda do Norte. Convém, aliás, não esquecer que a maratona negocial
para o novo acordo só foi iniciada depois de uma longa e profunda reunião
entre os primeiros-ministros britânico e irlandês. O cálculo de Boris foi o
de que, no médio prazo, será inevitável uma reunificação das Irlandas e, por
conseguinte, não faria sentido sacrificar o “Brexit” à pretensão dos unionistas
protestantes. Acresce que, ao invés de Theresa May, Boris já não
dependia dos deputados unionistas do DUP. Fala-se, e muito, da repercussão
na Escócia, mas a primeira vítima do acordo de Johnson foi mesmo a Irlanda do
Norte. Conduzirá
isto a uma reunificação acelerada das duas Irlandas? Eis algo que obviamente
não se pode ter por certo. Tanto assim que os conhecedores do assunto apontam
mais provavelmente para uma independência da Irlanda do Norte com
adesão à UE, mas sem reunificação. Esta solução permitiria preservar e
aprofundar a relação mútua actual, sem despertar fantasmas e traumas à larga
comunidade protestante (e unionista) do Ulster.
3. O risco mais
político destas eleições vai manifestar-se nos contornos da evolução
escocesa. Com uma vitória
claríssima, embora de 45%, o Partido Nacionalista Escocês exige um outro
referendo à independência. Contra esta pretensão está o Governo de Londres, de resto, com um bom
argumento: o último referendo é bastante recente (2014), não havendo decorrido
tempo suficiente para levantar de novo a questão. Mas os escoceses dispõem também de um argumentário válido:
o referendo anterior foi feito no pressuposto de que o Reino Unido
continuaria membro da UE. Pois bem, tendo-se alterado radicalmente este
dado e reafirmada nas eleições a vontade de pertença europeia dos escoceses,
a questão deve ser novamente decidida. Haja ou não haja referendo, é evidente
que a tensão entre Edimburgo e Londres vai aumentar significativamente. Se vier a haver segunda consulta e a Escócia se tornar
independente, as consequências sobre a situação da Catalunha, do País Basco e
da Flandres vão ser enormes. Ninguém tenha dúvidas de que as “regiões” com
movimentos separatistas aguardam ardentemente por um precedente, seja ele o
escocês, seja ele outro.
4. É fundamental
não o esquecer: os dois Estados mais relevantes para Portugal em termos
geopolíticos — Espanha e Reino Unido — atravessam uma séria crise constitucional. Portugal não pode, pois, alhear-se do que ali se passa. De momento, tem de redefinir as suas prioridades em
função da saída do Reino Unido da UE. Será a primeira vez que, tirando as
plataformas lusófona e ibero-americana, Portugal estará numa organização
internacional/supranacional sem o Reino Unido (lembre-se a NATO, ONU, EFTA,
Conselho da Europa, CEE e várias outras). É uma mudança significativa e
substancial. Portugal tem, por isso, de reforçar fortemente as suas relações
e os seus laços com o aliado britânico e, dentro da UE, tem de lutar pela maior
proximidade e flexibilidade possível do bloco europeu face aos novos vizinhos
britânicos (evitando todo o ressentimento e hostilidade). No quadro da UE, Portugal perde o grande defensor de
uma visão marítima, atlântica e extrovertida da Europa. Deve, por isso,
contrariando a inércia do governo Costa, federar cumplicidades que possam
colmatar a falha do parceiro inglês. É importante que se estabeleça uma liga de países médios, de vocação atlântica e
extrovertida, que possam compensar a lacuna geopolítica criada pela saída
britânica. Devíamos
organizar uma liga com a Suécia, a Dinamarca, a Holanda, a Bélgica e a Irlanda,
justamente os Estados-membros que, em sede geopolítica interna, mais perderão
com o “Brexit!”. A insistência
do governo Costa em cingir Portugal ao “Clube Med” e à “coesão” é altamente
empobrecedora. Como se verá com o êxodo inglês, haverá um
défice atlântico e atlantista na UE, que, em caso algum, poderá beneficiar o
país mais ocidental da UE. É preciso engenho e coragem para o superar.
NÃO. Ferro
Rodrigues. Esteve mal na
reacção à intervenção do deputado do Chega. Infelizmente, não surpreende. Nos
últimos quatro anos, mostrou-se o menos isento dos presidentes da história da
AR.
NÃO. Costa e
Centeno. O esboço de “orçamento”
para a zona euro é mau. No Eurogrupo, o Governo deu o acordo; agora, retirou-o.
A dissensão pública na cimeira afecta a credibilidade do país.
Colunista
COMENTÁRIO:
TM, 18.12.2019: Sim.
Concordo que Portugal devia aprofundar os laços com os paises Nórdicos
Atlantistas em vez de se cingir ao clube do Sul. Não. Portugal tem de ter a relação com
o RU que a UE tiver. Na minha opinião o tempo das alianças antigas tem de
acabar. Uma pequenissima maioria decidiu retirar o RU da UE, temos pena.
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