O comentário de
Joaquim Almeida justifica este meu título.
A história do Livre explicada às
criancinhas (que votaram naquilo) /premium
Sexta-feira não houve novidades sobre o
menino Rui, a menina Joacine e o almocreve, o que não augura nada de bom, pelo
menos no que toca ao divertimento do povo.
ALBERTO GONÇALVES
OBSERVADOR, 30 nov 2019
Era uma vez o Rui, um menino
inteligente que repetia na internet as coisas inteligentes que o professor
doutor Louçã dizia na televisão. De tanto repetir coisas inteligentes, o menino
Rui ganhou um concurso do tipo “Quem Quer Ser Milionário?” ou “Preço Certo” e
foi para Bruxelas, que é um lugar distante onde pessoas inteligentes como o
menino Rui decidem coisas para melhorar as vidas de todos nós. Além de
inteligente, o menino Rui é generoso, e deu um bocadinho do salário para ajudar
outros meninos a serem tão inteligentes quanto ele. Por azar, um dia o menino
Rui zangou-se com o professor doutor Louçã e deixou de ser sócio da associação
a que ambos pertenciam. Porém, o menino Rui não quis desapontar os outros
meninos e manteve o emprego e o salário.
Quando o emprego acabou, o menino
Rui ficou aborrecido e inventou uma associação só dele para continuar a
espalhar dinheiro e ser útil à humanidade. Desgraçadamente, os azares
sucederam-se, e o menino Rui perdeu todos os concursos seguintes, e as
respectivas estadias em Bruxelas, Lisboa ou até nos arredores de Torre de
Moncorvo. Após vários concursos perdidos, a associação do menino Rui, que é o
menino Rui, lembrou-se de mandar aos concursos uma criatura que não fosse
o menino Rui. Escolheram a menina Joacine, que é da Guiné e que, sempre que
começa a falar, desata a fazer barulhos esquisitos, às vezes iguaizinhos aos de
um helicóptero, às vezes parecidos com um modem de 1995. O primeiro resultado é
que nunca ninguém ouviu o que ela quer dizer. O segundo resultado é que a
estratégia funcionou em cheio, e a menina Joacine ganhou um concurso para ficar
na Assembleia da República, que é um lugar onde pessoas inteligentes como o
menino Rui decidem coisas para melhorar as vidas de todos nós. Não sei se a
menina Joacine é inteligente porque não sei se imitar helicópteros é sinal de
inteligência.
De qualquer maneira, burra é que
a menina Joacine não é: logo no primeiro dia de trabalho, conseguiu um
almocreve para lhe carregar a bolsa. Toda a gente se riu do saiote que o
almocreve vestia, mas os senhores educados informaram o povo de que o saiote é
moderno. Quando o meu vizinho Armando saiu à rua em pelota e de galochas, não
houve quem explicasse à ambulância do INEM que o Armando estava apenas a seguir
as tendências da moda. Por causa disso, o infeliz vive no Magalhães Lemos vai
para seis meses.
Um só mês bastou para estragar a
harmonia entre o menino Rui e a menina Joacine, e entre o almocreve da menina
Joacine e a Terra em peso. A princípio, tudo corria bem. O menino Rui festejou
aos gritos a vitória da menina Joacine, que arranjou uma hérnia de muito se
baixar para abraçá-lo. A menina Joacine passeava jovialmente pelo parlamento, a
denunciar o racismo do país que a elegeu deputada. E o almocreve visitava o
programa da Cristina – ou do Goucha, um desses que o meu vizinho Armando via
antes do internamento e continua a ver depois. De repente, a catástrofe.
A catástrofe começou com uma
proposta do PCP para o parlamento criticar Israel. Dado que a associação do
menino Rui é a favor dos gays, a menina Joacine tinha obviamente de defender a
Palestina, que pega nos gays e os enfia na cadeia ou no cemitério. Ora a menina
Joacine confundiu-se com tamanha clareza programática e fez uns telefonemas ao
“grupo de contacto” (não estou a brincar: eles estão). Visto que não a
atenderam, ou julgaram que a rede estava com cortes, a menina Joacine preferiu
abster-se. O menino Rui ficou fulo com a menina Joacine. A menina Joacine ficou
fula com o menino Rui. O almocreve vestiu um trapinho à pressa e sentou-se ao
twitter.
Vamos por partes. O menino Rui,
que é rancoroso, convenceu os amiguinhos dele a correr com a menina Joacine da
associação. A menina Joacine, que é danada, jurou que não saía da associação
nem do parlamento. De pirraça, entrou justamente no parlamento sem falar a uma
jornalista que a maçava com questões. O almocreve, com traje indefinido, chamou
um GNR para escoltar o sagrado recato da menina Joacine. De seguida, negou tudo
e, para pôr água na fervura, afirmou que os jornalistas padecem de “desordens
mentais” por culpa do “mercantilismo” ou assim. Não satisfeito, o almocreve,
que não sabe escrever em português e era leitor de português, explicou que a
“cultura de trabalho” da menina Joacine é “uma cultura de descanso, no sentido
intelectual do termo.” No sentido intelectual do termo, o almocreve não regula
bem. Algures no meio destes imbróglios, a menina Joacine falhou os prazos para
entregar uma proposta de alteração da lei da nacionalidade, decerto porque
cumpri-los colidia com a cultura do descanso.
Hoje, sexta-feira, não houve
novidades sobre o menino Rui, a menina Joacine e o almocreve, o que não augura
nada de bom, pelo menos no que toca ao divertimento do povo. Entretanto, um
menino fundador da associação fundada pelo menino Rui anunciou que ia embora,
notando que a decisão da saída, suponho que ao contrário da entrada, “não foi
fácil nem leviana”. Um segundo menino fundador da associação fundada pelo
menino Rui confessou sentir “vergonha” da “telenovela”. Eu não sinto vergonha:
sinto falta. Mais, por favor.
COMENTÁRIO
Joaquim Almeida: Delicioso!