Tempo de Mário de Sá Carneiro, a definir-nos: Eu não sou eu nem sou o
outro, Sou qualquer coisa de
intermédio: Pilar da ponte de tédio Que vai de mim para o Outro.
A não ser que /premium
O país está civilizacionalmente a
deslassar mas no “espírito do tempo” o único factor não deslassado é o
policiamento do pensar e a urgência de agir segundo mandamentos e cânones
radicais.
MARIA JOÃO AVILLEZ OBSERVADOR,30
out 2019
1 A
metade do país que mora à direita do PS saiu com pouco tecto e chão movediço
destas eleições. Entre o desastre e a abstenção conclui-se que talvez
mais de dois milhões de portugueses não tenha quem os represente politicamente.
O
PSD? Não me parece. O CDS? Está em extinção. A Iniciativa Liberal? Seduz mas
precisa de tempo e assinatura. O Chega? Melhor não, embora atraia. Marcelo?
Nunca esteve para aí virado (só se não vier a ter outro remédio, devido ao
lugar político onde vai querer deixar os seus).
E
assim sendo, a pergunta não me surge como ociosa: quem
representa hoje politicamente aqueles que não se sentem representados pelo
estado de coisas vigente?
2 Detalhando:
tanto quanto se observou, o PSD de Rui Rio preferirá sempre o conforto amorfo do centro. Um poiso
de eleição. O alcance político de liderar uma frente que federasse com visão e
substancia toda a direita inscrevendo-a num bloco e conduzindo-o, é coisa que
não puxa nem comove Rui Rio. Pelo
contrário: agirá por si, sozinho, dançando por vezes com Costa se este achar
conveniente convidá-lo para uma valsa patriótica. O CDS vai fazer tudo como se não estivesse em extinção – um
Congresso, outro líder, um novo programa, algum assomo de resistência — mas a
irreversível contagem decrescente em que entrou a 6 de Outubro, mostrará a
dificuldade do gesto. A Iniciativa
Liberal tem
de mostrar que não é um epifenómeno simpático, magna empreitada. A sua campanha
desenvolta e imaginativa, a escolha inteligente de bandeiras indispensáveis
como a necessidade crucial de mexer na carga fiscal é um bom principio. Faltam
os outros.
O Chega, pelo contrário, não é um epifenómeno e só não o via
chegar quem não queria. Faz hoje um arranjão á esquerda que o amplifica quanto
pode, convencida que o ácido sulfúrico que lhe deita para cima o fará vergar ou
ao menos minguar. Não fará nem uma coisa, nem outra, André Ventura —
mais estruturado do que a esquerda admite e lhe consente — destoa o suficiente
do “boneco” que dele se vende para que a caricatura se virasse ao contrário:
quem vilipendia Ventura da forma ficcional como o faz, provoca mais aflição do
que o medo que ele pode (?) fazer. É obra!
O certo porém é que se a entrada de
dois-deputados-dois, no espaço à direita do PS provocou um quase imperceptível
outro “ar” — no parlamento, na discussão política, nos écrans — tudo isso
contará pouco ou nada para a saúde da direita se ela não se juntar e reinventar
politicamente. Cuidando
do que deve ser cuidado, que o mesmo é dizer travando a meticulosa corrosão dos
alicerces culturais e civilizacionais do que fomos e somos. De outra forma, não
só o PS — hoje já indestrinçável do Estado — nos “ocupará” até à eternidade,
como uma considerável parte do país continuará fora do circuito
político-partidário (à espera dos melhores dias que se encarregará de
formatar). Até lá estará á margem da escolha e da decisão políticas, de fora do
próprio destino do país. Uns, por orfandade, outros por inteira falta de
identificação com o que “está”. Mas quando alguém voluntariamente prefere
exilar — se ou procura a expatriação intramuros, há que perceber porquê e
depois tirar conclusões, algumas incómodas. Estamos a meio caminho disso.
3 Sobre
tudo isto – que é triste – há o
ambiente em que se vive, obviamente não alheio ao fastio de muita gente pelos
pratos políticos servidos. Extraordinário
ambiente. Não me lembro de tempos assim, tingidos por uma perturbação no seio
da qual, de repente, qualquer ser racional já compreendeu que tudo — do mais
imbecil ao mais indecente, passando pelo mais nocivo — pode acontecer. Com
glória e aclamação. Anda-se às apalpadelas numa sociedade de contornos
subitamente dificilmente reconhecíveis: pelo que impõe, pelo que subverte, pelo
que inscreve como norma, pelo que passou a vigorar como comum. Não há
referências para a transformação em factos consumados de certas “estranhezas”
com aliás pouca tradição entre nós — o país de um dia para o outro dividido entre
racistas de um lado e antirracistas do outro? — nem acaba a perplexidade face á
facilidade da sua entrada em cena: muito pior do que as continuadas “acusações”
de que o comum dos mortais tem sido alvo; do que as constantes intimações à vergonha
pelo nosso passado com apressadas novas versões da nossa identidade nacional a
serem distribuídas na escola pública; do que o triunfo arrogante de certos
novos costumes, é o efeito disso num país indiferente. E o seu poder de
contaminação numa sociedade civil alheada. Qualquer dia alguém se lembrará de
mandar rasgar a bandeira, pondo expeditamente outra “a uso” ou aumentará os
decibéis do tom em que evolui o debate público, a troca de gravíssimos insultos
e obscenas acusações, o ódio e o acinte, sem que ninguém pestaneje. O país
está civilizacionalmente a deslassar mas no “espírito do tempo” o único factor
não deslassado é o policiamento do pensar e a urgência de agir segundo novos
mandamentos e cânones radicais (muitos não votados) e de novo me espanto por
não saber o que mais surpreende, se o activo controlo exercido sobre quem não
os professa ou pratica, se a indiferença sonolenta que os acolhe.
4 A
não ser que. A não ser que não seja bem assim e aquilo que confundo com
sonolência ou desinteresse seja afinal uma forma de indignação. Uma muda,
inorgânica recusa ao actual estado da política e que a recusa um dia veja a luz
do dia. Não já através dos partidos tradicionais ou “antigos” mas em novas
formas de organização partidária, nos novíssimos acabados de aterrar, em outros
que venham a surgir mas com os quais haja o que deixou de haver: uma convicta
identificação que conduza a uma representação política, digna desse nome. E
nesse sentido – mas não sei — podemos estar a assistir a algo de novo, mesmo
que ainda muito incipientemente novo. Como aquela ligeira corrente de ar a que
aludi acima, trazida para o palco da política por duas caras novas fora de um
jogo já muito jogado. Um jogo exausto e cediço onde muito provavelmente
também se inclui o resto, que já pouco convoca: as (tíbias) elites, os
senadores desactivados, as associações que se consentiram a si mesmas perder a
voz e a influência no país, uma media complacente ou jubilosamente complacente,
uma sociedade civil amorfa. E um país a necessitar de ser outro.
COMENTÁRIOS:
O Serrano: É realmente triste ver um país a desfazer-se culturalmente, moralmente,
economicamente, a ser cada vez mais o último dos últimos da Europa e não
aparecer quase ninguém, como MJA, a dizer que o rei vai nu, que Portugal
degrada-se a olhos vistos e muito depressa. O PR, segundo dizem uma
inteligência brilhante, anda numa alegria esfusiante desde que foi eleito,
embora pareça, há uns 3 ou 4 meses, estar a ficar menos agitado o que me dá
ainda uma certa esperança em ouvi-lo, assim como outra gente importante, as
ditas personalidades, a começarem a clarear publicamente estas águas turvas que
a geringonça trouxe, contra esta euforia - gostava bem de saber o que realmente
justifica este tão grande contentamento, que fez a geringonça de concreto para
isso: reversões? Isso do género ?
As lésbicas e mais não sei quê? A vergonha pela nossa História? As novas
disciplinas muito formativas na escola pública? As barrigas de aluguer? A
eutanásia ? A adopção por casais de homossexuais, de lésbicas e mais ainda por
uns outros que para aí andam, mas que agora não me lembro da designação? Sim,
porque vendo bem da sua responsabilidade para além do aumento da carga fiscal,
da degradação dos serviços públicos, a diminuição do desemprego foi obra de
privados, porque emprego criado pelo Estado foi zero (não falo nos
lugarzinhos para a rapaziada do partido). Conheci um que só queria a cabeça
para botar o boné, parece que cada vez há mais cabeças que só servem mesmo para
o boné...
Manuela Alves: Concordo com muíto do que diz. Em relação à IL, entendo que não tem
qualquer relevância para a reconstrução que à direita tem que ser feita; tem
muito pouca probabilidade de vir a sedimentar-se no espectro partidário
nacional e, de certa forma, retarda até e obsta à reconstrução da direita. Que
passará inevitavelmente pela dispersão do CDS no PSD, pela purga dos
socialistas dos interesses do seio do PSD e pela fusão deste com o CHEGA, sob
uma liderança credível. Os tipos da IL, são na verdade, intrínseca e
estruturalmente, membros do bloco de esquerda, apaixonados defensores da
morte e do hedonismo como cultura, cuja não adesão efectiva aquele grupelho,
fascista e totalitário, se não deu ainda pela simples razão de que, tratando-se
de betinhos-benzinho-na-vidoca, sentem algum receio de que os pouco-lavados
esquerdopatas, se afiambrem ao seu bem-estar material com uma intensidade que
não querem tolerar. Quanto mais rápido a IL deixar de fingir, para efeitos
eleitorais, ser um espaço de direita, o que, aliás, de pronto nega, logo que
eleita, melhor para toda a gente não socialista. Sei
que é seu amigo, mas lamento que se coíba de apontar aqui, com todas as letras,
o maior, se não único, responsável, e não só por inacção, pelo que, e muito
bem, chama de deslassar civilizacional do país. E que, na verdade, representa
uma efectiva ameaça existencial para a nossa Nação. A saber: o populista e
demagogo, irresponsável PR, Rebelo de Sousa.
António Sennfelt: Excelente! A não ser que é pena que o pé, volta não volta, lhe escorregue
para o chinelo do panegírico!
Maria João: Esses seus números precisam de
ser revistos. (PSD+CDS+Chega+IL+ Aliança), representam apenas um terço dos
portugueses ou mais exactamente 35,33%. Ou, se preferir ainda, representam
APENAS 1.855.472 votos. Todos JUNTOS valem MENOS do que o partido que ganhou as
eleições, SOZINHO: 1.908.036 votos
José Montargil: "indiferença sonolenta ", Que remédio!!! Com
este governo, com este partido governamental vou ali e já venho. Quem não é de
esquerda e abomina o politicamente correcto que pode fazer senão afastar-se,
desinteressar-se do fluir da política e da vida portuguesa. Quando assistimos
em Portugal a uma mexicanização do regime, sim isto é um regime não é uma
democracia europeia. mexicanização: Na linguagem política, este
termo indica o modo de um partido se perpetuar no Poder através de fraudes
eleitorais, influência de caciques e concessão de estímulos mais ou menos
legais aos eleitores, o que se traduz na obtenção dos votos da maioria em
sucessivas eleições. Há quem classifique esta fórmula como "ditadura
reformista" ou "ditadura eleitoral". in Ciberdúvidas da
Língua Portuguesa.
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