E nós, cá longe, sempre no embaraço
económico, com que vamos descobrindo as mudanças de que nos vão advertindo, terríficas
se realmente acontecerem… Revigora-nos, ao menos, na nossa ignorância em
choque, a frase da análise política de Teresa de Sousa, que nos presenteia com a ideia da França que sempre
admirámos, porque dela sempre nos veio o prazer das suas energias de saber que nos
foi servindo, generosamente, no nosso percurso cultural, de país marginal: «A França, de país do malaise e da
estagnação económica, recuperou o seu papel de charneira da integração
europeia, a sua economia comporta-se bem, o debate político que a atravessa
ecoa as dificuldades vividas pelas democracias liberais, abertas e
multiculturais» Desejamos-lhe sorte. Afinal, foi a pátria moderna da
democracia.
ANÁLISE: Macron e a nova questão alemã
Na sua longa e imperdível entrevista à
Economist, Macron tem razão na análise, mas vai longe demais nas conclusões.
TERESA DE SOUSA
PÚBLICO, 10 de Novembro de 2019
1.É
de leitura obrigatória a longa entrevista de Emmanuel Macron à Economist, com uma versão integral em francês, um editorial, um
resumo e ainda a capa da prestigiada revista britânica, conhecida por nunca
desperdiçar o seu precioso espaço. O Presidente francês é hoje uma
figura central para o destino europeu, o qual, como ele explica sem meias
palavras, nunca esteve tão próximo do desastre. A França, de país do malaise e da estagnação
económica, recuperou o seu papel de charneira da integração europeia, a sua
economia comporta-se bem, o debate político que a atravessa ecoa as dificuldades
vividas pelas democracias liberais, abertas e multiculturais.
Com
um conhecimento profundo do mundo, com o seu estilo polémico e voluntarista, a
leitura da entrevista é particularmente refrescante porque nos afasta da "conversa
mole” a que Bruxelas e os seus tecnocratas nos habituaram, que deixou há muito
de ter alguma coisa a ver com a realidade, fechada sobre si própria numa bolha
em que a política e a geopolítica têm cada vez mais dificuldade em penetrar,
onde tudo está sempre bem, fixada num tempo que já lá vai em que a Europa era o
modelo de integração para o mundo. Espera-se que Von der Leyen consiga
abrir algumas janelas para deixar entrar o ar.
O diagnóstico
pessimista que faz da situação em que a Europa se encontra, face a
um mundo que mudou radicalmente nos últimos dez anos, consegue até impressionar
os habitualmente críticos jornalistas da revista que o visitaram no Eliseu. A Europa
está perante um desastre inevitável e o sério risco de desaparecer da História,
se não tomar rapidamente consciência dessas mudanças radicais e agir em
conformidade. Dá particular ênfase à mudança que se operou na forma como os EUA
olham para o mundo, que Trump colocou em evidência de forma brutal, mas que
começou antes, quando Obama se declarou um “Presidente do Pacifico”, admitiu a
ideia de um G2 e deixou cair o Médio Oriente, olhando para a relação
transatlântica como uma poderosa parceria económica capaz de conter a expansão
chinesa. Tudo isto, claro, antes que a Rússia o obrigasse a
regressar a uma realidade muito mais complexa e que a Síria se transformasse
num desafio que tentou ignorar. Obama nunca pôs em causa a União Europeia e
a NATO, enquanto alicerces fundamentais da liderança americana no mundo. Trump
não vê o mínimo interesse numa e noutra.
É o primeiro Presidente americano depois da Guerra para o qual duas das
instituições internacionais cuja criação a América incentivou e liderou não têm
qualquer valor.
2. Macron
tem razão na análise. Mas vai longe demais nas conclusões. Nomeadamente, aquela que foi parar às manchetes da
imprensa europeia: "A NATO está em morte cerebral.” Merkel foi a primeira a vir dizer
publicamente que não era essa a visão da Alemanha, que continuava a ver na
aliança militar a principal garantia de segurança do seu país. A maioria dos
aliados europeus subscreveria facilmente as suas palavras. Por muitas razões, entre as quais
uma, absolutamente pragmática:a
Europa não tem meios para garantir a sua própria segurança num contexto
regional de enorme instabilidade e quando as duas potências mais relevantes da
sua vizinhança, a Rússia e a Turquia, constituem, ainda que de formas
distintas, uma ameaça.
Macron, naturalmente,
não quer dissolver a NATO. Quer sim desenvolver mais depressa uma defesa
europeia autónoma, sem explicitar se deve ser construída no quadro da Aliança
Atlântica. Mas num ponto tem fundamentalmente razão. Com a emergência
rapidíssima da China e da sua pretensão a hegemonia mundial, e com a evolução
dos EUA, afastando se do seu papel de garante da ordem internacional, a Europa
tem de ser capaz de pensar estrategicamente, em vez de continuar ver o mundo
como se tudo se resumisse ao comércio e às virtudes do multilateralismo. Sem um
pensamento geopolítico e sem uma estratégia internacional. Crente, para além de
qualquer justificação, de que os mercados, com a sua bondade intrínseca,
continuam a ser a melhor forma de alocar recursos, de resolver os desafios
tecnológicos e de defender os seus interesses.
Macron leva
porventura demasiado longe a sua concepção de soberania europeia, que não
parece ser o melhor caminho para contrariar o proteccionismo que se instala em
Washington ou, sob a capa da defesa do comércio livre, em Pequim. Mas tem toda a razão, por exemplo, quando fala da Huawei, como se fosse a única solução à disposição
dos europeus para ter acesso ao 5G, hipotecando o futuro a uma empresa sujeita obviamente aos interesses do Estado
chinês, quando se trata de uma tecnologia
em que a Europa lidera, e da qual os EUA não dispõem, graças à Ericsson
e à Nokia.
3. Sem o dizer explicitamente, o seu maior
problema é ter do outro lado do Reno um parceiro estratégico
cada vez mais renitente. E
isso leva-nos justamente até Berlim, que nestes dias celebra, num
ambiente apenas meio festivo, a
queda do Muro e a reunificação da cidade, do país e da Europa, da
qual se foi tornando de novo o centro incontornável, sem que tivesse conseguido
consolidar uma estratégia europeia capaz de a tornar num pólo de unidade e de
estabilidade. É esse seu papel que parece estar hoje em causa internamente,
mesmo sem nos darmos conta.
Macron é implacável num único ponto: a crítica à defesa
intransigente de uma união económica e monetária ditada pela Alemanha e que a
beneficia mais do que a qualquer outro parceiro. O risco
maior é deixar que se crie dentro da zona euro uma divisão entre eternos
ganhadores e eternos perdedores que, se não for corrigida, acabará por destrui-la.
Há dias, o ministro social-democrata das Finanças, Olaf Scholz, surpreendeu
muita gente ao anunciar que Berlim está disponível para concluir a União
Bancária, aceitando o seu terceiro pilar, ou seja, uma garantia europeia dos
depósitos. Sem ele, aliás, a dita união serve de muito pouco. Pode ser um
sinal.
4. Mas
nem são estes os aspectos mais preocupantes do relativo mal-estar que se vive
hoje na Alemanha. A extrema-direita ganha cada vez mais terreno e, mesmo
que o seu sucesso seja mais evidente a Leste, não deixa de ter os seus fortes
redutos a Oeste. A
questão que se começa a colocar sobretudo na fase pós-Merkel é saber até quando
a CDU resistirá à tentação de
formar coligações de governo nos Lander onde a AfD é mais forte. Pior ainda, a extrema-direita alemã, com as
ameaças de morte aos líderes de partidos democráticos e a sua linguagem a roçar
por vezes o ódio, parece, por vezes, aproximar-se de uma barreira cuja
transposição acreditávamos ser absolutamente impossível na Alemanha.
Pouco
depois do atentado à
sinagoga em Halle, a DW publicava uma sondagem cujos resultados não deixavam de ser perturbadores: 25% dos
alemães consideram que os judeus têm demasiada influência na economia do país e
45% que falam demasiado no Holocausto.
A Europa não pode dispensar a
Alemanha. O risco que se coloca é que passe pela cabeça dos alemães que podem
dispensar a Europa. A
condescendência com que, nos anos da crise do euro, os políticos alemães,
incluindo a chanceler, alimentaram na opinião pública a ideia de que a generosa
Alemanha se estava a sacrificar de novo pelos perdulários irresponsáveis do
Sul, transferindo doses maciças de dinheiro, apenas serviu para criar ilusões
que hoje podem alimentar tentações irresponsáveis. Num recente artigo
publicado na Foreign Affairs, Robert Kagan resumia
assim a nova questão alemã numa frase, juntando a questão europeia à questão
transatlântica: "Se a Alemanha de hoje é um produto da ordem
liberal internacional, é tempo de pensar no que pode acontecer quando essa
ordem se desintegrar.” Descontando talvez algum exagero, a questão não deixa
de fazer sentido.
COMENTÁRIOS:
TM, 10.11.2019: Macron tem sem
dúvida razão em Praticamente tudo! E nunca tive dúvidas do seu papel enquanto
líder da UE. Mas a Alemanha que vai assumir a presidência do conselho europeu
no próximo ano tem o dever de elevar o jogo! O
Fim da NATO e o início de uma verdadeira defesa Europeia! Não há meio! Uma
política externa comum e mais um passo para a integração Europeia!
JonasAlmeida, 10.11.2019: Concordo com TdS
que esta entrevista a Macron no The Economist é para ser lida na íntegra e com
calma. Discordo completamente quando TdS diz que Macron "vai longe demais"
com a "morte cerebral da NATO". É um fantasma da guerra fria
concluída há 3 décadas onde se aninha hoje uma doença mais antiga. Se TdS se
passeasse com essa pergunta nos EUA onde visita a filha (Houston), saberia que
a NATO é tão mal vista nos EUA com o é na Turquia. A obsessão da UE
com espaços vitais a leste é sintoma de uma antiga doença exclusivamente
carolíngia.
... agora no "espera-se que Von der
Leyen consiga abrir algumas janelas para deixar entrar o ar" ficamos num
atoleiro cognitivo completo. Então a ministra da defesa Alemã é tirada da
cartola para atropelar os spietzencandidaten com que o parlamento europeu
tentava um simulacro de democracia e daí virá "ar fresco"?! O
ridículo da farsa já vai na repetição Orwelliana do título de "presidente
eleita" com que ela insiste em ser nomeada na imprensa (tb no Público)
onde houve apenas a confirmação de uma nomeação por um parlamento que tinha
acabado de demonstrar que nem isso era. Nós não chamamos a Marcelo (ou a
Macron) "presidente eleito". Dizemos apenas "presidente
Marcelo". Da mesma forma não chamamos "presidenta eleita von der
Leyen", dizemos apenas "palhaçada", certamente não "ar
fresco"!
... antes que os acólitos do europeismo
comecem aos berros digam antes quem eram os outros candidatos que foram a votos
com a "presidente eleita".
joaocpedro,
10.11.2019: Idiotices
fresquinhas. Primeiro nos EUA chamam "president elect" entre as
eleições e a tomada de posse. Segundo ela foi nomeada pelo Conselho Europeu, ou
seja, pelos chefes de todos os governos da UE (que são eleitos pelos eleitores
em cada país). Depois o nome dela foi submetido a sufrágio no Parlamento
Europeu, no qual votam deputados directamente eleitos em todos países-membros.
JonasAlmeida, 10.11.2019: A minha pergunta
era muito simples, repito-a: quem eram os outros candidatos que foram a votos
com a "presidente eleita"?
Joao, 10.11.2019: Eu cá resisto em
ir em cantigas caro Jonas. O Macron diz umas verdades sobre a Nato na exacta
medida em que quer catapultar uma força militar que lhe sirva melhor nas
intervenções neo-coloniais como a sua ministra aqui no Público claramente
desvendou. A Teresa diz umas
meia verdades sobre o autoritarismo no covil que é Bruxelas na exacta medida
que quer catapultar um novo cavalo mais promissor que é o Macron. Etc.
TM, 10.11.2019: Nenhum candidato
foi a votos Jonas! O Presidente da Comissão Europeia não é eleito por voto directo!
A sua pergunta está respondida! Satisfeito? Ou a sua ignorância quanto ao
processo de eleição da Presidência da Comissão Europeia é assim tão grande? Mais
uma vez o Jonas começa a insultar! Já viu?
JonasAlmeida, 10.11.2019: Caro João, note
que eu não digo que concordo com o que Macron quer. Percebo perfeitamente que
ele quer um exército europeu para defender os interesses neocoloniais da França
no norte de África e ... sim, na própria Europa. Você nota certeiramente que a
ministra dele admite-o publicamente até aqui no Público. Afinal a invasão da
Líbia foi essencialmente de iniciativa Francesa. O que TdS pensa mas não diz
é que a militarização do eixo Franco-alemão vai tornar claro ao resto do
continente que só têm a perder em se associarem a um novo hegemon sediado em
Bruxelas. Mas nisso tb não digo nada que o João não nos avise aqui de
amiúde: estas panelinhas carolíngias não nos servem em absolutamente nada. Um
completo atraso de vida estes aprendizes de Napoleão e seus apaniguados.
TM, 10.11.2019: Eu mal posso esperar por um exército
europeu e uma forma de defesa verdadeiramente europeia! Ahahah
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