quarta-feira, 20 de novembro de 2019

Novos dados, novas complicações…



E nós, cá longe, sempre no embaraço económico, com que vamos descobrindo as mudanças de que nos vão advertindo, terríficas se realmente acontecerem… Revigora-nos, ao menos, na nossa ignorância em choque, a frase da análise política de Teresa de Sousa, que nos presenteia com a ideia da França que sempre admirámos, porque dela sempre nos veio o prazer das suas energias de saber que nos foi servindo, generosamente, no nosso percurso cultural, de país marginal: «A França, de país do malaise e da estagnação económica, recuperou o seu papel de charneira da integração europeia, a sua economia comporta-se bem, o debate político que a atravessa ecoa as dificuldades vividas pelas democracias liberais, abertas e multiculturais» Desejamos-lhe sorte. Afinal, foi a pátria moderna da democracia.
ANÁLISE: Macron e a nova questão alemã
Na sua longa e imperdível entrevista à Economist, Macron tem razão na análise, mas vai longe demais nas conclusões.
TERESA DE SOUSA
PÚBLICO, 10 de Novembro de 2019
1.É de leitura obrigatória a longa entrevista de Emmanuel Macron à Economist, com uma versão integral em francês, um editorial, um resumo e ainda a capa da prestigiada revista britânica, conhecida por nunca desperdiçar o seu precioso espaço. O Presidente francês é hoje uma figura central para o destino europeu, o qual, como ele explica sem meias palavras, nunca esteve tão próximo do desastre. A França, de país do malaise e da estagnação económica, recuperou o seu papel de charneira da integração europeia, a sua economia comporta-se bem, o debate político que a atravessa ecoa as dificuldades vividas pelas democracias liberais, abertas e multiculturais.
Com um conhecimento profundo do mundo, com o seu estilo polémico e voluntarista, a leitura da entrevista é particularmente refrescante porque nos afasta da "conversa mole” a que Bruxelas e os seus tecnocratas nos habituaram, que deixou há muito de ter alguma coisa a ver com a realidade, fechada sobre si própria numa bolha em que a política e a geopolítica têm cada vez mais dificuldade em penetrar, onde tudo está sempre bem, fixada num tempo que já lá vai em que a Europa era o modelo de integração para o mundo. Espera-se que Von der Leyen consiga abrir algumas janelas para deixar entrar o ar.
O diagnóstico pessimista que faz da situação em que a Europa se encontra, face a um mundo que mudou radicalmente nos últimos dez anos, consegue até impressionar os habitualmente críticos jornalistas da revista que o visitaram no Eliseu. A Europa está perante um desastre inevitável e o sério risco de desaparecer da História, se não tomar rapidamente consciência dessas mudanças radicais e agir em conformidade. Dá particular ênfase à mudança que se operou na forma como os EUA olham para o mundo, que Trump colocou em evidência de forma brutal, mas que começou antes, quando Obama se declarou um “Presidente do Pacifico”, admitiu a ideia de um G2 e deixou cair o Médio Oriente, olhando para a relação transatlântica como uma poderosa parceria económica capaz de conter a expansão chinesa. Tudo isto, claro, antes que a Rússia o obrigasse a regressar a uma realidade muito mais complexa e que a Síria se transformasse num desafio que tentou ignorar. Obama nunca pôs em causa a União Europeia e a NATO, enquanto alicerces fundamentais da liderança americana no mundo. Trump não vê o mínimo interesse numa e noutra. É o primeiro Presidente americano depois da Guerra para o qual duas das instituições internacionais cuja criação a América incentivou e liderou não têm qualquer valor.
2. Macron tem razão na análise. Mas vai longe demais nas conclusões. Nomeadamente, aquela que foi parar às manchetes da imprensa europeia: "A NATO está em morte cerebral.” Merkel foi a primeira a vir dizer publicamente que não era essa a visão da Alemanha, que continuava a ver na aliança militar a principal garantia de segurança do seu país. A maioria dos aliados europeus subscreveria facilmente as suas palavras. Por muitas razões, entre as quais uma, absolutamente pragmática:a Europa não tem meios para garantir a sua própria segurança num contexto regional de enorme instabilidade e quando as duas potências mais relevantes da sua vizinhança, a Rússia e a Turquia, constituem, ainda que de formas distintas, uma ameaça.
Macron, naturalmente, não quer dissolver a NATO. Quer sim desenvolver mais depressa uma defesa europeia autónoma, sem explicitar se deve ser construída no quadro da Aliança Atlântica. Mas num ponto tem fundamentalmente razão. Com a emergência rapidíssima da China e da sua pretensão a hegemonia mundial, e com a evolução dos EUA, afastando se do seu papel de garante da ordem internacional, a Europa tem de ser capaz de pensar estrategicamente, em vez de continuar ver o mundo como se tudo se resumisse ao comércio e às virtudes do multilateralismo. Sem um pensamento geopolítico e sem uma estratégia internacional. Crente, para além de qualquer justificação, de que os mercados, com a sua bondade intrínseca, continuam a ser a melhor forma de alocar recursos, de resolver os desafios tecnológicos e de defender os seus interesses.
Macron leva porventura demasiado longe a sua concepção de soberania europeia, que não parece ser o melhor caminho para contrariar o proteccionismo que se instala em Washington ou, sob a capa da defesa do comércio livre, em Pequim. Mas tem toda a razão, por exemplo, quando fala da Huawei, como se fosse a única solução à disposição dos europeus para ter acesso ao 5G, hipotecando o futuro a uma empresa sujeita obviamente aos interesses do Estado chinês, quando se trata de uma tecnologia em que a Europa lidera, e da qual os EUA não dispõem, graças à Ericsson e à Nokia.
3. Sem o dizer explicitamente, o seu maior problema é ter do outro lado do Reno um parceiro estratégico cada vez mais renitente. E isso leva-nos justamente até Berlim, que nestes dias celebra, num ambiente apenas meio festivo, a queda do Muro e a reunificação da cidade, do país e da Europa, da qual se foi tornando de novo o centro incontornável, sem que tivesse conseguido consolidar uma estratégia europeia capaz de a tornar num pólo de unidade e de estabilidade. É esse seu papel que parece estar hoje em causa internamente, mesmo sem nos darmos conta.
Macron é implacável num único ponto: a crítica à defesa intransigente de uma união económica e monetária ditada pela Alemanha e que a beneficia mais do que a qualquer outro parceiro. O risco maior é deixar que se crie dentro da zona euro uma divisão entre eternos ganhadores e eternos perdedores que, se não for corrigida, acabará por destrui-la. Há dias, o ministro social-democrata das Finanças, Olaf Scholz, surpreendeu muita gente ao anunciar que Berlim está disponível para concluir a União Bancária, aceitando o seu terceiro pilar, ou seja, uma garantia europeia dos depósitos. Sem ele, aliás, a dita união serve de muito pouco. Pode ser um sinal.
4. Mas nem são estes os aspectos mais preocupantes do relativo mal-estar que se vive hoje na Alemanha. A extrema-direita ganha cada vez mais terreno e, mesmo que o seu sucesso seja mais evidente a Leste, não deixa de ter os seus fortes redutos a Oeste. A questão que se começa a colocar sobretudo na fase pós-Merkel é saber até quando a CDU resistirá à tentação de formar coligações de governo nos Lander onde a AfD é mais forte. Pior ainda, a extrema-direita alemã, com as ameaças de morte aos líderes de partidos democráticos e a sua linguagem a roçar por vezes o ódio, parece, por vezes, aproximar-se de uma barreira cuja transposição acreditávamos ser absolutamente impossível na Alemanha.
Pouco depois do atentado à sinagoga em Halle, a DW publicava uma sondagem cujos resultados não deixavam de ser perturbadores: 25% dos alemães consideram que os judeus têm demasiada influência na economia do país e 45% que falam demasiado no Holocausto.
A Europa não pode dispensar a Alemanha. O risco que se coloca é que passe pela cabeça dos alemães que podem dispensar a Europa. A condescendência com que, nos anos da crise do euro, os políticos alemães, incluindo a chanceler, alimentaram na opinião pública a ideia de que a generosa Alemanha se estava a sacrificar de novo pelos perdulários irresponsáveis do Sul, transferindo doses maciças de dinheiro, apenas serviu para criar ilusões que hoje podem alimentar tentações irresponsáveis. Num recente artigo publicado na Foreign Affairs, Robert Kagan resumia assim a nova questão alemã numa frase, juntando a questão europeia à questão transatlântica: "Se a Alemanha de hoje é um produto da ordem liberal internacional, é tempo de pensar no que pode acontecer quando essa ordem se desintegrar.” Descontando talvez algum exagero, a questão não deixa de fazer sentido.
COMENTÁRIOS:
TM, 10.11.2019: Macron tem sem dúvida razão em Praticamente tudo! E nunca tive dúvidas do seu papel enquanto líder da UE. Mas a Alemanha que vai assumir a presidência do conselho europeu no próximo ano tem o dever de elevar o jogo! O Fim da NATO e o início de uma verdadeira defesa Europeia! Não há meio! Uma política externa comum e mais um passo para a integração Europeia!
JonasAlmeida, 10.11.2019: Concordo com TdS que esta entrevista a Macron no The Economist é para ser lida na íntegra e com calma. Discordo completamente quando TdS diz que Macron "vai longe demais" com a "morte cerebral da NATO". É um fantasma da guerra fria concluída há 3 décadas onde se aninha hoje uma doença mais antiga. Se TdS se passeasse com essa pergunta nos EUA onde visita a filha (Houston), saberia que a NATO é tão mal vista nos EUA com o é na Turquia. A obsessão da UE com espaços vitais a leste é sintoma de uma antiga doença exclusivamente carolíngia.
... agora no "espera-se que Von der Leyen consiga abrir algumas janelas para deixar entrar o ar" ficamos num atoleiro cognitivo completo. Então a ministra da defesa Alemã é tirada da cartola para atropelar os spietzencandidaten com que o parlamento europeu tentava um simulacro de democracia e daí virá "ar fresco"?! O ridículo da farsa já vai na repetição Orwelliana do título de "presidente eleita" com que ela insiste em ser nomeada na imprensa (tb no Público) onde houve apenas a confirmação de uma nomeação por um parlamento que tinha acabado de demonstrar que nem isso era. Nós não chamamos a Marcelo (ou a Macron) "presidente eleito". Dizemos apenas "presidente Marcelo". Da mesma forma não chamamos "presidenta eleita von der Leyen", dizemos apenas "palhaçada", certamente não "ar fresco"!
... antes que os acólitos do europeismo comecem aos berros digam antes quem eram os outros candidatos que foram a votos com a "presidente eleita".
joaocpedro, 10.11.2019: Idiotices fresquinhas. Primeiro nos EUA chamam "president elect" entre as eleições e a tomada de posse. Segundo ela foi nomeada pelo Conselho Europeu, ou seja, pelos chefes de todos os governos da UE (que são eleitos pelos eleitores em cada país). Depois o nome dela foi submetido a sufrágio no Parlamento Europeu, no qual votam deputados directamente eleitos em todos países-membros.
JonasAlmeida, 10.11.2019: A minha pergunta era muito simples, repito-a: quem eram os outros candidatos que foram a votos com a "presidente eleita"?
Joao, 10.11.2019: Eu cá resisto em ir em cantigas caro Jonas. O Macron diz umas verdades sobre a Nato na exacta medida em que quer catapultar uma força militar que lhe sirva melhor nas intervenções neo-coloniais como a sua ministra aqui no Público claramente desvendou. A Teresa diz umas meia verdades sobre o autoritarismo no covil que é Bruxelas na exacta medida que quer catapultar um novo cavalo mais promissor que é o Macron. Etc.
TM, 10.11.2019: Nenhum candidato foi a votos Jonas! O Presidente da Comissão Europeia não é eleito por voto directo! A sua pergunta está respondida! Satisfeito? Ou a sua ignorância quanto ao processo de eleição da Presidência da Comissão Europeia é assim tão grande? Mais uma vez o Jonas começa a insultar! Já viu?
JonasAlmeida, 10.11.2019: Caro João, note que eu não digo que concordo com o que Macron quer. Percebo perfeitamente que ele quer um exército europeu para defender os interesses neocoloniais da França no norte de África e ... sim, na própria Europa. Você nota certeiramente que a ministra dele admite-o publicamente até aqui no Público. Afinal a invasão da Líbia foi essencialmente de iniciativa Francesa. O que TdS pensa mas não diz é que a militarização do eixo Franco-alemão vai tornar claro ao resto do continente que só têm a perder em se associarem a um novo hegemon sediado em Bruxelas. Mas nisso tb não digo nada que o João não nos avise aqui de amiúde: estas panelinhas carolíngias não nos servem em absolutamente nada. Um completo atraso de vida estes aprendizes de Napoleão e seus apaniguados.
TM, 10.11.2019: Eu mal posso esperar por um exército europeu e uma forma de defesa verdadeiramente europeia! Ahahah


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