sábado, 16 de novembro de 2019

Sem exames será pior



Com ironia ou com seriedade críticas mas afinal com desassombro, alguns articulistas da nossa imprensa escrita foram ousando, ao longo destes tempos de abertura democrática, abrir caminhos de opinião contrários às tendências manipuladoras daquela e esse será sempre um motivo do nosso apreço. Tal é este parecer de João Miguel Tavares defendendo Passos Coelho na questão da pretensa atitude de subserviência deste perante os representantes da Troika – ao contrário da atitude aparentemente desempoeirada de António Costa, junto dos parlamentares europeus, já desaparecida a Troika, atitude reveladora, para mim, antes, de uma consciência atrevida, nos seus sorrisinhos hipócritas a buscar simpatia, junto dos europeus seguros do seu poder, acolhendo-o com indiferença ou intimamente desprezando-o pelo seu inqualificável procedimento usurpador, a quando das eleições de 2015. Não, não há comparação possível, em termos de seriedade e ainda bem que JMT o demonstra, com a habitual galhardia.
Quanto a Vasco Pulido Valente, experimentado e sábio, vai-se e vai-nos divertindo com as suas opiniões reveladoras da sua elasticidade mental, que bem despreza o submundo com que Camilo, que cita, iniciou o seu percurso literário - “Maria, não me mates, que sou tua mãe” – das nossas escrófulas sociais, que permanecem, é claro.
I - OPINIÃO: Porque é que Passos Coelho assusta tanta gente
Quatro anos após deixar o governo, ainda se sente com demasiada frequência – sobretudo por parte da esquerda, mas também dentro do PSD – um desejo de aniquilar o legado de Passos como um todo
JOÃO MIGUEL TAVARES
PÚBLICO, 16 de Novembro de 2019
Este texto é o cumprir de uma promessa a um leitor. Há dez dias assinei um artigo intitulado “A força com que fechamos os olhos”, cuja tese era esta: o Portugal do respeitinho e dos Donos Disto Tudo, que foi profundamente abalado nos tempos de Passos Coelho, está cheiinho de vontade de regressar. Como de costume, vários leitores atacaram esse meu argumento contrapondo com a postura submissa do governo PSD-CDS perante a .troika, a suposta subserviência às instâncias europeias, e outras críticas sortidas às políticas económicas de Passos Coelho e Vítor Gaspar.
Ora, isto é uma enorme misturada de assuntos completamente distintos. Na caixa de comentários desse artigo, alertei para aquilo que é uma confusão recorrente: “Uma coisa são os constrangimentos e as pressões externas e a forma como o governo Passos lhes deu resposta (‘ir além da troika’, e outras que tal). Outra coisa é a forma como o governo Passos (sobretudo na era pós-Relvas) lidou com a comunicação social, a justiça e os poderes económicos do tipo Salgado. Nesse particular, vivemos, de facto, os tempos mais arejados da nossa democracia.Foi na sequência desta troca de argumentos que prometi um artigo sobre o tema, que me parece essencial para perceber porque é que há tanta gente a defender ainda hoje o legado de Passos Coelho, entre as quais eu me incluo.
Aquilo que me interessa discutir não é, pois, a relação do governo Passos com a troika, nem as suas políticas económicas entre 2011 e 2015 – esses são temas que estarão sempre sujeitos a grandes divergências ideológicas, como é natural. Aquilo que me interessa discutir é a postura de Passos perante a justiça, perante a comunicação social e perante o poder económico do tipo DDT, postura essa que deveria preceder as ideologias, na medida em que ela assenta na defesa de um estado de Direito com poderes separados, um governo devidamente escrutinado e o respeito absoluto pela acção das instituições que vigiam o ramo executivo. Neste ponto, Passos Coelho, com a ajuda de ministros como Miguel Poiares Maduro (que fez um esforço tremendo para desgovernamentalizar a RTP) e Paula Teixeira da Cruz (que defendeu o nome de Joana Marques Vidal para PGR) foi realmente exemplare esse exemplo deveria ser reconhecido por todos, independentemente de se ser de esquerda ou de direita.
Infelizmente, não é isso que vejo. Há dias, em entrevista ao Observador, Carlos Moedas referiu a existência de uma “permanente obsessão em desumanizar a figura de Passos Coelho”, que “quase” o “põe doido”. Eu partilho desse sentimento. Basta ver como foram digeridas no espaço público duas frases quase iguais de Passos e de António Costa sobre a possibilidade de os de Português ensinarem fora do país. Quando foi Passos a dizê-la, tratou-se de um miserável convite à emigração. Quando foi Costa, tratou-se de um bonito convite ao desenvolvimento profissional do docente e ao aproveitamento de oportunidades financeiramente vantajosas.
Quatro anos após deixar o governo, ainda se sente com demasiada frequência – sobretudo por parte da esquerda, mas também dentro do PSD – um desejo de aniquilar o legado de Passos como um todo, e aquilo que ele representou durante quatro anos duríssimos, onde errou em muita coisa, mas se manteve firme no essencial. Felizmente, os portugueses não são parvos, e é por essa razão que Passos continua a deter um enorme capital político, mesmo levando já dois anos sem quase abrir a boca.

II - OPINIÃO: Diário
Vão ser admiráveis as discussões parlamentares sobre os princípios teóricos da “progressão” e da “retenção”. Tenho pena de não assistir e mais pena ainda de não participar. Ia ser muito divertido.
VASCO PULIDO VALENTE
PÚBLICO, 16 de Novembro de 2019
10 de Novembro: Eu, Luís Montenegro, católico, português, resolvi dedicar os próximos doze anos da minha vida a salvar a Pátria e prometo, pela alma da minha mãezinha, ganhar as próximas eleições, o governo de Portugal, as eleições seguintes, mais quatro anos de governo, o restabelecimento do monopólio da pimenta, a tomada de Ormuz, a descoberta da relatividade, e a minha entrada triunfal na lista da Forbes como a maior fortuna do mundo”. Graças a Deus pelo PSD.
11 de Novembro: Desde o I Governo constitucional que os grandes partidos, interpretando erroneamente a morte da I República, se preocuparam em pôr uma rolha regimental aos pequenos. Isto foi mais visível à esquerda do que à direita por duas razões. Primeiro, por causa das excitações revolucionárias de Abril. E, segundo, por causa do carácter doutrinário da esquerda: lembremos que o Partido Socialista só renunciou ao marxismo programático nos anos 80 e que sofreu de facto uma cisão, a dos saudosos Aires Rodrigues e Carmelinda Pereira; e que também o PC teve de se haver com vários “autênticos partidos do proletariado”.
Claro que, em boa doutrina, os pequenos partidos parlamentares deviam ter o tempo que quisessem. Mas não se trata disso. Nem do imaginário perigo da extrema-direita. Do que se trata é de anular dois deputados do PS ou do PSD que amanhã resolvam constituir-se num partido. Nenhum dos partidos do regime – e conto o Bloco entre os partidos do regime – poderia viver sob tal ameaça.
Desta perspectiva, o que sucedeu agora foi uma aberração. Ferro Rodrigues lá sabe.
13 de Novembro: O senhor primeiro-ministro decidiu por sua alta recreação que não haveria “chumbos” até ao 9º ano de escolaridade. A isto se chama, no idioma “eduquês”, evitar a “retenção”. Não me pronuncio sobre o assunto, quanto mais não seja porque neste ponto já errei várias vezes e não há certezas absolutas. Noto apenas que os argumentos que valem para o 9º ano também valem para o 12º, a licenciatura, o mestrado e o doutoramento. Mas António Costa também remeteu Rui Rio para a bibliografia. Parece que o Conselho de Ministros, como José Sócrates, foi a Paris estudar sociologia da educação. E quer transformar a Assembleia da República num seminário.
Vão ser admiráveis as discussões parlamentares sobre os princípios teóricos da “progressão” e da “retenção”. Tenho pena de não assistir e mais pena ainda de não participar. Ia ser muito divertido.
14 de Novembro: A ortodoxia política pegou com pinças no episódio da mãe que abandonou o filho num ecoponto. Nos dias que vão correndo, toda a gente sabe que este género de histórias só é aproveitado pelo Correio da Manhã e pela televisão de cabo. E que as pessoas sérias não gostam de “explorações mediáticas”.
Mas, no meio do barulho, lembrei-me d’ Os Miseráveis e de como esse panfleto foi politicamente importante para o movimento republicano francês. E de como depois foi copiado em abundância por Eugène Sue (Les Mystères de Paris), por Ponson du Terrail (Les Drames de Paris) e até pelo nosso Camilo (Os Mistérios de Lisboa). Para bem ou para mal, o género ficou: a burguesia gostava de saber o que se passava nesse escuro mundo que existia ao lado dela. E ainda hoje o fenómeno se replica com o jornalismo popular. A direita percebeu isto, e a esquerda não.
Colunista



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