Com ironia ou com seriedade críticas mas
afinal com desassombro, alguns articulistas da nossa imprensa escrita foram
ousando, ao longo destes tempos de abertura democrática, abrir caminhos de
opinião contrários às tendências manipuladoras daquela e esse será sempre um
motivo do nosso apreço. Tal é este parecer de João Miguel Tavares defendendo Passos
Coelho na questão da pretensa atitude de subserviência deste perante os
representantes da Troika – ao contrário da atitude aparentemente desempoeirada
de António Costa, junto dos
parlamentares europeus, já desaparecida a Troika, atitude reveladora, para mim,
antes, de uma consciência atrevida, nos seus sorrisinhos hipócritas a buscar
simpatia, junto dos europeus seguros do seu poder, acolhendo-o com indiferença
ou intimamente desprezando-o pelo seu inqualificável procedimento usurpador, a
quando das eleições de 2015. Não, não há comparação possível, em termos de
seriedade e ainda bem que JMT o demonstra,
com a habitual galhardia.
Quanto a Vasco Pulido Valente, experimentado e sábio, vai-se e vai-nos divertindo
com as suas opiniões reveladoras da sua elasticidade mental, que bem despreza o
submundo com que Camilo, que cita, iniciou o seu percurso literário - “Maria, não me mates, que sou tua mãe” –
das nossas escrófulas sociais, que permanecem, é claro.
I - OPINIÃO: Porque é que Passos Coelho
assusta tanta gente
Quatro anos após deixar o governo, ainda
se sente com demasiada frequência – sobretudo por parte da esquerda, mas também
dentro do PSD – um desejo de aniquilar o legado de Passos como um todo
JOÃO MIGUEL
TAVARES
PÚBLICO, 16 de
Novembro de 2019
Este
texto é o cumprir de uma promessa a um leitor. Há dez dias assinei um artigo
intitulado “A força com
que fechamos os olhos”, cuja tese
era esta: o Portugal do respeitinho e dos Donos Disto Tudo, que
foi profundamente abalado nos tempos de Passos
Coelho, está cheiinho de vontade de regressar. Como de costume,
vários leitores atacaram esse meu argumento contrapondo com a postura submissa
do governo PSD-CDS perante a .troika, a suposta subserviência às
instâncias europeias, e outras críticas sortidas às políticas económicas de
Passos Coelho e Vítor Gaspar.
Ora,
isto é uma enorme misturada de assuntos completamente distintos. Na caixa de
comentários desse artigo, alertei para aquilo que é uma confusão
recorrente: “Uma coisa são os constrangimentos e as pressões externas e a forma
como o governo Passos lhes deu resposta
(‘ir além da troika’, e outras que tal). Outra
coisa é a forma como o governo Passos (sobretudo na era pós-Relvas) lidou com a
comunicação social, a justiça e os poderes económicos do tipo Salgado. Nesse particular, vivemos, de facto, os tempos
mais arejados da nossa democracia.” Foi na
sequência desta troca de argumentos que prometi um artigo sobre o tema, que me
parece essencial para perceber porque é que há tanta gente a defender ainda
hoje o legado de Passos Coelho, entre as quais eu me incluo.
Aquilo
que me interessa discutir não é, pois, a relação do governo Passos com a troika,
nem as suas políticas económicas entre 2011 e 2015 – esses são temas que
estarão sempre sujeitos a grandes divergências ideológicas, como é natural. Aquilo
que me interessa discutir é a postura de Passos perante a justiça, perante a
comunicação social e perante o poder económico do tipo DDT, postura essa que
deveria preceder as ideologias, na medida em que ela assenta na defesa de um
estado de Direito com poderes separados, um governo devidamente escrutinado e o
respeito absoluto pela acção das instituições que vigiam o ramo executivo. Neste ponto, Passos Coelho, com a ajuda de ministros
como Miguel Poiares Maduro (que fez
um esforço tremendo para desgovernamentalizar a RTP) e Paula
Teixeira da Cruz (que
defendeu o nome de Joana Marques Vidal para PGR) foi
realmente exemplar – e esse
exemplo deveria ser reconhecido por todos, independentemente de se ser de
esquerda ou de direita.
Infelizmente,
não é isso que vejo. Há dias, em entrevista ao Observador, Carlos Moedas
referiu a existência de uma “permanente obsessão em desumanizar a figura de
Passos Coelho”, que “quase” o “põe doido”. Eu partilho desse sentimento. Basta ver
como foram digeridas no espaço público duas frases quase iguais de Passos e de
António Costa sobre a possibilidade de os de Português ensinarem fora do
país. Quando foi Passos a dizê-la, tratou-se de um miserável convite à
emigração. Quando foi Costa, tratou-se de um bonito convite ao desenvolvimento
profissional do docente e ao aproveitamento de oportunidades financeiramente
vantajosas.
Quatro
anos após deixar o governo, ainda se sente com demasiada frequência – sobretudo
por parte da esquerda, mas também dentro do PSD – um desejo
de aniquilar o legado de Passos como um todo, e aquilo que ele representou
durante quatro anos duríssimos, onde errou em muita coisa, mas se manteve firme
no essencial. Felizmente, os portugueses não são parvos, e é por essa razão que
Passos continua a deter um enorme capital político, mesmo levando já dois anos
sem quase abrir a boca.
II - OPINIÃO: Diário
Vão ser admiráveis as discussões
parlamentares sobre os princípios teóricos da “progressão” e da “retenção”.
Tenho pena de não assistir e mais pena ainda de não participar. Ia ser muito
divertido.
VASCO PULIDO
VALENTE
PÚBLICO, 16 de
Novembro de 2019
10 de Novembro: Eu, Luís
Montenegro, católico, português, resolvi dedicar os próximos doze
anos da minha vida a salvar a Pátria e prometo, pela alma da minha mãezinha,
ganhar as próximas eleições, o governo de Portugal, as eleições seguintes, mais
quatro anos de governo, o restabelecimento do monopólio da pimenta, a tomada de
Ormuz, a descoberta da relatividade, e a minha entrada triunfal na lista da
Forbes como a maior fortuna do mundo”. Graças a Deus pelo PSD.
11 de Novembro: Desde o I Governo constitucional que os grandes
partidos, interpretando erroneamente a morte da I República, se preocuparam em pôr uma
rolha regimental aos pequenos.
Isto foi mais visível à esquerda do que à direita por duas razões.
Primeiro, por causa das excitações revolucionárias de Abril. E, segundo, por
causa do carácter doutrinário da esquerda: lembremos que o Partido
Socialista só renunciou ao marxismo programático nos anos 80 e que sofreu de
facto uma cisão, a dos saudosos Aires Rodrigues e Carmelinda Pereira; e que
também o PC teve de se haver com vários “autênticos partidos do proletariado”.
Claro
que, em boa doutrina, os pequenos partidos parlamentares deviam ter o tempo que
quisessem. Mas não se trata disso. Nem do imaginário perigo da
extrema-direita. Do que se trata é de anular dois deputados do PS ou do PSD que
amanhã resolvam constituir-se num partido. Nenhum dos partidos do regime – e
conto o Bloco entre os partidos do regime – poderia viver sob tal ameaça.
Desta
perspectiva, o que sucedeu agora foi uma aberração. Ferro Rodrigues lá sabe.
13 de Novembro: O senhor primeiro-ministro decidiu por sua alta recreação que não
haveria “chumbos” até ao 9º ano de escolaridade. A isto se chama, no idioma
“eduquês”, evitar a “retenção”. Não me pronuncio sobre o assunto, quanto
mais não seja porque neste ponto já errei várias vezes e não há certezas
absolutas. Noto apenas que os argumentos que valem para o 9º ano também
valem para o 12º, a licenciatura, o mestrado e o doutoramento. Mas António
Costa também remeteu Rui Rio para a bibliografia. Parece que o Conselho de
Ministros, como José Sócrates, foi a Paris estudar sociologia da educação. E
quer transformar a Assembleia da República num seminário.
Vão
ser admiráveis as discussões parlamentares sobre os princípios teóricos da
“progressão” e da “retenção”. Tenho pena de não assistir e mais pena ainda de
não participar. Ia ser muito divertido.
14 de Novembro: A ortodoxia política pegou com pinças no episódio da mãe que
abandonou o filho num ecoponto. Nos dias que vão correndo, toda a
gente sabe que este género de histórias só é aproveitado pelo Correio da Manhã
e pela televisão de cabo. E que as pessoas sérias não gostam de “explorações
mediáticas”.
Mas,
no meio do barulho, lembrei-me d’ Os Miseráveis e de como esse panfleto foi
politicamente importante para o movimento republicano francês. E de como
depois foi copiado em abundância por Eugène Sue (Les Mystères de Paris), por Ponson du Terrail (Les Drames de Paris) e até pelo nosso Camilo (Os Mistérios de
Lisboa). Para bem ou para mal, o género ficou:
a burguesia gostava de saber o que se passava nesse escuro mundo que existia ao
lado dela. E ainda hoje o fenómeno se replica com o jornalismo
popular. A direita percebeu isto, e a esquerda não.
Colunista
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