Sim, já vem na Bíblia, das suas origens, que transponho directamente da Internet, e não da tradução de Frederico Lourenço, que ainda não chegou ao Pentateuco. Confrontei, todavia, o texto do Génesis, o primeiro Livro daquele, com o da edição que possuo da “BÍBLIA SAGRADA” (5ª Edição da DIFUSORA
BÍBLICA Missionários Capuchinhos, Lisboa – 4) e não há grandes discrepâncias, a
não ser no que toca ao “ser humano”
que no meu exemplar é “homem”, mas
por via das dúvidas, a Internet optou pela designação genérica, menos ambígua
para os tempos que correm, e por consequência menos arriscada:
«O ser humano Depois, Deus
disse: «Façamos o ser humano à nossa imagem, à nossa semelhança, para que
domine sobre os peixes do mar, sobre as aves do céu, sobre os animais
domésticos e sobre todos os répteis que rastejam pela terra.» 27 Deus criou o
ser humano à sua imagem, criou-o à imagem de Deus; Ele os criou homem e mulher. 28
Abençoando-os, Deus disse-lhes: «Crescei e multiplicai-vos, enchei e dominai a
terra. Dominai sobre os peixes do mar, sobre as aves dos céus e sobre todos os
animais que se movem na terra.» 29 Deus disse:
«Também vos dou todas as ervas com semente que existem à superfície da terra,
assim como todas as árvores de fruto com semente, para que vos sirvam de
alimento. 30 E a todos os animais da terra, a todas as aves dos
céus e a todos os seres vivos que existem e se movem sobre a terra, igualmente
dou por alimento toda a erva verde que a terra produzir.» E assim aconteceu. 31
Deus, vendo toda a sua obra, considerou-a muito boa. Assim, surgiu a tarde e,
em seguida, a manhã: foi o sexto dia.»
O certo é que Deus os criou e mandou
crescer e multiplicar-se e até servir-se das ervas e árvores e animais para seu
uso e alimento, e tudo isso no primeiro capítulo – da Criação do Mundo – reservando para o segundo, já sobre o Éden, a
formação do Adão do pó da terra e da Eva duma costela de Adão, os dois formando
uma só carne, o que é manifestamente uma falsidade. Mas o certo é que as
famílias se fundem hoje assim, segundo o modelo bíblico edénico, sem os papéis
de matrimónio e também por analogia com as espécies animais criadas por Deus, bagunçada
para alguns mais recalcitrantes, a bagunçada que António Barreto bem descreve, com um registo numérico detalhado, que
lemos com muito interesse. Mas mesmo sem papéis, o amor dos pais pelos filhos,
e vice-versa, é sentimento que julgo vai permanecer, salvo as excepções que não
formam a regra.
OPINIÃO: Famílias há muitas!
Como sempre na história, a família está
em crise de mudança e transformação. Mas o mais interessante é a multiplicação
de modelos de família, com implicações morais, religiosas, culturais, sociais e
jurídicas.
ANTÓNIO BARRETO
PÚBLICO, 3 de Novembro de 2019
Durante
a campanha eleitoral, um termo foi frequentemente utilizado, sempre em bom-tom
e recolhendo os favores dos candidatos: família! Toda a gente se revê nela
e reclama uma “política”. O problema curioso é que, conforme as pessoas
e os partidos, se fala de coisas diferentes e de conceitos diversos.
Dado que o assunto é delicado, todos preferem não qualificar. E assim se deixa
correr o conceito mais vulgar, o de família nuclear clássica, cristã, legal,
com coabitação de pais e filhos, por vezes uma terceira geração.
A
popularidade do divórcio, a partir
dos anos setenta, assim como o desenvolvimento de todas as formas de união,
registadas ou não, com e sem coabitação, criaram situações que nos obrigam a
ter cuidado quando falamos de famílias. Sobretudo na política, pois isso implica
logo direitos e deveres, estatutos e impostos.
Um retrato muito rápido dá o
seguinte. A população portuguesa está a diminuir. O crescimento natural cessou, depois estagnou e agora
está em recuo. Os óbitos são mais do que os nascimentos. O saldo migratório é
também negativo, isto é, mais emigrantes portugueses do que imigrantes
estrangeiros. Vivemos, na década presente, um período complexo com os dois
saldos negativos, o natural e o migratório.
A sociedade portuguesa envelhece.
Por cada 100 jovens, já há 150 idosos! Em
si, o envelhecimento é boa notícia, dado que significa saúde, água potável e
melhor alimentação. Ao contrário do que se diz, envelhecer não é um problema,
problema é a baixa natalidade! Ou morrer cedo! A má notícia é que o
envelhecimento foi rápido demais e Portugal tem uma das populações mais idosas
do mundo. Ora, a sociedade parece não estar preparada para esse
envelhecimento rápido: a idade de reforma, as pensões, os serviços de apoio,
o envelhecimento activo, o acolhimento hospitalar e muitas outras realidades
não estão preparadas.
Nesta
situação demográfica, as
famílias evoluíram. A dimensão diminuiu: 2,5 pessoas por família reduzida
a duas gerações. A média do número de filhos é de menos de um por família!
Aumentaram as famílias de uma só pessoa (perto de 1 milhão). Os casamentos
católicos são hoje a minoria, foram superados pelos casamentos civis. E as
uniões de facto ultrapassaram os casamentos. Os divórcios explodiram: quase 7
por cada 10 casamentos. Os filhos dentro do casamento foram superados pelos
fora do casamento. Estes são 60% do total, dos quais um terço de mãe sozinha. A
fecundidade fica-se por pouco mais de um filho por mulher em idade fértil,
abaixo do patamar mínimo para que uma população se reproduza. Das 87 000
crianças nascidas num ano, apenas 37 000 nasceram de pai e mãe casados.
Em
Portugal, haverá pouco mais de 4 milhões de famílias. Um milhão
tem uma só pessoa. Um milhão de casais não tem filhos. Um milhão e meio são
casais com filhos. E 500 000 são famílias monoparentais, isto é, quase sempre
uma mãe com filhos. A dimensão média de uma família é de 2,5 pessoas. Com 6
pessoas ou mais, apenas existem 2%.
Por
ano, efectuam-se cerca de 35 000 casamentos, dos quais quase mil
entre pessoas do mesmo sexo. De todos os casamentos, apenas 11 000 são
católicos. Mais de dois terços dos casamentos efectuados são apenas
civis. Um quarto do total é de segundos casamentos. Cerca de um milhão de
pessoas vive em “união de facto”, com ou sem coabitação. Ao mesmo tempo,
realizam-se por ano 23 000 divórcios, o que faz com que haja 70 divórcios por
100 casamentos. Deste total, mais de metade é de pessoas que se tinham
previamente casado pela Igreja.
Convém
sublinhar vários factos. A mulher emancipa-se. O pai e a mãe estão ambos activos com emprego e em
geral fora de casa. A escolaridade universal de 12 anos retira as crianças e os
adolescentes de casa e do trabalho. Os pais têm cada vez menos interesse e
tempo para a educação dos filhos, deixando às escolas esse papel de
socialização. As famílias abandonaram as actividades agrícolas e
industriais de proximidade e de comunidade, dedicam-se aos serviços, quase por
definição dispersos. As famílias têm como concorrentes fortíssimos dispositivos:
a escola, os professores, a televisão (cada vez menos), os computadores (cada
vez mais), as máquinas de comunicação, as redes sociais e os grupos informais
de jovens.
Muitas famílias refizeram-se de
acordo com as migrações. Chegaram 150 000 famílias de origem estrangeira.
Desenvolveu-se o pluralismo étnico, religioso e de costumes. A sociedade
portuguesa ficou plural, a miscigenação desenvolveu-se pouco, mas a
coexistência e a variedade sim. Dentro das famílias, as estruturas de poder e
comportamento alteraram-se profundamente e, para o melhor e o pior, a “cultura
jovem” condiciona o comportamento de toda a família.
As chamadas “novas famílias” abrangem
realidades muito diferentes. Com e sem casamento. Com e sem filhos de um, dois
ou mais casamentos. Uniões de facto com e sem coabitação. Monoparentais.
Segundos e terceiros casamentos. Filhos de pais e mães diferentes. Sem
coabitação necessária. Comunidades de residência com ou sem família. Do mesmo
género masculino ou feminino, com ou sem casamento. Famílias de escolha e
género de escolha. De várias religiões. Com e sem vínculo religioso. Famílias
que se formam com novas formas e regras: pessoas do mesmo género, adopção como
regra e várias formas de fecundação. Famílias de escolha e famílias sem relações
de consanguinidade.
Toda
esta variedade gera conceitos diversificados de chefe de família, de poder
paternal, de cabeça de casal, de autoridade sobre os filhos, de papel na
religião e na educação e de lugar dos anciãos. Também surgem conceitos diversos
de ordem moral e jurídica, tais como os poderes de representar, de assumir a
responsabilidade civil, de legar, de definir as profissões e de contratar os
casamentos dos filhos. Sem falar nos hábitos e nos direitos de monogamia e
poligamia.
Como sempre na história, a família
está em crise de mudança e transformação. Mas o mais interessante é a
multiplicação de modelos de família, com implicações morais, religiosas,
culturais, sociais e jurídicas. A variedade e o pluralismo podem ser sinais de
progresso. Mas até onde pode ir a diversificação? Até à coexistência de várias
religiões? Parece que sim. Vários costumes? Não há muitas dúvidas. Várias
morais? Começa a ser complexo. Várias leis ou vários ordenamentos jurídicos? Aí
já parece difícil. E, creio, impossível.
Sociólogo
COMENTÁRIOS:
Fowler Fowler, 03.11.2019: Com a reestruturação do Código Civil, em 1977, desapareceu o conceito e a figura do “chefe de
família”, pelo que, actualmente, não faz sentido incluí-lo na equação. O sr. “sociólogo” esqueceu-se de indicar as fontes.
Mas sabemos que o INE, o fornecedor da Pordata, oferece informação estatística
fiável.
Alexandre Abreu, 03.11.2019: O texto chega ao fim com a questão legal e é lá que
está a resposta. O modelo de família em Portugal é o definido no Código Civil.
Ponto. Está lá tudo: maioridade, filiação, tutela, responsabilidade parental.
Não vale a pena inventar a roda (portuguesa). Pode ser roda, mas não será
certamente portuguesa
cisteina, 04.11.2019: Senhor doutor, o CC, nesta temática jurídica, Família
e Sucessões, já foi alterado desde 1977, o
que me parece é que não percebeu o texto da AB ou não o leu. Conhece o direito
mas tem problemas de iliteracia? Não dá para entender, mas hoje acontece, é o
analfabetismo do tempo de Salazar. E olhe que ele deu com força nesta herança,
menos 40 % dos 78 % herdados da I República e Monarquia, a esquerda radical ou
comunista distorce a história. E ainda temos 5,5 % para abater e ele já morreu
há 49 anos.
Armando Heleno, 03.11.2019: Fala quem sabe. No entanto, para quem estava habituado
a um certo viver e que não era propriamente mau, malgré pouco dinheiro, esta
desmultiplicação da família, é terrível. Degenerou numa trapalhada
incontornável. Desleixo, facilitismo, falta de coragem na assunção do acto...
Mesmo inexplicável, em alguns casos. Por exemplo, juntarem-se. Por que não se
casam? E tenho casos na família. Um deles, juntos alguns anos e depois,
casados, logo se separaram... Dirão que é a evolução. Eu não vejo em quê, vou
preferindo o standart de anos.
António Maria Coelho de Carvalho, 03.11.2019: Obrigado Dr. António Barreto, é um retrato nítido mas
cruel. Se o senhor ainda fosse político pedia-lhe para nos dar umas dicas sobre
o que podemos fazer para evitarmos o caos que se adivinha, embora já não me
venha a molestar... Tenho 90 anos, vou morrer assustado mas de consciência
tranquila. Tenho 7 filhos,
embora agnóstico, casei pela Igreja, por imposição “inabalável” da minha
falecida mulher. Concordo com a doutrina social da Igreja católica. Os meus
filhos fizeram as comunhões da praxe católica, mas nenhum se casou pela Igreja
e alguns optaram pela união de facto. Dos 16 netos já não posso falar...
Resumindo, não vejo mais Felicidade nos “amanhãs que cantam” e nem Portugal nem
o meu Sporting me parecem estar no bom caminho...
cisteina, 03.11.2019: Caro António Carvalho, sigo um pouco mais atrás (não
muito), percebo-o como só nós os velhos nos percebemos. Nem sei que lhe dizer,
"o mundo pula e avança" sempre para melhor, por isso, perca cinco
minutos e concentre-se, medite e sinta o ar a entrar e a sair das suas narinas,
tente perceber o que acontece, veja até onde aguenta sem que a mente fuja para
outros caminhos. E não se "assuste", afinal ninguém sabe para onde
vai, com ou sem religião; mas, seja para onde for, morrerá tão tranquilo e
sereno quanto a consciência informar que andou relativamente bem ou não
enquanto por cá andou, já que, muito bem, poucos o conseguem, esse será o nosso
deus da misericórdia e compaixão, e, se nada mais existir, nada a temer, tudo
acabou, sem tempo para ficar com pena. Claro, não é justo.
Joao, 03.11.2019: Muito bom, muito informativo. É assim, a sociedade
actual deixou de ter a família que amortecia as dificuldades e os
imponderáveis. Hoje se é preciso dinheiro para uma aflição já não se recorre a
um familiar, pede-se ao banco. Hoje os velhos já não ficam com algum familiar,
vão para um lar e doa-se ao lar o apartamento e demais pecúlios. Hoje quem
viaja ou vem a uma consulta no hospital de Lisboa já não pernoita em casa dum
familiar, vai para um hotel. Etc. É assim, as poupanças acabaram, o
individualismo grassa, a realidade é agreste e não há atenuação. Mas é assim.
cisteina, 03.11.2019: Excelente texto para reflexão, o conceito de família
está a mudar, é um facto, e com tantos modelos, perdemo-nos avaliando a família
de hoje, ou melhor, as famílias, com o conceito de ontem, no pós-conceito,
outra forma de preconceito. E, assim sendo, há que repensar o modelo ou
modelos, se quiserem, são já muitos e, do ponto de vista jurídico, uma
salganhada, sem dúvida. No passado, todos viviam na mesma casa ou, se não
viviam, entendiam-se: casados, separados, em união de facto (concubinato, ia
dar ao mesmo), todos os géneros (heterossexuais e homossexuais). E a mania de o
estado se meter na vida íntima das pessoas, tendencialmente levará ao
desaparecimento da família tal como sempre a entendemos, ou seja, refúgio de
afectos e segurança. Equação difícil, muitas incógnitas a decifrar.
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