Isso de chegarmos ao porto. O povo
português cansou-se definitivamente das viagens, agora o que queremos é
descanso E dinheiro fácil. Mas Helena Matos faz bem em
ironizar. É isso que merecemos. Todos, talvez. Sabemos que o defeito é nosso, o
que queremos é sopas e descanso, indomáveis que somos nisso, “en attendant
Godot”, vazios e tontos…
HELENA MATOS COLUNISTA DO OBSERVADOR
Deixem Passos Coelho em sossego/premium
Tenho três razões para pedir que deixem
Passos Coelho no retiro por onde tem andado. A primeira é egoísta. A segunda é
calculista. A terceira é o que lhe quiserem chamar.
OBSERVADOR, 10 nov
2019
Antes
de passarmos às minhas razões façamos um ponto prévio crucial para que se
perceba o que vem a seguir: Passos Coelho tem um capital político
próprio que lhe permite se quiser voltar à política. Basta ler as reacções ao artigo aqui publicado por Alberto Gonçalves
(além do artigo propriamente dito) para o confirmar. Como é óbvio as reacções
negativas também contam!
Passemos
portanto às minhas razões para pedir: deixem Passos Coelho em sossego. Sim,
eu sei que já escrevi várias vezes que Passos não foi apenas mais um
primeiro-ministro mas sim o primeiro-ministro que aguentou o país num momento
dificílimo sem chiliques, tristes figuras ou manobras de diversão. Pode parecer portanto estranho que fazendo eu uma
avaliação francamente positiva do legado de Passos Coelho venha pedir que o
deixem em sossego. Mas a estranheza desfaz-se em poucas linhas.
Comecemos então pela primeira razão,
a egoísta. O egoísmo
tem algo de reconfortante e neste caso é quase um aconchego. Querem lá
melhor viver que este em que andamos desde o final de 2015? Acabou a crispação.
A fome deu lugar à fartura. As urgências hospitalares não funcionam, as
consultas no SNS são para o ano que vem, os directores e chefes de serviços
hospitalares demitem-se ou preenchem minutas de escusa de responsabilidade e
onde estão os alertas das agências internacionais? Os fóruns radiofónicos
tonitruantes de dor e lágrimas?… Ora, ora o que conta é que vamos ter direito à eutanásia.
Como pode alguém querer abandonar este estado de coisas em que as urgências
pediátricas não funcionam e não só isso é aceite como natural como ainda nos
vamos empenhar nesse extraordinário avanço civilizacional representado pela
eutanásia?!
Querem mesmo trocar este abençoado atordoamento por aquele matraquear
constante do “Pai do SNS alerta para a destruição da saúde dos portugueses?” Da
Catarina Martins arengando com os ataques à saúde dos portugueses (enfatizar
“ataques”)?… Não, nem pensem. Convém-me esta situação em que os problemas se
desfazem no suspiro das boas notícias: já ninguém discute os programas
escolares mas tão só a boa nova com as poupanças conseguidas caso desapareçam os chumbos; nas
estradas aumentam os acidentes mas o que conta é que vamos descarbonizar…
Passos Coelho com a sua mania da realidade representa uma ruptura com isto,
portanto o melhor é deixar-se estar quieto não vá antecipar o fim desta ilusão.
E
aqui, no momento do desfazer da ilusão, chegamos à minha segunda
razão, a calculista: espero
sinceramente que Passos Coelho não esteja a pensar voltar quando este cenário
de papelão que nos rodeia se desfizer e dermos connosco endividados, sem termos
reformado o Estado e para mais com a extrema-esquerda sentada em tudo que são
comissões, institutos, unidades de missão… E espero-o, desejo-o e defendo-o por
calculismo. Já sei que parece mal dizer e sobretudo escrever que se age por
calculismo. Mas no meu caso não há nem quero desculpas: por puro calculismo
político defendo que não se pode repetir o acontecido em 2011, com o PS
e seus compagnons de route a saírem de cena depois de levarem o país à
falência, para daí a três meses estarem a contestar os acordos que eles mesmos
tinham negociado e a responsabilizar os credores pelos cortes que a sua
falência tinha provocado.
Mas
não se esgota aqui o meu calculismo. Por calculismo político também defendo que
António Costa e Marcelo Rebelo de Sousa não devem ser perturbados no exercício
das suas altas funções quando nos confrontarmos com a próxima crise. Não foram
os procuradores responsáveis pelo processo de Tancos impedidos de fazer
perguntas ao Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, e ao
primeiro-ministro, António Costa, devido à “dignidade dos
cargos” e à perturbação que o inquérito traria ao exercício das suas altas
funções? Pois se for necessário até se lhes arranja um escadote –
digníssimo, claro – para observarem melhor lá do alto das suas altíssimas
funções o pântano que ajudaram a crescer mas ninguém os deve tirar de lá.
Calculismo
político? Sim, claro. Se tiverem
outros cálculos mais adequados avisem por favor. A mim dá-me sempre o mesmo
resultado: em 2011, alguém devia ter atrasado por dois ou três meses a
entrada em funções do governo de Passos Coelho, pois só assim se teria tornado
evidente que em vez de recordarmos “os cortes do Passos” estaríamos sim a
lembrar os salários não pagos por Sócrates (a não ser claro que o PS
descobrisse no Banco de Portugal um cofre daquele modelo utilizado pela família
do seu então líder, mas estou em crer que é exemplar único).
Chegamos por fim à terceira razão.
Aquela a que não dei nome. Ela conduz-me não a um almoço como aconteceu com
o Alberto Gonçalves mas sim a um jantar. Um jantar
em que estiveram presentes vários socialistas. À saída um deles, que fez parte
do círculo de António José Seguro, dizia-me que o PS que pensa existe. Está
exilado mas existe, repetiu. Pois mas em política não chega pensar para existir.E
o que existe hoje no PS e no PSD existe mas não pensa. E é aqui que entra a
terceira razão para que Passos se deixe estar: vai voltar para onde e
para quê?
O PSD está transformado num partido que tem como projecto político
permitir ao PS governar. Entretanto vai fornecendo eleitores aos novos
partidos, por enquanto pequenos. Já o PS, depois de ter fechado os olhos aos
desmandos de Sócrates, vive agora com igual servilismo o tacticismo de António
Costa que transformou o PS numa espécie de Novas Oportunidades versão política.
Dir-se-á
que por tudo isto Passos Coelho (tal como o PS que pensa) deve voltar. E se não
acertar com o momento? Tanto quanto me recordo em política não se regressa duas
vezes.
PS. Por uma vez podem parar com a ladainha
dos “outros muros” e dos “muros que se têm levantado após a queda do muro de
Berlim”? O muro de Berlim
ao contrário desses outros muros com que se procura confundi-lo, como aqueles
que separam os EUA do México ou Israel da Faixa de Gaza, não pretendia defender
o povo da RDA de agressão alguma ou impedir a entrada ilegal de estrangeiros no
seu território. O Muro de Berlim impedia os cidadãos da Alemanha comunista de
deixarem o seu país para o efeito transformado numa gigantesca prisão.
Entre um muro que impede estrangeiros de entrar ilegalmente num país ou um
outro muro que impede um povo de sair do seu próprio país vai a diferença que
separa uma casa de uma prisão.
COMENTÁRIOS
Maria L Gingeira: Fantástica análise Helena
Matos. Tudo o que diz é da maior pertinência. Sufocamos com tanta propaganda,
tanto marketing político, tantos estudos encomendados, tantas previsões
enganosos e elogios dos socialistas europeus, enfim com tantos medíocres a manterem
o país na maior estagnação, sob a capa do “fazer que fazemos” sem nada fazer,
numa estratégia montada que é a maior fraude política de governação de que há
de memória. Principalmente porque temos um presidente que assobia para o lado.
E todos os que somos conscientes desta ilusão e mentira só podemos esperar que
algo aconteça que acorde o país. Difícil. É como o infeliz caso da clínica de
Setúbal. Só depois de um caso grave extremo se veio a descobrir inúmeros outros
casos. Porque uns não sabiam dos outros. No país é igual. Diz-se que está bem,
desvaloriza-se, desmente-se e pronto. Ninguém sabe a verdade. Por isso o seu
texto é muito importante. Desta vez alguém vai ter de assumir o que está a
acontecer, porque a casa vai cair. E Passos Coelho não pode ser desperdiçado a
limpar os escombros. Era o que faltava. Ele tem um valor enorme. Faz-nos falta.
Mas não agora nem na pós-derrocada.
José Ramos: Uma análise
fina e perspicaz da "política" farsola e espertalhaça que se faz
neste país, onde vale mais uma "boa imprensa" que a verdade e, mais
uma vez, a boçal figura de um "Zé Povinho" hediondo, secundado por um
Sancho Pança (mas em magro e em pateta) preenchem "as altas funções".
Neste momento vivemos num regime onde vigora um culto de personalidade(s)
pimba, e nos novos cartazes, as televisões, alternam um par de saloios. Nota final
para os 30 anos da queda do Muro, o
muro maiúsculo e único, incomparável com as muralhas defensivas porque a sua
função não era a protecção nem a defesa; era prisional. Quem arenga o
contrário, quem não distingue o Muro, aquele que desabou há 30 anos, de outros
muros, só pode ser muito estúpido, muito desonesto ou muito concentracionário.
Provavelmente, possuirá essas três "qualidades".
Cipião Numantino: Não sei o que pensar sobre dois
artigos, em dias seguidos, escritos por dois excelentes articulistas sobre
Pedro Passos Coelho. Pode parecer conluio entre os dois mas, na minha modesta
opinião, um é tão só decorrente do outro. Não
me motivou muito o artigo de ontem do AG, quanto mais não seja pela sucessão
excessiva de loas e encómios aduzidos, mas já tendo a concordar mais com o que
a estimada HM hoje escreveu.
Na linha deste último raciocínio diria que, essa de a
água passar várias vezes por baixo das mesmas pontes se trata, obviamente, de
uma falácia. E se em tese o faz, haverá que sopesar que terá de passar por
transformações de tais efeitos que, sem dúvidas, o produto final pouco terá a
haver com o original.
Vamos por partes: não me ocorre desmentir que Passos
Coelho é um homem sério e a sério. Uma daquelas raridades que aparecem para aí
de dois em dois séculos, aqui por mim relembrado no efeito e na forma dessa
excelsa figura do chamado pai da pátria que respondeu pelo nome de Manuel
Fernandes Tomás, o político vintista, fundador do Sinédrio, que pontificou na
primeira fase da implantação do liberalismo em Portugal.
Nascido na Figueira da Foz em 1771, fez quase todo o
seu percurso político no Porto onde foi juiz desembargador, saltando mais tarde
para deputado e encarregado de Negócios e da Fazenda, de onde pontificou na
elaboração da Constituição da Monarquia Portuguesa, que D. João VI em 1822,
jurou. Era um homem de uma absoluta honradez. Um émulo do seu antepassado D.
João de Castro. Quando passou a desempenhar altas funções no Reino, sempre se
recusou a ganhar mais do que o salário de Juiz pois, dizia ele, cito "que
um político existia para servir o Reino e não para se servir dele". Ainda
assim mesmo, os seus parcos proventos, serviam para ajudar a custear as
comissões onde se via envolvido, assim como as deslocações que se via obrigado
a fazer.
Trabalhava que nem um condenado. Praticamente de dia e
noite, ainda lhe sobrando tempo para ajudar em causas sociais e de caridade,
onde acabava por delapidar totalmente os seus magros pecúlios. Na esteira do
excelente Thomas More, uma espécie, também, de "um homem para a
eternidade". Trabalhava, trabalhava e trabalhava cada vez mais e mais para
o bem estar do país que era seu e para o povo que neste residia.
Era bem conhecido de todos, à época, que nem sequer
tinha tempo para comer. A sua saúde começa assim por vir a debilitar-se
sustentadamente. Não aparecendo durante alguns dias em público é procurado por
alguns dos seus mais fiéis amigos. Batem-lhe à porta e aparece um Manuel
Fernandes Tomás altamente debilitado. Nada tinha para comer em casa e dinheiro
para comprar comida, nem vê-lo.
Os amigos coletam-se entre eles e vão à pressa comprar
uma galinha para que Fernandes Tomás pudesse retemperar forças. Tarde demais! Quando
regressam, já Manuel Fernandes Tomás, havia sucumbido de cansaço e de fome!Uma
comoção geral perpassa pelo país e são os seus amigos que mais uma vez se colectam
para pagar o seu funeral, já que nem para isso ele havia guardado umas magras
lecas. Triste história, não acham? Mas que nos faz situar e pensar nas
autênticas pulhices que os esquerdosos (e não só) com que nesta época nos vamos
deparando. Olhem só a comparação com o Costa pêesseiro tão bem satisfeito e
nutrido!?
Mas adiante. Passos Coelho é o único homem que se
pode, em alguns dos aspectos, comparar com Manuel Fernandes Tomás, pelo menos
no que, de forma aparente, se revela no seu desprendimento. Contudo, qualquer
movimento pretender que regresse à política, parece-me demasiado ousado. Quanto
mais não seja porque, cá está, a água não passa mais que uma vez sob a mesma
ponte. Passos teve a sua época. Mal ou bem, teve-a. Mas não se pode esquecer
que cometeu uma espécie de harakiri político que o impediria alguma vez de
voltar a gerir os destinos do país. Vejo-o mais destinado a ser PR, onde sem
reservas contaria com o meu voto mas, mesmo aí, vejo alguns naturais
impedimentos. Acho mesmo que a Passos estará, tão só, destinada a reserva moral
da nação. A pouco mais poderá aspirar, já que os erros em que se enredou não
lhe darão para muito mais.
Muita gente estará por aqui lembrada dos erros que eu,
então, lhe apontava. A TSU foi um deles sendo, não obstante, em minha opinião,
uma medida que contribuiria decisivamente para o nosso desenvolvimento.
Depois, ameaçava muito e concretizava pouco ou nada.
Teve uma espécie de ocupação estrangeira constituída pela troika e nem assim
concretizou nada de especial, com a provável exceção das leis laborais,
entretanto parcialmente revertidas, mas que ainda hoje marcam o passo do nosso
quase pleno emprego. As leis do arrendamento também foram uma pedrada no charco
que contribuiriam decisivamente para a normalização a prazo do mercado de
habitação, mas que esta gente horrível que nos vai desgovernando, atontadamente
reverteu com efeitos que estão à vista e que constituem um autêntico e
anunciado desastre.
Nada mais fez. Poderia ter sido um outro Marquês de
Pombal, mas acho mesmo que tal como o poeta e adivinho Bandarra, pretendendo
ser sapateiro, não subiu além do chinelo. Ameaçou, ameaçou e nada fez. E como é
habitual nestas coisas "quem poupa os seus inimigos, às mãos lhe
morre".Não tomou posição e nem sequer fez oposição. Quando Lisboa se
tornou uma espécie de frente de batalha toda esburacada, nem sequer piou.
Enredou-se e deixou-se enredar. Pior era quase
impossível se pensarmos que deixou estabelecer a ideia que ele era o problema e
não a solução.
Conseguiu ainda deixar pensar que ele era (ainda passa
por isso) o culpado de tudo. Esperteza dos opositores? Talvez! Mas convinha
considerar que uma inépcia de defesa tão simplória e primária é absolutamente
constrangedora! No limite, o inimigo, só avança até onde o deixarmos avançar e,
para tal formulação de ideias, não será necessário estudar Sun Tzu. Horrível! Pior
do que isto seria de todo impossível.
Tenho para mim que, a Passos, lhe faltou, a partir de
certa altura, a sua essencial muleta. Não se admirem, não, mas trata-se do
único que tinha uma ideia para o país e que, aparentemente, sabia o que queria
e para onde ia. Pasmem, mas trata-se do ex-ministro, Relvas, o tal que se
deixou enredar numa teia digna da STASI.
Os rabos de palha que deixou, foram mais que muitos
alargando-se para os lados do PS. Além do 44 foram uns quantos
secretários de estado apanhados na mesma teia e urdidura. Fala-se hoje nisso?
Nada, não é verdade? Pois é, uns comem as castanhas e aos outros rebenta-lhes a
boca!
Sintetizando, ver-se Passos Coelho como um novo D.
Sebastião não será salutar para nós e ainda bem menos para ele. E, de resto, as
teias de nevoeiro onde estamos confinados em permanência, nunca permitirão que
enxerguemos muito para além do nariz. A escuridão vai sendo total. E
aterradoramente avassaladora!...
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