Um texto enriquecedor, de Salles da Fonseca, acrescentado
das notas sobre filósofos que ajudaram ao avanço do pensamento, extraídas pela
sua amiga de blog - Maria Emília Gonçalves – de um livro de leitura comum – “Temperamentos filosóficos”de Peter Sloterdejk, que com prazer registamos,
com gratidão pela generosidade de ambos e por esta coisa da Internet que nos permite
alargar – sinteticamente - horizontes, com comodidade…
HENRIQUE SALLES DA FONSECA
A
BEM DA NAÇÃO, 15.11.19
Na
minha busca das causas do modo alemão e do
nosso, dei por mim a pensar se os filósofos são
causa ou consequência do comportamento dos povos a que pertencem. E cheguei
à conclusão de que começam por ser consequência, passam a influenciar as
classes letradas e daí - mais geração, menos geração - chegam à generalidade da
sociedade.
Nestas
deambulações, «encontrei-me» com os hiperbóreos, com a mitologia nórdica (a
que, por redução, há quem chame germânica), com Lutero,
Göthe, Nietzsche, Wagner, Schopenhauer…
e, de toda esta erudição, cheguei à boçalidade hitleriana.
E se
a minha grande motivação era a de perceber menos
superficialmente porque é que a Alemanha se recompôs rapidamente de derrotas militares
devastadoras enquanto nós, em paz, temos ciclicamente que recorrer à esmola
internacional das Troikas, acabei por dar um ar jocoso à
causa através das condições climáticas
que induzem os alemães a trabalhar (é
claro que não e que aqui impera a fé inicialmente calvinista e depois luterana
de que o trabalho serve Deus) e as doces praias atlânticas
nos induzem a folgar (é claro que não, o analfabetismo é
a causa mais clamorosa do nosso subdesenvolvimento). Neste interim dei por mim a vasculhar outros Autores que me trouxessem
a filosofia devidamente «empacotada» para eu não ter que ler montanhas de
livros e, no final, ter baralhado tudo e continuado na grande ignorância. Assim
encontrei Peter Sloterdejk e o seu pequeno livro «Temperamentos filosóficos» sobre que escrevi em https://abemdanacao.blogs.sapo.pt/temperamentos-filosoficos-1702900. E, de conversa em conversa,
referi este livro à Dr.ª. Maria Emília Gonçalves, nossa «colega» de blog, que assim me respondeu:
Estimado Dr. Henrique Salles da Fonseca,
Fiquei de tal forma entusiasmada com o excerto que
transcreveu no seu blog, relativamente aos prefácios de Peter Sloterdijk, que
já encomendei o livro na FNAC. Tenho
sempre um grande interesse por esta temática. Entretanto e
enquanto não leio o livro, e mais uma vez recorrendo aos meus apontamentos, “atrevo-me”
a deixar algo do que aprendi, sobre alguns dos filósofos que citou.
A ordem pela qual me refiro aos filósofos é
absolutamente aleatória.
PLATÃO
Filósofo idealista , discípulo de Sócrates, Platão
defendia uma concepção
idealista do mundo e lutou activamente contra as teorias materialistas do seu tempo.
O homem para Platão é dualista (corpo e alma ) sua filosofia não se
interessa pelo homem em sociedade e sim o divino no homem.
O mundo das ideias, o mundo das formas e o mundo
dos conceitos passam a serem primordiais em sua filosofia.
Sua crítica à democracia ateniense e a procura de
soluções políticas do mundo grego foram preocupações centrais da vida e da obra
daquele que é por muitos o maior pensador da Antiguidade.
Achei muito interessante o que diz Peter Sloterdijk: que a tradição platónica
concorda com a doutrina estóica , posteriormente, com a epicurista no facto de
definir o filósofo como aquele que é versado na pesquisa da paz das almas.
Sobre Aristóteles também achei muito curiosa a
referência que faz, dizendo que o cérebro de Aristóteles era como que o
senado de uma universidade rica de faculdades.
Quanto a Descartes diz ele no seu livro que “a
filosofia moderna de tipo cartesiano permanece caracteristicamente suspensa
entre a teologia e a teoria das máquinas, não tendo sido em vão que os grandes
arquitectos de sistemas do Idealismo alemão celebraram em Descartes o seu
predecessor.
DESCARTES
Descartes julgava necessário colocar previamente em dúvida tudo quanto existe. Este principio, é aquele de
que “Penso, logo existo”. Desta tese, Descartes tentava também inferir a
existência de Deus e depois a convicção de que o mundo exterior é real.
Descartes é o
fundador do racionalismo que se formou como consequência de entender o carácter lógico do
conhecimento matemático.
LEIBNIZ
No seu discurso da Metafísica, Leibniz refere-se a: “fazer
sempre o que for mais perfeito e realizar o que parecer ser o melhor. À razão
cabe, como regra, a escolha do melhor, que será reconhecido pelos homens
segundo o bem aparente, segundo o que parece ser o melhor”.
O racionalismo de Leibniz muito difundido no séc. XVII
tornou-se a filosofia academicamente
mais influente da época.
Refere Peter Sloterdijk, que o seu papel
intelectual é de uma ponta à outra o do diplomata hábil na palavra, do cortesão
na teoria e conselheiro do príncipe (…)
Igualmente interessante a referência a Schelling. Diz-nos que o rei Maximiliano da Baviera, que foi aluno dele, mandou
colocar no monumento de 1854 ao filósofo as seguintes palavras: “Ao primeiro
pensador da Alemanha”.
Quase no
final do livro, Peter Sloterdijk ,referindo-se a Marx, Nietzsche e Freud, diz que os três
desangelistas parecem proclamar um e o mesmo destino, quando referiram “A
verdade avassalar-vos-á”.
E refere ainda que todos eles
procuraram e acharam leitores ágeis que reconheceram nos seus escritos as
palavras–chave para carreiras, e até pretextos para golpes de estado, fundações
de sociedades e revoluções radicais do modo de pensar e viver.
HEGEL
Para Hegel, não existe algo que seja impossível de ser
pensado. Ele afirma que o real é racional e o racional é real. Não é possível separar o
mundo do sujeito, o objecto e o conhecimento, o universal e o particular.
A sua dialéctica é fundamentada na tese e na antítese.
MARX
Se Hegel era um idealista em termos filosóficos, Marx era um materialista, ou seja, para Hegel as
ideias vêm antes das coisas, para Marx, as relações sociais é que precedem as
ideias.
Para Marx, a história humana desenvolve-se a partir da
acção concreta dos seres humanos em sociedade. Por isso Marx é um
materialista, ao contrário de Hegel.
Marx inspirou-se na dialéctica de Hegel para propor os
possíveis caminhos revolucionários. A contradição existente entre a classe
dominante (burguesa) e a classe proletária, deve fazer surgir uma nova síntese.
O Estado e o capital fazem parte do sistema dominante.
SARTRE
Existe uma certa ligação entre a sua filosofia e a de Kierkegaard. Tem sido escrito que Freud também o influenciou.
Sartre empreende a tentativa
de demonstrar o existencialismo recorrendo à filosofia do marxismo. Ele participou na Resistência
francesa durante a Segunda Guerra Mundial e lutou activamente contra o
renascimento do fascismo, em defesa da paz.
É um representante do existencialismo “ateu”.
SCHELLING
Aproveitou as ideias de Kant e a teoria de Leibniz
tendo introduzido o conceito de desenvolvimento na interpretação da natureza. Tentou combinar o idealismo subjectivo de Fichte com o idealismo do seu próprio sistema.
Schelling, tal como Fichte, concebia a liberdade como
necessidade; não via a liberdade para o individuo isolado, mas a conquista da
sociedade.
SANTO AGOSTINHO
A filosofia agostiniana é uma constante busca da
verdade, que culmina na Verdade, em Cristo. É um movimento incessante, uma
paixão, e, precisamente, a paixão principal: o amor.
“O amor é o peso que dá sentido à minha vida. Verdade
e Amor.“Fizeste-nos, Senhor, para Ti e o nosso coração estará inquieto enquanto
não descansar em Ti”, diz nas Confissões.
Em Santo Agostinho, não existem provas formais para
demonstrar a existência de Deus. Ainda que toda a sua obra seja uma espécie de
itinerário em direção a Deus. Tudo fala de Deus.
Já no final da sua vida, diz que o homem tem em si,
enquanto é capaz, “a luz da razão eterna, na qual vê as verdades imutáveis”.
KANT
A filosofia Transcendental de Kant delimitou o conhecimento científico, tal
como era entendido à época (Aritmética, Geometria e Física), fundamentando-o
nas estruturas do sujeito. Portanto, tudo aquilo que tais estruturas não
abrangessem estaria fora dos domínios do saber legítimo.
Kant tentou aliar o racionalismo ao empirismo, para ele
não haveria conhecimento sem percepção sensível e, tampouco, sem entendimento.
Em termos kantianos, o filósofo estaria muito longe
de ser aquele que sobre tudo indaga, como se julgava em tempos remotos.
Legitimamente, o filósofo investigaria as condições de possibilidade do
conhecimento e também os fundamentos do dever moral.
Kant ensina-nos que o nosso
conhecimento tem a base da sua validade na razão. O factor “a priori” não procede, segundo ele, da experiência mas sim
do pensamento, da razão, pelo
que foi o fundador do apriorismo.
Kant mostra ao
longo da sua crítica quais são as condições para qualquer experiência possível,
na "Estética Transcendental", analisando quais são as
condições a priori para que um dado fenómeno possa ser dado na intuição,
chegando às condições de "espaço", para as intuições externas, e
"espaço" e "tempo" para as intuições internas.
Após a Estética, Kant prossegue para a análise da forma pela qual aquilo
que é dado na experiência é organizado em relações que constituem conhecimento. Estas são as categorias do entendimento, determinadas pela razão pura e
que, sendo preenchidas pela matéria proveniente da experiência, podem formar um
conhecimento. Ambas as análises são feitas na chamada "Analítica
Transcendental".
Em seguida ele
segue para a "Dialéctica
Transcendental", parte do livro na qual
ele usa esse pensamento elaborado na analítica para mostrar erros de raciocínio impregnados no modo de pensar filosófico
de então.
Sinta-se, por favor, perfeitamente à vontade, para
publicar (ou não) o que entender, até porque o mail é longo e será
cansativo lê-lo.
Os meus melhores cumprimentos
Mª Emília Gonçalves
Agradeço à Dr.ª Maria Emília Gonçalves pois assim
ficamos com um interessante resumo do que cada um foi pensando e influenciando,
sendo consequência do que aprendeu e viu e causa de evolução.
Continuemos…
Novembro de 2019
COMENTÁRIOS
Adriano Lima 17.11.2019 : Senhor
Doutor, desde há anos que se vem falando nas virtudes da economia neoliberal e
da sua capacidade de auto-regulação. Ainda hoje, li um artigo em que o prémio
Nobel da economia Joseph Stiglitz verbera essa tese e anuncia a sua morte lenta
no fim da qual haverá um “renascimento da História”, contrariando a previsão de
Francis Fukuyama no seu ensaio The end of History. Prosseguindo, aquele
professor da universidade de Colombia conclui, sem apelo nem agravo, que “o
neoliberalismo acabará literalmente com a nossa civilização”. Portanto,
temos que essa “auto-regulação” da economia global não só não é uma realidade
como, pelo contrário, parece estar a ter, directa ou indirectamente, sérias
repercussões na estabilidade política do mundo. Se a economia mundial funcionasse
bem, ela própria seria geradora de paz e tranquilidade, com o seu produto a ser
distribuído satisfazendo as aspirações dos mais ricos e garantindo ao mesmo
tempo o crescimento dos mais pobres. Não é a barriga vazia e o esfumar da
esperança que estão na origem das revoltas e das perturbações sociais e do
êxodo das populações, como se tem vista a uma escala preocupante? Depois, há
continentes mártires e a América Latina, por causa do seu petróleo, e doravante
também do lítio, tem sido das mais sofredoras. Assim, conclui muito bem quando
diz: “olho para a América Latina e vejo-a como o laboratório onde os
gananciosos obstinados de um lado, do outro ou de todos, manipulam as
experiências políticas que servem aos seus objectivos de subjugação dos povos desamparados
e respectivas riquezas naturais.” É verdadeiramente trágico que a história não
mude a página da miséria e da desgraça em certos continentes.
Anónimo 17.11.2019: “E
agora?”, perguntas (falta o “José”, de Cardoso Pires). Não será difícil de te
responder, Henrique, e de adivinhar o futuro próximo: os pobres e os muito
pobres continuarão a sê-lo, os ricos e muito ricos seguirão a sê-lo, e a classe
média, financiadora líquida dos gastos do Estado e da corrupção, será cada vez
menos média e mais próxima da pobreza. É claro que as cores partidárias
revezar-se-ão e os chefes (recuso-me a escrever lideres) terão outros nomes,
mas a realidade, no fundo, não diferirá substancialmente. A experiência mostra
que estes, mesmo quando se arvoram em defensores do povo, uma vez instalados no
poder, não hesitam em se aproveitar deste para proveito próprio e dos seus “compagnons
de route”. Haverá sempre entidades bem como personalidades, acima de qualquer
suspeita, prontas a defendê-los, a tecer-lhes loas, a confundir ostensivamente
a ideologia com o direito penal. Com efeito, a América Latina tem-se
revelado um cadinho gerador de caudilhos e de populistas, e quanto maior for
fosso social e económico, isto é, quanto mais débil for a classe média, mais
condições haverá para que isso aconteça. Tenho bem presente, em 2001, as
imagens televisivas de manifestações dramáticas em Buenos Aires, aquando da
primeira, das várias crises, que a Argentina teve já neste século. Vi-as e
pensava:” Eu poderia estar aí”. Era a classe média a protestar contra a
diminuição do poder compra, contra a banca rota, contra os políticos
incompetentes e corruptos. Tive a sorte de viver no Brasil sob a presidência
aceitável de Fernando Henrique Cardoso. Não obstante, sentia-se algum
desconforto, pressentia-se que as coisas não estavam bem. Quando isto era tema
de conversa com brasileiros, cultos, estes, à laia de justificação, invocavam a
colonização, ao que eu respondia que já tinha passado demasiado tempo para que,
eventuais erros daquela, não tivessem sido corrigidos. Mas possivelmente outras
causas, mais próximas temporalmente, terão de ser identificadas para que a
América Latina apresente a situação conhecida, de Estados falhados, de Estados
narcotráficos (o Panamá de Noriega é um bom exemplo), de revolucionários ou
populistas de Direita ou de Esquerda, de miséria a par de extrema riqueza (um
brasileiro rico, por exemplo, é rico em qualquer parte do mundo). As eventuais
consequências da guerra fria nesta parte do mundo não podem, quanto a mim,
servir de justificação plena do que tem vindo a acontecer. O poderoso vizinho
do Norte manteve, principalmente desde 1823 - data da chamada Doutrina Monroe
-, um tipo de domínio, mormente económico (e por vezes também político, o caso
do Chile de Pinochet, ilustra-o) sobre os Países do Sul. Um professor de
Geografia do ensino secundário chamou-nos a atenção para o facto de empresas
multinacionais, de origem americana, fomentarem nesses países a monocultura
(v.g. banana, café, cana de açúcar), tornando a economia nacional dependente do
preço bolsista internacional dessas commodities, que essas mesmas empresas
controlavam!...
Enfim, se muito tempo se passou sobre a colonização ibérica, também a Doutrina presidencial de James Monroe já tem dois séculos. Então não olhemos tão para trás para se encontrar explicação para o presente e para o futuro próximo na América Latina. Escrevi no meu comentário de 6/11, ao teu texto “Poupança e Investimento” que iríamos estar atentos ao que se passará no Chile e na Argentina. Passados uns dias, temos de juntar, pelo menos, a Bolívia!... Forte abraço. Carlos Traguelho
Enfim, se muito tempo se passou sobre a colonização ibérica, também a Doutrina presidencial de James Monroe já tem dois séculos. Então não olhemos tão para trás para se encontrar explicação para o presente e para o futuro próximo na América Latina. Escrevi no meu comentário de 6/11, ao teu texto “Poupança e Investimento” que iríamos estar atentos ao que se passará no Chile e na Argentina. Passados uns dias, temos de juntar, pelo menos, a Bolívia!... Forte abraço. Carlos Traguelho
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