Por duas cabeças bem pensantes. Vasco Pulido Valente oferece um
lamiré comparativo com o que se passa em Espanha, e, pessoa de bem, indigna-se
com a questão das deficiências patológicas de visibilidade provocatória servindo de arma de arremesso e provocação, aqui no país, ao que a hipocrisia de
aparente seriedade de Pacheco
Pereira oferece solução mais caricatural e perversa, para além da sua metáfora
astronómica chocarreira, sem grande senso, todavia.
I - CRÓNICA: Diário
Bem sei que a cultura republicana está
a desaparecer perante a cultura identitária mas, para a minha idade, um cidadão
continua a ser uma entidade abstracta, sem saias, sem cor e sem gaguez. Todo
este espectáculo me repugna e me enfurece.
VASCO PULIDO VALENTE PÚBLICO, 9
de Novembro de 2019
O
programa do governo desapareceu sob as saias do assessor de Joacine e a
política desapareceu sob a pessoa de Joacine ela própria. Bem
sei que a cultura republicana está a desaparecer perante a cultura identitária
mas, para a minha idade, um cidadão continua a ser uma entidade abstracta, sem
saias, sem cor e sem gaguez. Todo este espectáculo me repugna e me enfurece.
Quem leu as dezenas de artigos de
propaganda que Rui Tavares escreveu tentando convencer as pessoas que o
partido, absurdamente chamado Livre, era a esquerda europeia não pode deixar de
ficar embasbacado. O submundo das querelas radicais continua a fervilhar como
uma infecção, mesmo quando nós não damos por isso.
3 de Novembro: O debate entre os chefes dos partidos espanhóis
foi surpreendentemente calmo e bem-educado. Deu muito a pensar à direita. E
muitíssimo mais à esquerda. O Podemos
atacou constantemente o PSOE
pela simples razão de que quer ir para o governo com ele e o PSOE não
quer (e não só por causa das divergências a respeito da Catalunha).
Em
Portugal acontece exactamente a mesma coisa: o Bloco quer uma aliança, como eles dizem, “estável” e “a prazo” com o PS,
isto é, para a legislatura, e o PS não quer.
O
que Pedro Sánchez e António Costa temem acima de tudo é que a social-democracia
europeia, vigente nos seus partidos, seja invadida e substituída pelos radicais
à sua esquerda. Não sei bem o que se passa em Espanha. Em
Portugal é óbvio que não há nenhuma diferença entre a direcção do Bloco e a
esquerda do PS. Por isso Costa
promoveu a direita do partido e a gente da sua confiança, e deixou Pedro
Nuno Santos dependente da sua graça pessoal. Infelizmente,
com o tempo, suspeito que o Podemos e o Bloco vão ganhar: o radicalismo urbano
tendeu sempre a chegar às últimas consequências.
6 de Novembro: Duas técnicas da Segurança Social, seja isso o que
for, estão acusadas de tirar duas filhas à mãe. Essa mãe era vítima de
violência doméstica e fez, em protesto, vinte e seis dias de greve de fome
(vinte e cinco chegam para matar o adulto médio) e ainda hoje só pode ver as
filhas duas vezes por semana: aparentemente, o grande crime dela, que não se
provou, foi ter abandonado a criança mais velha, de quatro anos, num café.
Uma
pessoa pasma que dois funcionários administrativos – é isso que em última
análise as duas “técnicas” são – possam separar uma família ao seu arbítrio
pelo simples exercício de um poder que o Estado lhes conferiu. Mas podem. O
jornalismo que por aí se esfalfa a examinar a justiça portuguesa nunca deu por
esta barbaridade, que se instalou calada e burocraticamente. Quando a descobri,
num noticiário da SIC, tremi de medo. Um dia destes aparece-me um “técnico” em
casa, com um papel na mão, declara-me incapaz e mete-me num asilo; nenhum dos
nossos políticos vai achar que se tratou de uma violação dos direitos do homem.
A Constituição que se lixe. Colunista
II -OPINIÃO: Planetas, planetas anões e
satélites
Alguns planetas estão a passar a
planetas anões, caso do CDS, e pode ser que alguns dos actuais anões passem uns
a cometas e outros subam de categoria para planetas propriamente ditos. Esta
legislatura vai ser decisiva para a sorte dos pequenos partidos.
JOSÉ PACHECO PEREIRA PÚBLICO,
9 de Novembro de 2019
Vários
micropartidos
chegaram à Assembleia. Não é tão novidade quanto se diz, mas revelam
tendências de voto que são relevantes para a análise eleitoral, tanto mais que
acompanham o encolhimento dos grandes partidos PS e PSD, que no seu conjunto
estão a ficar longe do peso eleitoral que, em percentagem, tinham no passado, e
acentuam o papel da ideologia nas escolhas, diminuindo o chamado “voto útil”.
Todos os partidos de poder, o PS, o PSD e o CDS, e
mesmo o BE e o PCP sofreram essas consequências. Mas convém lembrar que não é assim tão difícil eleger
um deputado, desde que o voto esteja muito concentrado, por exemplo em Lisboa.
Veja-se o caso muito esquecido do PSN de Manuel Sérgio. Isto acentua o
enorme falhanço da Aliança que, nesta ecologia eleitoral, tinha, à partida,
algumas vantagens e perdeu tudo à chegada. O Chega é outra coisa, falaremos
disso depois. Se quisermos usar uma metáfora astronómica, deixamos de
ter na Assembleia os planetas gigantes, que são gasosos e estão a perder muito
gás e a aproximar-se dos seus núcleos sólidos, temos planetas propriamente
ditos, temos planetas anões e temos satélites. Alguns planetas estão a
passar a planetas anões, caso do CDS, e pode ser que alguns dos actuais
anões passem uns a cometas e outros subam de categoria para planetas
propriamente ditos. Esta legislatura vai ser decisiva para a sorte dos
pequenos partidos. De qualquer modo, como se verificou com o
despromovido Plutão, que passou de planeta a anão, mas apesar disso,
quando o podemos ver de perto, revelou-se muito mais interessante do ponto de
vista científico do que se imaginava. Até um coração tem.
Os Verdes rodeados pela “acção climática” por todo o
lado
Os
Verdes nunca tiveram a oportunidade de serem “verdes”, nem o quiseram, nem o
podiam. Criados pelo PCP, e dependentes do PCP para poderem estar nas listas da
CDU, com a conta exacta para duplicar o número de grupos parlamentares de que
os comunistas dispunham, nunca concorreram a eleições sozinhos. Foram de facto
pioneiros em algumas questões ambientais, com a solitária companhia do PSD numa
sua fase também pioneira, mas a sua voz nunca se ouviu como uma voz
independente. Agora é
tarde. Com partidos que rapidamente se moldaram às modas da “acção climática”,
sem grande tradição ambientalista como o BE e mesmo o PAN cujo “animalismo”
rapidamente se cobriu de ecologia, o PEV não tem chance de emancipação.
O Livre e o problema de Joacine
Eu
não quero saber das saias do assessor para nada, nem da bandeira da Guiné (e
a da União Europeia nos outros?), mas quero saber de duas coisas que estão
cada vez mais interligadas, a radicalização do Livre e a politização da gaguez de
Joacine, à direita e à esquerda. A
radicalização do Livre não se mede apenas pelas suas propostas programáticas,
mas também pela forma como o estilo da campanha e as escolhas das pessoas fazem
uma mutação invisível nessas propostas. O estilo, no caso do Livre, é hoje mais
revelador do que as propostas e o estilo, que tem a empatia da imagem, vale de
facto mais do que mil palavras. A politização da gaguez vem em pacote com o
estilo e ameaça ocultar qualquer discurso racional, se ele se tornar
deliberadamente inaudível. Não há nenhuma razão para que um deputado eleito não
seja mudo e “fale” apenas em linguagem gestual. Essa linguagem terá que ser
traduzida por um intérprete, e isso não muda nada de essencial no estatuto e
função do deputado. Uma solução próxima para Joacine, com alguém a ler as
intervenções da deputada, deixando para o discurso directo os debates e as
discussões, diminuiria o ruído e o papel da gaguez. Mas isso depende, como é óbvio,
da vontade da deputada. Só que o Livre e a sua representante parlamentar têm
que ter consciência de que essa escolha tem implicações políticas.
A Iniciativa Liberal e o voto dos
pobres A tese da
Iniciativa Liberal de que “a pobreza de muitos é aquilo que segura o PS no
poder” e que, por isso, o PS não combate eficazmente uma força que o mantém no
poder, é um absurdo. Se tivesse dito “a riqueza de alguns é aquilo que segura o
PS no poder” estaria mais certo.
O Chega e a eficácia: A primeira tentativa da direita radical de ter um
partido na competição eleitoral foi o PNR. Mas o PNR nunca conseguiu ter uma
componente populista que fosse o instrumento de que essa direita precisava. Durante
os anos da troika, a necessidade de ter uma expressão política para a direita
radical foi resolvida pela aliança do PSD-CDS, traduzida no governo de Passos e
Portas. Esta direita é fortemente pragmática, ou melhor, alguns dos seus
mentores são pragmáticos, querem é resultados. Não precisava de procurar votos
por si, o PSD dava-lhos para as políticas que precisava. Nunca teve tanto
poder, no limite do afrontamento constitucional, com o apoio da troika e da
União Europeia, e a flacidez do PS, daí a enorme orfandade quando Lopes perdeu
perante Rio. Por circunstâncias que combinam, como sempre na
história, intenção e acaso, o Chega chegou e tornou-se o pólo de atracção populista
que nunca existiu autonomamente desde o 25 de Abril. Fez uma excelente campanha
eleitoral, começou a servir de magneto para toda a direita radical, desde os
saudosos do salazarismo, aos nacionalistas e aos identitários, absorveu parte
do PNR, parte dos lesados do BES, os proto-gilets jaunes, penetrou na polícia e
na GNR, e começou a crescer no terreno fértil que vai das redes sociais à rua.
Com um tribuno capaz na Assembleia, com o treino dos debates do futebol, tem
todas as condições para crescer. É apenas um começo… Colunista
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