Parece que Pacheco Pereira receia pelas ligações da Polícia à direita, pois que
foi apoiada pelo Movimento Zero nas suas reivindicações. O certo é que os
nossos guardas souberam cantar o Hino Nacional, bem alinhados e bem fardados, conquanto
de costas para a Assembleia, o que é feio e pouco modelar, como exemplo de
respeito pela própria farda,
como lhes deve ter sido ensinado, ou talvez não. Mas temos o nosso PR a contemporizar, e a esperar delicadamente
que tudo se resolva no diálogo próprio da democracia, que é assim que se deve
fazer, para sermos os melhores de todos, na Europa e mesmo no mundo, tout va bien qui finit bien. Parece,
contudo, que já se marcaram novas manifestações lá para Janeiro, por isso não podemos
contar com os cravos ainda, que não é tempo, e também não é caso para tal, claro, desta vez é
coisa séria, faz parte do contexto que Abril
criou.
OPINIÃO: Olhar para os polícias de outra
maneira
Os polícias vêm dos mesmos meios que hoje
abandonam o Labour ou os democratas americanos, e sentem-se a perder autoridade
e estatuto que tinham quando ser polícia significava um upgrade nessas
comunidades.
JOSÉ PACHECO PETREIRA PÚBLICO
23 de Novembro de 2019
Num editorial recente no New
York Times, David Leonhardt comenta um artigo do Economist,
referindo a mudança significativa que está a acontecer no comportamento
eleitoral de comunidades de trabalhadores e operários em sítios como um porto
da costa inglesa, onde sempre se votou trabalhista, e no Ohio. No Reino Unido, vão votar em Boris
Johnson e nos EUA em Trump, em grande parte porque têm a percepção que os
partidos em que votavam tradicionalmente, o Labour e os Democráticos, já “não
estão ao seu lado”. No caso inglês votaram no “Brexit”
em massa e querem o Reino Unido fora da União Europeia, por temerem que o
mercado único lhes roube o emprego e mude o seu modo de vida, e, no caso americano, porque a
retórica política de Trump em defesa das indústrias nacionais, do “empregue
americano e compre americano”, parece proteger-lhes o emprego e o salário. As
coisas não são bem assim, mas é o que parece e é o que eles “sentem”.
Num
certo sentido, eles sentem a sua identidade social posta em causa por
partidos muito mais receptivos a assentar as suas políticas noutras identidades,
das mulheres na interpretação feminista, das
comunidades LGBT, da raça negra, da ecologia “climática”, da miríade de
identidades mais ou menos na moda, mais ou menos construídas
intelectualmente e que enchem o discurso da política mais radical, mas
também impregnam partidos que eram tradicionalmente partidos mais atentos à classe do que ao género, escolha sexual,
ou raça. E sendo
assim, não só não são entendidos como “não estando ao seu
lado”, mas como estando contra eles.
Nesses
artigos também é sublinhado que uma viragem à esquerda de partidos como o
PS, ou o Labour (que tem uma das direcções mais esquerdistas dos
últimos anos) ou os Democratas profundamente
divididos nestas matérias, mas que
nunca estiveram tanto à esquerda desde o New Deal, não resolve este crescente divórcio. Ou seja, quer a ala esquerda do PS que hoje abraça
todas as causas das novas identidades, quer o Bloco de Esquerda, não conseguem
travar o sentimento que “não estão ao lado” da mescla de gente que está cada vez mais
radicalizada contra os partidos de governo, desde os lesados do BES, desde os
“coletes amarelos”, até à juventude e aos idosos dos subúrbios, e que
caminham em direcção a um populismo claramente antidemocrático. Até agora esse populismo habitava as redes sociais, agora chegou
à rua e à Assembleia. Não adianta
a política do epíteto e do esconjuro, só a política do “entendimento” no
sentido weberiano do termo.
Em
Portugal, se olharmos para o crescimento do Chega, este foi o único dos pequenos partidos que foi
buscar votos fora de Lisboa, em áreas que votavam à esquerda. E, embora tirasse votos ao CDS e ao PSD,
presumo aliás mais ao segundo do que ao primeiro pela dimensão, o seu potencial
de crescimento não está na competição com esses partidos, a não ser pela
intermediação da abstenção zangada.
Daí
que o único partido que é um travão ao Chega, é, imagine-se, o PCP, que
é também o partido cujo eleitorado mais é sugado pelo Chega. Parece
contraditório, mas não é, porque a fronteira está ali, porque ambos partilham
de uma proximidade natural com aqueles que se sentem sem representação no
sistema político. Com o enfraquecimento do PCP, cresce o Chega, mas na verdade quem dá “contexto” ao crescimento do
Chega é o PS, o PSD e o Bloco. Com o tempo, o Chega alargará o seu recrutamento, esgotada
que esteja a expansão nas áreas comunistas, como aconteceu em França com a
Frente Nacional, para as áreas da abstenção, do ressentimento social e da zanga
com tudo e todos, muitas vezes mais relevante no plano simbólico do que real,
mas exactamente por ser assim, mais eficaz.
Não é preciso ir mais longe do que olhar para os polícias. Houve um tempo em que as reivindicações policiais
e da GNR eram expressas por sindicatos e associações de uma esquerda próxima do
PCP e da CGTP, mas hoje a força dominante é o Movimento Zero cuja relação com o
Chega se não existia já, é agora mais umbilical nos protestos das forças de
segurança. Os polícias, por muito que hábitos e idiossincrasias
simbólicas, em particular o sentimento de que são os que estão na linha da
frente do combate ao crime e quando as coisas não correm bem, são abandonados à
sua sorte, os aproximassem da direita mais radical, essa aproximação era
minoritária no plano político.
Até que as coisas mudaram. Os polícias vêm dos mesmos meios que hoje
abandonam o Labour ou os democratas americanos, e sentem-se a perder
autoridade e estatuto que tinham quando ser polícia significava um upgrade nessas
comunidades. E “quem está ao lado deles”? O Chega. Depois queixem-se.
COMENTÁRIOS
Manuel, 23.11.2019: O descontentamento das polícias está em grande parte
relacionado com a desconsideração com que vários sectores da sociedade os tratam
e não só com os ordenados. Partidos como o BE, pan, muitos órgãos de
comunicação social, etc, que quase sempre estão contra a policia, e depois o MP
e juízes que os tratam de "serventes", em tribunal por vezes os
humilham, condenam deixando os criminosos em liberdade e a rir, tornam a
profissão desmotivadora.
AndradeQB, 23.11.2019:
Caro Manuel, penso que tem absoluta
razão, mas isso é algo que não entra na cabeça de mentes preconceituosas e,
como se constata, há muitas. O reconhecimento tem a sua base material, mas tem
muito mais de transcendental e não se pode cortar nos dois em simultâneo. Sendo
que o respeito e reconhecimento não custam dinheiro, só de bom senso, equilíbrio
e sentido de justiça.
Não
sei tudo que PP diz e, como tal, até pode ter já dito o que está a dizer agora,
mas do que lhe tenho ouvido é a primeira vez que acerta na análise. Uma
pontaria que, no entanto, ainda não é suficiente para explicar porque é que os
partidos tradicionais esquecem estas massas marginalizadas e não podem agir de
outra maneira. Acontece que para defender os seus, que são os que não têm os
seus rendimentos cotejados directamente com os da China, têm que atirar outros
para as exigências dessa globalização. Agarram-se ao ordenado mínimo, de que o
Estado beneficia e muito com a tranche com que fica, para ganhar votos dos
desesperados, mas esquecem-se que os que eram menos desesperados não são
aumentados e passam para essa situação desesperada e, naturalmente, estranham a
descida.
Jose,
23.11.2019: A exploração do Homem pelo Homem caracteriza as lutas
dos povos com outros povos e a luta fratricida dentro de cada povo há muitos
milénios. Essa matriz essencial da natureza humana não se extinguiu ontem nem
ontem deu lugar a nada diferente. O topo da pirâmide social soma a cada momento
mais riqueza natural e valor acrescentado pelo Trabalho do proletariado. A base
dessa mesma pirâmide social a cada momento é mais pobre, dispersa e explorada.
A luta de hoje é a mesma de sempre. É a luta de classes, é criar liberdade no
interior do absoluto poder interno das hierarquias do patrão privado e público.
Os infiltrados nos polícias fazem-no anonimamente para destruir as
instituições políticas e sociais institucionalizados na Constituição. Não para
reforçar a luta de classes e as liberdades.
claudio
nero, 23.11.2019: O Povo tem que
saber Votar durante 45 anos Observámos Políticos Corruptos Gatunos Banqueiros e
salários Astronómicos nas Empresas Públicas ou seja, Todos a Roubar, Deviam ter
Vergonha
RUI ESTEVES: Isso que o sr claudio nero escreveu, mas escrito em
português, teria muito mais efeito. Assim fica-se com a ideia de que o sr.
cláudio encheu a boca de tremoços e está a cuspilhar um a um na cara do
parceiro. Essa sua invectiva faz lembrar uma metralhadora a despejar o
carregador de rajada.
Margarida
F. Paredes, 23.11.2019: "escolha
sexual" JPP? Já recomendei que não falasse do que não sabe ou fosse
estudar. A sexualidade não é uma escolha, é uma identidade sexual.
viana, 23.11.2019: É mentira que BE e PCP tenham "abandonado"
os polícias, em particular as suas reivindicações materiais. Essa narrativa é falsa,
e apenas "empurra" os polícias para o Chega. É verdade que esses
partidos têm apoiado um governo que recusa as reivindicações em causa, mas a
sua capacidade de influência é limitada. Quanto às questões imateriais,
obviamente ninguém à Esquerda pode contemporizar com quaisquer atitudes
racistas ou abusos de Poder nas forças policiais. Pelo contrário, tem de
ser proactiva, exigindo processos disciplinares céleres e consequentes para
todos os que desrespeitem a CRP.
Ceratioidei, 23.11.2019: O aproveitamento político do Chega e grupos idênticos
tem método. O êxito pressupõe organização, agenda e o estrito cumprimento de um
planeamento minucioso com objectivos claros à vista. Peritos na esgrima de
emoções negativas, fazem do populismo uma arma poderosa com que atacam as
instituições democráticas, visando o essencial, os recursos humanos, claro. A
ligação do Movimento Zero à manifestação das forças de segurança é um problema
enorme, espero que não seja a ponta de um icebergue. Espero também que
autoridades tais como o Observatório de Segurança, Criminalidade Organizada e
Terrorismo (OSCOT), estejam muito atentos.
Jose,
23.11.2019: O que é isso
de estar atento Caro Ceratioidei? É o ministro da tutela revisitar os CV dos
comandos das hierarquias militares e militarizadas e purgar os que ali estão
infiltrados contra a democracia como fez Eanes na sequência do golpe que
dirigiu em 25 de Novembro? É ficar à espera que esses infiltrados usem as armas
e munições que os contribuintes pagam para liquidar sindicalistas, sindicatos,
activistas sociais,... como no Brasil? É esperar com muita atenção que o topo
das hierarquias militar e militarizadas faça à democracia de abril o que os
milicianos fizeram há 45 anos ao topo da hierarquia militar e militarizadas e
ao topo da ditadura colonialista? É esperar, com muita atenção, o momento em
que o topo da hierarquia militar e militarizada faça em Portugal o que fez na
Bolívia?
Ceratioidei,
23.11.2019: Caro José, estar atento significa estabelecer prioridades. Nada é
um direito adquirido. Há que lutar pela democracia, sempre foi assim. Mesmo
quando parece que se atingiu um patamar irreversível, nada está garantido.
Insisto em exigir responsabilidade às instâncias para isso democraticamente
instituídas. Há alternativa? Considero o Zero um movimento perigoso, já vimos
este filme, por isso receamos a rapidez com que o mal se propaga. De repente é
tarde demais. Exijo por isso que as instâncias responsáveis estejam atentas. E
que o legislador assuma o seu mandato de acordo com o superior interesse
nacional. O perigo é real, tem toda a razão. Aqui onde vivo, dizemos que a
esperança e a sogra são as últimas a morrer. Não leve a mal, uma gargalhada
pode saber muito bem. Ao menos descomprime.
Susana Carvalho Pinto, 23.11.2019: Caro Pacheco Pereiro, Não há raças e ser mulher ou
africano não é uma construção, é mesmo realidade, e também não está na moda.
Mas, pelo que se percebe com este artigo de opinião, incomoda muita gente que
pessoas, antes silenciadas e todas como menos importantes, estejam a ganhar voz
e a fortalecer a sua posição.
Helder Antunes, 23.11.2019: Exactamente. Tem toda a razão. Agora não sei é como
classificar todos aqueles que aceitam que outros venham de fora, cá dentro,
tomar posições hostis.
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