sábado, 30 de novembro de 2019

SNS



Mais um texto esclarecedor de Alexandre Homem Cristo que nos informa seriamente sobre a “qualidade” dos Serviços de Saúde e sobre as manobras dos principais responsáveis pela sua degradação. Ler para reter. Alguns comentadores o apoiam, com igual hombridade.
Saúde: a geringonça tem as mãos sujas /premium
Com o SNS à beira do colapso, importa fixar isto: os que à esquerda hoje se posicionam na primeira fila para salvar o SNS são os mesmos que passaram os últimos 4 anos a autorizar o seu estrangulamento.
ALEXANDRE HOMEM CRISTO
OBSERVADOR, 28 nov 2019
Afirmar que o SNS está à beira do colapso é insistir numa evidência que todo país já constatou. É preciso salvá-lo, como tanto por aí se ouve? Sim, será. Mas, para o salvar, será antes forçoso perceber o que fez o SNS aproximar-se tanto do abismo. É essa reflexão política que PS-BE-PCP estão a bloquear, fazendo um spin de apelos pela salvação dos serviços públicos de saúde e sacudindo fantasmas contra a direita. Há dois dias, foi Francisco Louçã a fazer o número de contorcionismo. Antes, do lado do PS, foi a vez de Ana Catarina Mendes e Carlos César. Desde há um ano, outros dirigentes do BE têm feito o exercício. Se o cinismo matasse, caíram redondos no chão, pois só a cegueira ideológica faria alguém cair na narrativa de ocasião: os dados conhecidos sobre a queda do SNS mostram a profundidade das responsabilidades do PS (no governo) e da esquerda parlamentar (no apoio ao governo) nos últimos 4 anos.
Primeiro, essas responsabilidades são financeiras. De acordo com uma auditoria do Tribunal de Contas, a dívida do SNS a fornecedores e outros credores aumentou 51% entre 2014 e 2017 – de 1,9 mil milhões para 3 mil milhões de euros. O facto é particularmente preocupante se se tiver em conta que, entre 2011 e 2014, se havia conseguido reduzir a dívida a fornecedores de 3615 milhões para 1930 milhões. Ou seja, com o PS, observou-se a uma espectacular regressão, porque o agravamento da dívida teve particular incidência na passagem de 2016 para 2017, aumentando 21,4% num só ano. Apontou o Tribunal de Contas, ainda, que a raiz do problema estava na diminuição de transferências do Estado para o SNS. Repare-se: no triénio 2015-2017 foi transferido menos 6,1% do dinheiro que entrou no SNS durante o triénio 2012-2014 – com a particularidade de, nesse período, estar em curso o programa da troika.
O governo contestou estes dados, informando sobre a sua aposta em reduzir a dívida a fornecedores e de lançar um reforço orçamental no SNS para 2018 e 2019. O balanço do cumprimento desses compromissos será possível em breve, nomeadamente observando as verbas executadas no sector (por exemplo, há dias constatou-se que a dívida aos fornecedores continua a ser um desafio, mesmo após várias injecções de financiamento). Mas, mesmo aceitando essas intenções, isso apenas significaria que 2018 e 2019 serviriam para corrigir os erros de 2016 e 2017. Erros cujas consequências se arrastam e se manifestam repetidamente, seja através do encerramento de serviços de urgência, seja através de médicos que pedem escusas de responsabilidades (não têm meios para assegurar os cuidados adequados aos seus doentes), seja através dos alertas do Tribunal de Contas sobre a (in)sustentabilidade financeira da ADSE (em vias de voltar a ter de ser financiada pelo Orçamento de Estado). Olhe-se de onde se olhar, é impossível deixar de reconhecer que o SNS foi financeiramente estrangulado nos últimos anos — e que, consequentemente, quem aprovou os Orçamentos de Estado respectivos (PS-BE-PCP-PEV) na Assembleia da República tem a sua quota de responsabilidade.
Segundo, as responsabilidades de PS e de BE-PCP-PEV são também do domínio das políticas públicas: nestes últimos anos, o SNS permaneceu estagnado e em gestão corrente. Não se conheceu uma única visão reformista para modernizar o sector — exceptuando-se, talvez, uma disponibilização mais transparente dos dados de desempenho do SNS. É inegável que a situação do SNS é problemática há muito tempo, com desafios diagnosticados há vários anos. De resto, é de elementar bom-senso sublinhar que o envelhecimento da população portuguesa representa uma pressão crescente sobre os serviços de saúde – e que, inevitavelmente, as suas falhas se irão expandir se não se prepararem respostas adequadas.
Não foi, contudo, esse o debate estratégico que animou as hostes políticas nos últimos anos. Pelo contrário, a prioridade política dos partidos à esquerda foi a revisão da Lei de Bases da Saúde, num acto de propaganda alinhado com a comemoração dos 40 anos do SNS. E, nesse processo de revisão, a bandeira da esquerda parlamentar foi a ruptura com o sector privado, visando as PPP na saúde — por sinal, com excelentes indicadores de desempenho. Ou seja, em vez de preparar o futuro, a grande prioridade da esquerda parlamentar foi retirar da esfera pública os hospitais privados que têm servido bem a população e que tanto dinheiro têm poupado ao Estado — não só piorando a qualidade dos serviços prestados à população, como aumentando os encargos do Estado com esses cuidados. É certo que a ambição não foi cumprida na sua plenitude, mas esse caminho nefasto começou a ser percorrido.
Ora, o resultado destas opções (orçamentais e não-reformistas) no terreno foi um SNS de funcionamento débil e com indicadores de desempenho no vermelho. Dos dados disponíveis, sabe-se que, em 2018, os tempos de espera para consultas e cirurgias pioraram muito face a 2017, e nos vários graus de prioridade — para os “não-urgentes”, tal aconteceu também porque o governo decidiu redefinir para baixo os tempos máximos de espera, mas não deu meios aos hospitais para os cumprir. E, de resto, nem os dados são inteiramente fiáveis, visto que o Ministério da Saúde é suspeito de ter executado uma limpeza administrativa das listas de espera — um alerta do Tribunal de Contas (2017) acerca da qual escrevi aqui e que, mais recentemente, foi avaliado por um grupo de trabalho, que acusou a Administração Central do Sistema de Saúde (ACSS) de bloquear a informação necessária para assim impedir a avaliação do impacto dessa exclusão de doentes das listas.
Sim, fazer o diagnóstico do que está a corroer SNS é crucial para o melhorar — e todos esperamos que o próximo Orçamento de Estado responda a essas necessidades com seriedade. Mas o diagnóstico político é igualmente indispensável e nenhum exercício de retórica politiqueira poderá apagar as responsabilidades de PS-BE-PCP-PEV no actual estado do SNS. É, claro, elementar apontar o dedo ao PS, no governo, porque é o primeiro responsável. Mas o PS não fez nada disto sozinho. Os que à esquerda hoje se posicionam na primeira fila para salvar o SNS são, precisamente, os mesmos que passaram os últimos 4 anos a autorizar o seu estrangulamento. Por mais que sacudam responsabilidades, as suas mãos permanecerão sujas.
COMENTÁRIOS
Ana Brito: O PS gere o país como um motel de beira de estrada: entra quem quer, faz-se dinheiro com tudo, o dinheiro entra aos rodos, mas para os mesmos. Quando desaparece, só fica terra queimada.
Maria Carmo: Excelente artigo. A esquerda miserável apoiou todos os orçamentos e cativações que levaram a esta tristeza. O sector privado não tem falta de médicos por uma razão simples: paga o que é justo!
Ana Brito: O país está a ser governado como um bordel: entra quem quer, ganha-se dinheiro com tudo, não se salvará ninguém!
Carlos Chaves: Caro Alexandre obrigado pelo seu artigo, por enquanto parecem só números o pior é quando esses números começarem a revelar o agravamento dos indicadores de mortalidade (e já começaram), do acesso aos cuidados de saúde, de diagnóstico, de medicação… no fundo de atraso no progresso que se quer na nossa sociedade. Enquanto nós pioramos, outros melhoram e o fosso não para de aumentar. São os resultados que a esquerda tem para apresentar!           
Stra. Anabela Faísca: Adianta muito estes artigos a criticar o que está mal, quando antes os mesmos criticavam ainda mais quem queria reformar o país e tornar mais transparentes as instituições.
Leopoldo Palha: Não é só na saúde, o mesmo se passa nos transportes e na educação.
A concordância com as cativações, a canalização do dinheiro para "seu público" (leia-se funcionários públicos), fazem do BE e do PCP cúmplices de tudo o que está a acontecer e não virgens ofendidas do estado capitalista, como gostam tanto de fazer.
José Montargil: O SNS tornou-se numa maldição para os portugueses! Tem decaído a olhos vistos. Em plena crise, em 2012 e 2013, fui variadíssimas vezes como acompanhante a hospitais públicos e posso garantir que os doentes tinham todos os cuidados que os médicos consideravam na altura necessários. Nunca percebi que algum tratamento ou operação não eram feitos para evitar despesas. Em 2019 é completamente o inverso. Os doentes passam mal porque acima de tudo há que evitar gastos. Não se fazem operações para não gastar dinheiro em material. Não foram os médicos nem os enfermeiros que mudaram, pois continuam os mesmos. Foi a política desgraçada que esta esquerda sinistra tem feito na Saúde e que os doentes ficam em último lugar. Este governo, esta política por ele desenvolvida é criminosa. O orçamento de Portugal é completamente manipulado em função de interesses partidários, tendo em consideração apenas motivos e crenças políticas. Portugal está entregue a políticos oportunistas que apenas pretendem obter dinheiro, poder à custa dos doentes que são os contribuintes, os que pagam esta política de terra queimada.
Maria Mateus: Se isto fosse no tempo de P Coelho havia manifestações de rua e protestos à porta dos hospitais.  Mas, com a ajuda conivente de uma CS amestrada, tenta-se varrer todos os males para debaixo do tapete.  Aposto que ainda há gente a dizer que a culpa é do Passos Coelho. Gente  hipócrita e sem vergonha.  Mas temos que reconhecer que os Portugueses que votaram nesta corja (e também os que não se deram ao trabalho de votar) têm muita culpa nisto.

Nenhum comentário: