Parece ser o que se está a passar - em
gíria disfemística, convenho - esta de impedir que falem alguns mandatados para
o fazerem. E os do impedimento são necessariamente movidos por normas de raiz
proverbial, tal essa de “o silêncio é de
oiro e a palavra de prata”, para certos casos. Por isso se lhes “corta o
pio”, numa de “Quero, posso e mando”,
que se julgava arredado do nosso esquema político actual. Mas vê-se que não,
que o esquema se mantém, quando se pode. Paulo
Rangel explica. Bem, como sempre.
OPINIÃO
A
tentação do PS, do BE e do PCP de domesticar o Parlamento
Ora, é por demais evidente que, em
particular para o Bloco e o PCP, esta liberdade ou libertinagem discursiva será
altamente penalizadora, pois já não poderão responder “na mesma moeda”, nem
poderão “subir a parada”.
PAULO RANGEL
PÚBLICO, 12 de Novembro de 2019
1. Há
manobras que não podem passar em claro. Na
passada semana, os líderes parlamentares do PS, do Bloco e do PCP – a que se
juntou o grupo artificial dos Verdes – decidiram abafar e silenciar os novos partidos com
assento na Assembleia da República. Fizeram-no seguramente com a anuência e a
conivência dos respectivos chefes partidários. Ana Catarina Mendes, Pedro
Filipe Soares e João Oliveira (mais o satélite “verde” deste) tentaram um golpe
de secretaria para não dar a palavra aos deputados do Chega, da Iniciativa
Liberal e do Livre. Como líderes parlamentares, a quem compete velar pelo
bom funcionamento da “casa da democracia”, têm de ser confrontados com as suas
responsabilidades. O silêncio prolongado destes líderes parlamentares é
confrangedor: não foram nem são capazes de dar a cara pela posição que
definiram. A proibição de que os deputados únicos dos novos
partidos tenham tempo de palavra nos “debates quinzenais” é grave,
injustificável e denota uma tentação hegemónica e autoritária. Trata-se de
uma posição democraticamente insustentável e que mostra a insuportável
arrogância (supostamente) moral da esquerda.
2. Percebe-se
qual era o cálculo e a intenção pragmática das forças da esquerda. Por um lado, calar o Livre, que, por razões diversas, é
percepcionado por todos eles como perigosa concorrência. Por outro lado, silenciar a Iniciativa Liberal, que,
alinhando por um credo nos antípodas dos socialismos, não terá qualquer pejo em
enfrentar desabridamente a esquerda. Por outro lado ainda, apagar o Chega, que, sendo um movimento
conservador e populista de direita radical, agita todos os fantasmas. A estas razões, acresce uma outra que é comum a todos
e talvez a principal. É que os
três novos partidos com representação parlamentar não são nem esperam ser
“partidos de Governo”; num certo sentido, e cada um à sua maneira, são ainda
partidos de protesto. Esta natureza tribunícia de partidos de protesto – de
partidos “fora do sistema” – dá-lhes uma liberdade e latitude de discurso que
nenhum dos outros pode ter. Até 2015, é bem verdade que, no espectro
esquerdo, só o PS tinha a carga de ser um típico “partido de Governo”. Mas a
partir de 2015, com a geringonça, o Bloco e o PCP passaram a ser partidos do
“arco da governação”, foram aspirados para o interior do “sistema”. Deixaram,
pois, de ser partidos de protesto, que tudo podiam dizer e propor sem serem
“responsabilizados” por isso. Ora, é por demais evidente que, em particular
para o Bloco e o PCP, esta liberdade ou libertinagem discursiva será altamente
penalizadora, pois já não poderão responder “na mesma moeda”, nem poderão
“subir a parada”. Na verdade, é o receio do uso dessa liberdade que suscita
esta tentativa de impor a “lei da rolha” parlamentar.
3.
No momento em que escrevo, o PS e o Bloco já estão em contenção de danos,
procurando fazer passar a ideia – num discurso legalista, burocrático e
embrulhado – de que nunca foram contra a participação plena dos deputados
únicos nos trabalhos parlamentares. Mas são desculpas de mau pagador e lágrimas
secas de arrependidos. Tanto mais que o Presidente da República e o Presidente
da Assembleia, muito em tempo, mostraram a sua visceral discordância desta
manobra ínvia. Com efeito, por mais piruetas que façam e rocambolescos
argumentos que queiram terçar, a intenção era evidente: apagar
o mais possível a pegada dos novos “competidores”.
4.
Está em causa uma questão de princípio, essencial à democracia e ao Estado de
Direito, em que as minorias estão devidamente protegidas. Evidentemente que
esta protecção deve e tem de ser proporcionada e razoável. Existe o precedente
do PAN que, nos debates quinzenais, tinha o tempo de palavra de um minuto.
Muitos acharão esse tempo escasso; mas posso afiançar, pela experiência do
Parlamento Europeu, em que os deputados têm normalmente um minuto de tempo
máximo, que é perfeitamente funcional e permite o exercício de um escrutínio
substantivo. Significa
isto que, nesta polémica mais imediata, a respeito do debate quinzenal de
amanhã, do que se tratava era de um acréscimo de seis minutos
ao tempo total do debate (um minuto de perguntas para cada um dos três partidos
e um minuto de resposta do primeiro-ministro para cada uma das três perguntas).
Que uns míseros seis minutos ponham em causa uma prática que garante o respeito
pelos princípios elementares da democracia é triste e é significativo.
5. Os
argumentos legalistas – sempre muito do agrado do PS – não colhem nem convencem. Diz-se que tem de se mudar o regimento da Assembleia
e que isso leva tempo. Se tem de se mudar, pois que se mude. Mas é estranho
que ninguém convoque o precedente do PAN para falar num “costume” ou numa
“convenção” regimental ou até constitucional. A vida
política em geral não é apenas regida pelo texto constitucional e por outros
textos legais; é também pelos costumes, pelas praxes, pelos usos, pelas
convenções, pelos precedentes constitucionais – que não estão nem têm de estar
escritos. Os
Parlamentos, com a sua dinâmica e o seu frenesim político, estão sujeitos, mais
do que qualquer outra instituição, à força normativa dos costumes e das praxes.
Que o precedente do PAN não seja visto, por nenhum dos líderes parlamentares
“silenciadores”, como uma praxe ou até um costume revela bem quão funda era a
sua intenção “proibicionista”. Correu-lhes mal, apesar de uma enorme
complacência da comunicação social, que nunca perdoaria gesto similar a uma
qualquer maioria de centro-direita. Mas as redes sociais
encarregaram-se de dar voz e robustez à indignação, lutando para que o
Parlamento seja capaz de respeitar as suas próprias praxes.
SIM. Carlos do Carmo. Não há palavras: ninguém as
“canta-diz” ou “diz-canta” como ele. A música deve-lhe muito, mas a língua
portuguesa não deve menos. Prova afinal que o português “de Portugal” pode ser
cantado.
NÃO. Eleições em Espanha. Os resultados só vieram reforçar
o impasse político, que se mostra muito difícil de resolver. Como lidar com a
Catalunha? A vitória de Sanchez foi uma vitória de Pirro. Tudo muito preocupante.
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