terça-feira, 12 de novembro de 2019

“Cortar o pio”



Parece ser o que se está a passar - em gíria disfemística, convenho - esta de impedir que falem alguns mandatados para o fazerem. E os do impedimento são necessariamente movidos por normas de raiz proverbial, tal essa de “o silêncio é de oiro e a palavra de prata”, para certos casos. Por isso se lhes “corta o pio”, numa de “Quero, posso e mando”, que se julgava arredado do nosso esquema político actual. Mas vê-se que não, que o esquema se mantém, quando se pode. Paulo Rangel explica. Bem, como sempre.
OPINIÃO
A tentação do PS, do BE e do PCP de domesticar o Parlamento
Ora, é por demais evidente que, em particular para o Bloco e o PCP, esta liberdade ou libertinagem discursiva será altamente penalizadora, pois já não poderão responder “na mesma moeda”, nem poderão “subir a parada”.
PAULO RANGEL
PÚBLICO, 12 de Novembro de 2019
1. Há manobras que não podem passar em claro. Na passada semana, os líderes parlamentares do PS, do Bloco e do PCP – a que se juntou o grupo artificial dos Verdes – decidiram abafar e silenciar os novos partidos com assento na Assembleia da República. Fizeram-no seguramente com a anuência e a conivência dos respectivos chefes partidários. Ana Catarina Mendes, Pedro Filipe Soares e João Oliveira (mais o satélite “verde” deste) tentaram um golpe de secretaria para não dar a palavra aos deputados do Chega, da Iniciativa Liberal e do Livre. Como líderes parlamentares, a quem compete velar pelo bom funcionamento da “casa da democracia”, têm de ser confrontados com as suas responsabilidades. O silêncio prolongado destes líderes parlamentares é confrangedor: não foram nem são capazes de dar a cara pela posição que definiram. A proibição de que os deputados únicos dos novos partidos tenham tempo de palavra nos “debates quinzenais” é grave, injustificável e denota uma tentação hegemónica e autoritária. Trata-se de uma posição democraticamente insustentável e que mostra a insuportável arrogância (supostamente) moral da esquerda.
2. Percebe-se qual era o cálculo e a intenção pragmática das forças da esquerda. Por um lado, calar o Livre, que, por razões diversas, é percepcionado por todos eles como perigosa concorrência. Por outro lado, silenciar a Iniciativa Liberal, que, alinhando por um credo nos antípodas dos socialismos, não terá qualquer pejo em enfrentar desabridamente a esquerda. Por outro lado ainda, apagar o Chega, que, sendo um movimento conservador e populista de direita radical, agita todos os fantasmas. A estas razões, acresce uma outra que é comum a todos e talvez a principal. É que os três novos partidos com representação parlamentar não são nem esperam ser “partidos de Governo”; num certo sentido, e cada um à sua maneira, são ainda partidos de protesto. Esta natureza tribunícia de partidos de protesto – de partidos “fora do sistema” – dá-lhes uma liberdade e latitude de discurso que nenhum dos outros pode ter. Até 2015, é bem verdade que, no espectro esquerdo, só o PS tinha a carga de ser um típico “partido de Governo”. Mas a partir de 2015, com a geringonça, o Bloco e o PCP passaram a ser partidos do “arco da governação”, foram aspirados para o interior do “sistema”. Deixaram, pois, de ser partidos de protesto, que tudo podiam dizer e propor sem serem “responsabilizados” por isso. Ora, é por demais evidente que, em particular para o Bloco e o PCP, esta liberdade ou libertinagem discursiva será altamente penalizadora, pois já não poderão responder “na mesma moeda”, nem poderão “subir a parada”. Na verdade, é o receio do uso dessa liberdade que suscita esta tentativa de impor a “lei da rolha” parlamentar.
3. No momento em que escrevo, o PS e o Bloco já estão em contenção de danos, procurando fazer passar a ideia – num discurso legalista, burocrático e embrulhado – de que nunca foram contra a participação plena dos deputados únicos nos trabalhos parlamentares. Mas são desculpas de mau pagador e lágrimas secas de arrependidos. Tanto mais que o Presidente da República e o Presidente da Assembleia, muito em tempo, mostraram a sua visceral discordância desta manobra ínvia. Com efeito, por mais piruetas que façam e rocambolescos argumentos que queiram terçar, a intenção era evidente: apagar o mais possível a pegada dos novos “competidores”.
4. Está em causa uma questão de princípio, essencial à democracia e ao Estado de Direito, em que as minorias estão devidamente protegidas. Evidentemente que esta protecção deve e tem de ser proporcionada e razoável. Existe o precedente do PAN que, nos debates quinzenais, tinha o tempo de palavra de um minuto. Muitos acharão esse tempo escasso; mas posso afiançar, pela experiência do Parlamento Europeu, em que os deputados têm normalmente um minuto de tempo máximo, que é perfeitamente funcional e permite o exercício de um escrutínio substantivo. Significa isto que, nesta polémica mais imediata, a respeito do debate quinzenal de amanhã, do que se tratava era de um acréscimo de seis minutos ao tempo total do debate (um minuto de perguntas para cada um dos três partidos e um minuto de resposta do primeiro-ministro para cada uma das três perguntas). Que uns míseros seis minutos ponham em causa uma prática que garante o respeito pelos princípios elementares da democracia é triste e é significativo.
5. Os argumentos legalistas – sempre muito do agrado do PS – não colhem nem convencem. Diz-se que tem de se mudar o regimento da Assembleia e que isso leva tempo. Se tem de se mudar, pois que se mude. Mas é estranho que ninguém convoque o precedente do PAN para falar num “costume” ou numa “convenção” regimental ou até constitucional. A vida política em geral não é apenas regida pelo texto constitucional e por outros textos legais; é também pelos costumes, pelas praxes, pelos usos, pelas convenções, pelos precedentes constitucionais – que não estão nem têm de estar escritos. Os Parlamentos, com a sua dinâmica e o seu frenesim político, estão sujeitos, mais do que qualquer outra instituição, à força normativa dos costumes e das praxes. Que o precedente do PAN não seja visto, por nenhum dos líderes parlamentares “silenciadores”, como uma praxe ou até um costume revela bem quão funda era a sua intenção “proibicionista”. Correu-lhes mal, apesar de uma enorme complacência da comunicação social, que nunca perdoaria gesto similar a uma qualquer maioria de centro-direita. Mas as redes sociais encarregaram-se de dar voz e robustez à indignação, lutando para que o Parlamento seja capaz de respeitar as suas próprias praxes.

SIM. Carlos do Carmo. Não há palavras: ninguém as “canta-diz” ou “diz-canta” como ele. A música deve-lhe muito, mas a língua portuguesa não deve menos. Prova afinal que o português “de Portugal” pode ser cantado. 
NÃO. Eleições em Espanha. Os resultados só vieram reforçar o impasse político, que se mostra muito difícil de resolver. Como lidar com a Catalunha? A vitória de Sanchez foi uma vitória de Pirro. Tudo muito preocupante. 


Nenhum comentário: