Não há dúvida de
que nem sempre compreendemos o que por aí vai, regemo-nos por normas que vêm de
ideais, talvez platónicos, e cristãos, ou confucianos, ou tantos outros, de filósofos
que assim foram fabricando normas de comportamento, mas de acordo com
princípios eternos, segundo a dicotomia do Bem e do Mal e de Pecado e Culpa. Leio na Internet, por exemplo, o pensamento de Confúcio «O homem superior atribui a culpa a si próprio; o
homem comum, aos outros» Acho que somos quase todos comuns, é por isso que não
nos entendemos, o boneco que fabricamos segundo o modelo que construímos encontra
os obstáculos que os bonecos dos outros proporcionam e afinal é isso que faz
girar o mundo, com os descarrilamentos próprios. A entrevista de Teresa de Sousa a Daniel Innerarity, que é filósofo, tenta mostrar que os tais conceitos não
servem mais, veremos os modelos que vêm a seguir. Temos de evoluir conforme os
novos mecanismos tecnológicos que alteram cada vez mais os comportamentos
humanos, daí que os conceitos também se alterem e a perplexidade seja contínua, e
as soluções efémeras…
ENTREVISTA: Daniel Innerarity: “Os
conceitos com os quais discutimos estão totalmente ultrapassados”
Estamos a fazer os debates do passado com
conceitos do passado. É este, diz o filósofo basco Daniel Innerarity, o maior
problema dos nossos dias. Acredita na resistência das democracias.
TERESA DE SOUSA
PÚBLICO, 2 de
Novembro de 2019,
Daniel Innerarity acaba de
publicar "Política para Perplexos". A sua última obra acaba de ser
editada em português pela Porto Editora, depois de ter sido publicada no ano
passado em Espanha. Chama-se Política
para Perplexos e vem na
sequência da Política em Tempos
de Indignação que tinha escrito pouco tempo antes. Professor de
Filosofia na Universidade de Saragoça, Innerarity tem uma vasta obra, boa parte da qual publicada em
Portugal, com a virtude de somar a uma linguagem simples uma grande
actualidade. Política
para Perplexos analisa o tempo em que vivemos no qual a incerteza e
com ela a imprevisibilidade são o traço fundamental, tornando a resolução dos
problemas das nossas sociedades muito mais difíceis de resolver. A sua
próxima obra, que sairá em breve, trata justamente da crescente complexidade
das sociedades democráticas e dos crescentes desafios que coloca a governantes
e a governados. A partir da ideia de que os sistemas democráticos são mais
resistentes do que parecem.
Primeiro escreveu um livro sobre o tempo da indignação, agora
escreveu outro sobre o tempo das perplexidades. Deixámos de estar indignados?
Estamos apenas perplexos?
Pareceu-me
que em relativamente pouco tempo tínhamos passado de uma situação de indignação
para outra de perplexidade, mas sem que as causas que provocaram a revolta
tenham encontrado soluções.
Os problemas são os mesmos? Sim,
mas passámos para uma situação de perplexidade. Os momentos de
indignação, numa sociedade, são momentos de bastante clareza. Na época de maior
indignação, sabíamos quem eram os culpados, o que estava mal e o que estava
bem, quem eram os bons e os maus, o que era preciso mudar. O que aconteceu foi
que, em meia dúzia de anos, tudo isto se transformou num horizonte de
perplexidade. Em relativamente pouco tempo passámos de uma situação de
indignação para outra de perplexidade, mas sem que as causas que provocaram
a revolta tenham encontrado soluções.
Em que sentido? Creio que as
nossas sociedades democráticas são capazes de gerar movimentos sociais,
reacções eventuais que apontam numa determinada direcção, como foi o caso do
“Brexit” ou dos Indignados, mas que têm de ser traduzidas politicamente. É esta
segunda parte que se tem revelado mais difícil. O soberano diz não. “Não
queremos estar na Europa”, dizem os britânicos. “Queremos outro modelo
produtivo”, dizem os Indignados. A partir daqui é preciso construir uma
soberania positiva. É preciso construir um novo acordo em Westminster, que não
parece fácil. É preciso construir, por exemplo, uma política de habitação e de
crédito que evite os despejos. Esta é a segunda parte. Que é mais política.
Mas que não está a funcionar? Que
não está a funcionar.
O que diz no livro é que esta perplexidade se traduz em incerteza. E
que a incerteza quer dizer, em termos políticos e sociais, imprevisibilidade.
Ninguém esperava a eleição de Trump até ao dia em que foi eleito. Ninguém
esperava o “Brexit” até ao dia do referendo. Ninguém esperava a entrada da
extrema-direita no Bundestag. É isto que provoca angústia?
A
nossa capacidade de compreender a realidade é limitada e quando temos
estabilidade institucional, tradições poderosas, um tempo social lento, podemos
orientar-nos com certa facilidade. Num mundo acelerado, pós-convencional,
quando muitas coisas são postas em causa – e não queremos prescindir desse
questionamento, porque faz parte da democracia – pagamo-lo com o aumento da
incerteza.
Hoje
cada um de nós tem de decidir sobre cada vez mais coisas, não apenas sobre
votar ou não e em quem. O papel dos homens e das mulheres? Durante muito tempo
não se questionou. Hoje cada um tem de decidir até sobre o sexo. É apenas um
exemplo entre muitos de um vasto conjunto de coisas sobre as quais temos de
tomar decisões. Por vezes isto cria uma sobrecarga subjectiva e alguma
desorientação. Para isso, não temos instrumentos. Num mundo acelerado,
pós-convencional, quando muitas coisas são postas em causa – e não queremos
prescindir desse questionamento, porque faz parte da democracia – pagamo-lo com
o aumento da incerteza. Voltando atrás. Aconteceram coisas que não fomos capazes de prever. Não
sabemos o que pode acontecer amanhã. Mas hoje, olhando para trás, conseguimos
encontrar explicações para aquilo que aconteceu e que talvez não fosse assim
tão imprevisível. O problema é que as explicações a posteriori
são muito úteis para os historiadores, mas não para os cidadãos e, muito
menos, para os políticos que se vêem obrigados a tomar decisões em cima dos
acontecimentos.
Mas havia explicações. A globalização, o aumento das desigualdades,
os media sociais que mudaram a forma como comunicamos e, portanto, vivemos, os
fluxos migratórios crescentes. Há razões para as quais não olhámos como a
devida atenção? Ou era impossível antecipá-las? O que sabemos é que, pelo menos, as receitas
tradicionais servem de muito pouco. Os conceitos políticos como soberania,
território, poder, representação, vêm de há cerca de 300 anos, quando as
sociedades eram autoritárias, tinham espaços limitados e muito pouca
mobilidade, sem tecnologias sofisticadas. Como disse, todo esse mundo
desapareceu, as coisas mudaram e os conceitos políticos não evoluíram em
conformidade. Mas há também uma responsabilidade das elites politicas,
académicas, económicas de não procurar novas soluções, alimentando a
desconfiança das pessoas em relação a elas e à forma como vivem, sem grande
preocupação com a vida dos outros. Há aqui também um problema.
Há uma responsabilidade especial dos que tiveram e têm
mais poder, mas prefiro dizer que há uma responsabilidade partilhada. Porque
os tipos de dirigentes que temos, de jornalistas, de professores, também
resultam da forma como a generalidade dos cidadãos se comporta. Não estou a
dizer que a responsabilidade é a mesma. Estou a dizer que é muito cómodo
responsabilizar as elites e, por essa via, desresponsabilizar os outros
cidadãos. E isso permite-lhes continuar a consumir, comunicar, votar da mesma
maneira. Como cidadãos, temos de nos colocar no campo da
co-responsabilidade.
Justamente, o populismo que entrou em força na
cena política das democracias, apresenta-se em defesa do povo contra as elites.
Sem que, aparentemente, as elites tenham respostas convincentes. Basta olhar
para a Europa: os populistas avançam, mas a política dos governos muda pouco
em resposta aos novos problemas.
Tendo sempre a sublinhar que populismo e tecnocracia, que são como as duas grandes
famílias ideológicas que substituíram as clássicas, estabeleceram uma espécie
de grande ruptura nas nossas sociedades e é esse o verdadeiro drama: por um
lado, as razões da razão e, por outro, as razões do coração, das emoções. A
irresponsabilização das massas, a adulação do povo e a opacidade tecnocrática.
A verdadeira solução não será optar por dizer às pessoas o que elas querem
ouvir ou fazer políticas racionais, mas sim tentar suturar esta dicotomia. É muito cómodo responsabilizar as elites e, por essa
via, desresponsabilizar os outros cidadãos. E isso permite-lhes continuar a
consumir, comunicar, votar da mesma maneira. Como cidadãos, temos de nos
colocar no campo da co-responsabilidade.
Mas não se tem conseguido
fazê-lo. Não. E nós, como consumidores, como cidadãos, também não temos conseguido
fazê-lo, porque continuamos a gostar de ouvir aquilo que queremos ouvir e não
nos situamos num grau diferente de responsabilidade. Agora falamos muito da
crise climática, e eu pergunto se, para nós, é mais fácil ir a uma manifestação
à sexta-feira ou consumir de outra maneira.
É mais cómodo ir à
manifestação. Por exemplo, o peso crescente da população idosa na Europa implica que os
interesses dos actuais votantes estão híper-representados em relação aos
futuros votantes – muitos que ainda nem sequer nasceram. Temos um sistema
político que equilibra relativamente bem os interesses entre os contemporâneos
– trabalhadores, empresários, classes sociais, grupos diversos –, mas há
uma nova relação de justiça entre os presentes e os ausentes para as quais
temos instituições muito pouco preparadas.
Estamos a fazer o debate que
interessa ou estamos a debater com conceitos do passado, estamos a fazer os
debates do passado? Estado-mercado, esquerda-direita, etc.? Creio que não. As nossas
agendas politicas são muito limitadas, pela própria estrutura da confrontação
política que tende a reduzir os debates a dois ou três temas e mais nada,
deixando muita coisa fora do campo da atenção. E além disso, os conceitos com
os quais discutimos são conceitos totalmente ultrapassados.
Porquê? Porque estamos a questionar o mundo do passado, que já
não existe. Creio que estamos num momento “teórico” da democracia, se me é
permitida a expressão, no qual a gente mais capaz sabe que necessita de novos
conceitos, que precisa de pensar e que a aceleração dos processos habituais na
mesma direcção não nos levará a lado nenhum.
Por exemplo, Emmanuel Macron tentou mudar os termos do debate
político, traçando uma linha divisória, já não entre esquerda e direita, mas
entre abertura e fechamento. É um caminho? Permita-me
este orgulho tribal do grémio dos filósofos, mas Macron
é um filósofo. Conheci-o
noutro contexto quando exercia essa profissão. Creio que ele entendeu bem esta
mudança de eixo do mundo. António
Costa, dizem-me que
reflectiu muito sobre as categorias novas que coloco nos meus livros. Viajo
muito, dou aulas em Florença, tenho relações frequentes com políticos como os
do Partido Democrático em Itália, e percebo que existe uma inquietação.
Creio que estamos num momento “teórico” da democracia, se me é permitida a
expressão, no qual a gente mais capaz sabe que necessita de novos conceitos,
que precisa de pensar e que a aceleração dos processos habituais na mesma
direcção não nos levará a lado nenhum. E que provavelmente uma boa reflexão
vai ajudar-nos a poupar muito tempo, embora pareça o contrário. Neste momento,
quem se arrisca a perder mais tempo é quem tenta acelerar os processos sociais.
Mas a velocidade a que ocorrem
hoje os acontecimentos levam os políticos a pensar apenas no dia seguinte. A própria estrutura das
instituições, o facto de articularmos o tempo político em períodos eleitorais –
e não queremos renunciar a isso –, faz com que haja muito poucos incentivos
para que os agentes políticos tenham em conta interesses que estão fora desse ciclo
de campanhas eleitorais e de reeleições. Mas há cada vez mais instrumentos nas
instituições políticas que tratam de manter presentes os interesses de longo
prazo para a vida quotidiana. Por exemplo, aquilo a que os britânicos chamam os
“instrumentos para o compromisso” – os Objectivos do Milénio para o
Desenvolvimento Sustentado, os think-tanks,
as instituições independentes, todas as instituições que de alguma maneira
estão parcialmente emancipadas do ciclo político, como os Provedores de Justiça
ou as agências reguladoras – todo este mundo, embora não seja democrático no
sentido de que não é eleito, reequilibra muito essa velocidade relacionada com
o ciclo eleitoral.
Mais no mundo anglo-saxónico,
embora seja comum à maioria das democracias liberais. E no Norte da Europa. Mas a
União Europeia ajudou a desenvolvê-las. A União Europeia, mesmo quando não são
evidentes as suas virtudes democráticas, funciona como contrapeso a sociedades
nacionais que apenas se preocupam com a dimensão eleitoral da democracia. E
isso pode ser positivo.
Refere as sociedades cada vais
mais fragmentadas, como uma das complexidades das novas realidades com que nos
deparamos. As novas forças políticas que estão a emergir a par com o
enfraquecimento das tradicionais correspondem a esta maior fragmentação da
sociedade? É um perigo e uma oportunidade ou apenas um perigo? De alguma maneira, a oferta
eleitoral enriqueceu-se e diversificou-se, como se diversificou a sociedade.
Antes, estávamos mais bem agrupados em classes, em famílias, em identidades
diferentes, mas agora encontramos na sociedade pessoas com identificações muito
diversas e, às vezes, contraditórias. Estas identidades não são bonecas russas,
que se encaixam todas dentro umas das outras. Creio que estes novos mapas
correspondem a uma pluralização da própria identidade de cada um. Ao mesmo
tempo, creio que em muitos países assistimos à erupção de novas forças – estou
a pensar em Itália, Espanha, França – que vieram desestabilizar o velho
bipartidarismo, mas que agora começam a perder um pouco de energia.
Agora? Agora. Creio que as clássicas
famílias políticas que fizeram o compromisso do Estado de Bem-estar – a
social-democracia e a democracia-cristã – vão manter-se bastante mais
resistentes do que, neste momento, nos pode parecer.
Isso seria bom para preservar
a integração europeia. A Comissão Von der Leyen precisou do acordo de quatro famílias políticas,
quando até agora bastavam as duas maiores. Também passámos de uma Europa
assente no eixo franco-alemão para outra em que esse eixo é uma parte muito
pequena do todo. O que quero dizer é que a democracia está a tornar-se
mais complicada. A minha teoria, de há muito tempo – e que é o objecto do
meu próximo livro Uma Teoria da Democracia Complexa– é que a complicação, a
presença de mais actores, a presença de mais valores, de mais dimensões, pode
tornar as coisas mais difíceis, mas também pode ser uma grande oportunidade
para a democracia.
A União Europeia é fruto da
partilha de soberania entre democracias. Mas já há países com governos europeus
tendencialmente autoritários. Há uma fractura cada vez maior entre o Ocidente e
o Leste. Ainda é possível evitar o agravamento de todas estas divisões? É uma situação de solução muito difícil. Para começar,
creio que o alargamento a Leste tinha mesmo que ser feito. Nessa altura,
o director-geral do Alargamento da Comissão era um basco meu amigo que me
dizia: fizemo-lo porque não podíamos deixar de o fazer, não tínhamos nenhum
argumento para não o fazer. Eram países que vinham do comunismo e que era
preciso resgatar para a democracia e para a recomposição do mundo depois da
Guerra Fria. Era inevitável. O problema é que os integrámos pensando que vinham
para um clube cujas regras estavam estabelecidas e que eles tinham simplesmente
de as acatar. O que realmente aconteceu foi que eles quiseram ter um papel na
redefinição dessas regras – o que é normal numa organização política. Essa é a
dificuldades.
Para Portugal, Espanha e
Grécia a adesão significou a consolidação democrática. Pensávamos que, para o
Leste, era a mesma coisa. Não foi. Provavelmente porque a sua cultura política era muito
diferente da nossa. Há hoje uma heterogeneidade na Europa que talvez seja maior
do que aquela conseguimos gerir. E há, ao mesmo tempo, valores que temos de
defender sem ambiguidade. O Artigo 7.º do Tratado de Lisboa deve ser
utilizado para chamá-los à pedra e é preciso que haja alguma espécie de
penalização. Mas defrontamo-nos com uma situação, como acabamos de ver com a reeleição
de Orbán, em que a ameaça de penalizá-los acaba por reforçá-los. Não é
fácil. Antes do “Brexit”, haveria alguns
países que planeavam um dia fazer o mesmo. Salvini, Le Pen, etc.. Agora, todos
abandonaram essa bandeira. Perceberam que fora da Europa faz muito frio.
Mesmo assim, Orbán perdeu
Budapeste nas autárquicas e o PiS perdeu o Senado nas legislativas. São batalhas que é preciso
travar com muita paciência e, sobretudo, com inteligência. Mas dou-lhe um
exemplo positivo. Antes do “Brexit”, haveria alguns países que planeavam um dia
fazer o mesmo. Salvini, Le Pen, etc.. Agora, todos abandonaram essa bandeira.
Perceberam que fora da Europa faz muito frio.
O mundo em redor da Europa não
é muito animador, de facto. Aliás, o mundo avança em sentido contrário ao da
Europa. A União é uma organização multilateral e o mundo avança cada vez mais
para um sistema em que o que conta é a relação de forças. Há o risco de a
Europa se tornar o objecto do confronto entre os grandes – Rússia China e até
os EUA? Ou ainda não perdeu a oportunidade de influenciar o novo jogo mundial? É difícil, mas creio que os
europeus representam a outra possibilidade – o grande valor segundo o qual o
poder tem de ser partilhado e posto em comum de forma multilateral. E a verdade
é que os verdadeiros problemas do mundo, como a crise climática, a estabilidade
financeira, a saúde, são problemas que respondem melhor aos nossos valores do
que aos valores da China ou dos Estados Unidos actuais. Neste momento,
assistimos a um movimento do pêndulo em direcção ao unilateralismo. Mas, se
formos capazes de resolver a crise climática, é porque nos conseguimos pôr de
acordo, porque conseguimos estabelecer protocolos de actuação, porque
conseguimos compreender que não é algo conquistável a partir de uma posição de
força. Os
europeus representam a outra possibilidade – o grande valor segundo o qual o
poder tem de ser partilhado e posto em comum de forma multilateral.
Mas essa Europa multilateral
conseguirá ela própria resistir ao nacionalismo e ao soberanismo que cresce no
seu próprio seio. Estou a falar do nacionalismo dos Estados e não do catalão,
por exemplo. O que trava a integração europeia não é a Escócia nem a Catalunha. São os
governos que não querem partilhar mais soberania.
A propósito da Catalunha, há
um nacionalismo bom e outro mau? Ou todo o nacionalismo é mau, como diziam Kohl
e Mitterrand? A mim preocupa-me, mais do que nacionalismo bom ou mau, a inadvertência que
muitas pessoas têm em relação ao nacionalismo banal. Há gente que crê
sinceramente que não é nacionalista e que é. E há outros que são etiquetados de
nacionalistas e que não são. O nacionalismo basco foi sempre muito europeu.
Voltando à minha questão, do
bom e do mau nacionalismo… A identificação com uma comunidade é normal como são normais os graus de
identificação em função dos distintos níveis de governo. O que temos de
questionar é se essas identificações são abertas ou fechadas, se são
cooperativas ou são autárcicas.
Na Catalunha convivem as duas:
abertas e fechadas? A Catalunha é uma sociedade muito europeísta, tremendamente europeísta,
pela sua situação geográfica, a sua cultura, o seu dinamismo económico. O
problema da Catalunha não é um problema de nacionalismo, é um problema que
resulta do facto de o sistema político espanhol não ter sido capaz de canalizar
democraticamente – o que não significa dar razão a uns ou a outros – as
aspirações que foram crescendo com o tempo e à medida que esse sistema político
se ia revelando disfuncional. É uma disfuncionalidade.
COMENTÁRIOS
EuQuixote, 03.11.2019 : muito bom! Sim, os valores europeus,
são, de longe, os mais modernos e aqueles que mais podem contribuir para que a
civilização não desmorone. No entanto, o que se vê é a europa a ser pressionada
pelas "big corporations" , no sentido do liberalismo selvagem e da
globalização massiva do mercado.
Manuel Caetano, 03.11.2019: As big corporations são
"europa" e, para nosso mal, na prática, têm mais poder real que as
instituições políticas da democracia. O liberalismo selvagem e a globalização
massiva do mercado também se instalaram com armas e bagagens no coração da economia
"europeia". O descrédito das instituições da democracia
representativa, as elevadíssimas taxas de abstenção eleitoral e o crescimento
contínuo da extrema-direita são algumas das consequências mais visíveis dessa
"economia que mata".
ana cristina, 2.11.2019:
se o antónio costa de facto "reflectiu muito ", como foram dizer ao
innerarity, não se nota absolutamente nada. o que é visível na prática politica
do atual ps são os bons velhos esquemas: promessas eleitorais desbragadas,
clientelismo, comunicar muito e fazer o menos possivel..
cisteina, 02.11.2019: Sem dúvida, o grande problema é que estes novos tempos
não nos deixam tempo para pensar sequer para fazer o que devíamos fazer,
andamos de problema em problema e não resolvemos nenhum, não há estabilidade,
mudamos de rumo conforme o tempo, não temos um programa de intenções para
cumprir e, claro, mantemos hoje os mesmos conceitos que serviram no passado.
Pior ainda, guerreamos entre a esquerda e a direita quando o espectro
ideológico e tecnológico nada tem que ver nem com a revolução russa nem com a
revolução industrial. Os políticos estão mais narcisistas que nunca, perdem o
tempo com soluções nada prioritárias, esquecendo aquelas que têm mais impacto
nos cidadãos e, claro, os orçamentos andam atrás da receita quando deveriam
andar atrás da despesa inútil. Um problema.
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