São dois instrumentos de limpeza, de
puro remedeio temporário, pois que hoje há formas mais radicais de aspirar os
pós das poluições ou sujidades que fraternalmente nos acompanham na vida diária.
A respeito da vassoira, recordo vagamente parte de uma lenga-lenga da infância,
julgo que proveniente de saberes, talvez de séculos, que a nossa mãe nos
transmitiu: “Varre, varre, vassoirinha,
que esta casa não é minha. Se varreres bem, dou-te um vintém, se varreres mal, nem um real”, provavelmente pronunciada pelas “criadas de servir” de
outrora, gatas-borralheiras mandrionas e aspirando a uma condição de princesas,
por artes mágicas de uma qualquer varinha de condão, fantasias de séculos, que, já antes da era cristã, se liam, nas malandrices de Vénus para com Psique,
obrigando-a a trabalhos inextricáveis, que ela, contudo, resolve, graças a
ajudas extra, segundo conta Apuleio, no seu “Burro de Oiro”. Tudo isto a
propósito da metáfora do “espanador” de que se socorre Santana Castilho, para identificar
a superficialidade com que o nosso PM encara o Ensino e o
Saber, como ligeiras limpadelas de espanador, pouco importantes, naturalmente,
até porque haverá sempre a possibilidade de auxílios extra nos recursos de habilidade própria - o nosso PM que o diga – ou até no entretenimento obsessivo com a
caixinha mágica, facilmente manipulável, como auxiliar de um mundo novo,
espalhafatoso e espesso em meios, que pontapearam o respeito pelos valores
antigos, a começar, entre nós, pelo desprezo pela própria língua…
OPINIÃO: Os espanadores e o senso comum
É enviesado o raciocínio de
quantos afirmam que o “chumbo” não serve para nada. Como se o “chumbo” fosse um
instrumento de ensino.
SANTANA CASTILHO
PÚBLICO, 27 de Novembro de 2019
1. Interpelado por Rui Rio no último debate quinzenal, António Costa meteu os pés pelas mãos no discurso, mas esclareceu
as intenções: invocando argumentos não demonstrados, travestiu de progresso
mais um retrocesso, qual seja o de acabar com as reprovações no ensino básico.
Petulante, acusou Rui Rio de se guiar pelo “senso comum”, em lugar de seguir
“decisões informadas”. O problema é que qualquer pavão que use as decisões
do PS em matéria de Educação, “assentes nos estudos pedagógicos mais
informados”, ficará reduzido a espanador pelo simples “senso comum”.
Na
altura, António Costa exibiu a primeira página de um estudo que não leu, sobre uma
matéria que nunca lhe importou. O estudo, que não diz o que ele disse que diz,
é teoricamente bem construído, mas deve ser confrontado com a realidade. E a realidade mostra que as reprovações estão
associadas a alunos carenciados e à falta de recursos das famílias e das
escolas. Eliminá-las passa por políticas sociais que combatam as desigualdades,
que não por colocar ainda mais pressão sobre professores desmotivados, mal
pagos, expostos à indisciplina e à violência que grassam nas escolas e escravizados
por trabalho sem sentido e normativos manicomiais.
2. É enviesado o raciocínio de quantos afirmam que o
“chumbo” não serve para nada. Como se o “chumbo” fosse um instrumento de
ensino. O “chumbo” é
apenas uma expressão classificativa, de último recurso, que introduz um limiar
de exigência mínima numa escala classificativa (classificar é seriar). A taxa de
reprovações em Portugal (13,6% no secundário e 5% no básico, dados de
2017/2018) tem vindo a diminuir ao longo dos anos e os resultados do nosso
sistema de ensino têm vindo a melhorar nas avaliações internacionais, não sendo
possível, contrariamente ao que afirmam os porta-vozes do regime, falar de
consenso na produção científica sobre os malefícios das reprovações. Há
matérias que requerem aprendizagens incrementais e acumulativas, sendo
garantido o desastre quando se pula para um nível superior sem domínio do
anterior.
3. Quando se retomou a actual polémica sobre a validade
das reprovações, li e reli que a sua abolição significaria uma poupança
de 250 milhões de euros por ano. É fácil
perceber como os criadores da cifra a calcularam: multiplicaram
o número de reprovados pelo custo médio anual por aluno. Só que as coisas não
se passam assim, já que uma eventual passagem automática de todos não iria
originar a redução de professores, de assistentes operacionais e técnicos e o
encerramento de escolas, variáveis que determinam os custos.
4. Melhor seria que, logo no primeiro ciclo,
detectássemos com rigor as dificuldades de acompanhamento do currículo
(fragilidades familiares, cognitivas ou de outra natureza), caracterizando o
potencial de desenvolvimento de cada aluno. Isto a partir da ideia de que
não deve ser o currículo que se flexibiliza, mas os apoios que se reforçam.
Isto que suporia, naturalmente, a existência nas escolas de equipas
multidisciplinares estáveis. Do mesmo passo, parece-me importante um debate
sério e profundo sobre a eventual alteração para os sete anos da idade de
entrada no ensino básico e a eventual junção dos segundo e terceiro ciclos num
só.
No
que toca ao secundário, com o tempo decorrido sobre o prolongamento da
escolaridade obrigatória de nove para 12 anos, o país ganharia em discutir, sem
preconceitos, a continuidade ou a reversão da medida (na UE só seis países têm
12 anos obrigatórios), bem assim como repensar toda a lógica
organizativa e curricular da via profissionalizante.
Ao anterior acresce que as “aprendizagens essenciais” assentam na ideia
equívoca de que o aluno é capaz de construir autonomamente o seu próprio
conhecimento, através de “projectos” funcionais e imediatamente utilitários,
desenvolvidos preferencialmente com metodologias lúdicas. Este conceito, que se
foi impondo insidiosamente, vem originando uma organização avulsa e
destruturada do currículo nacional. A ênfase dada às competências vem
negligenciando o conhecimento, quando o conhecimento é nuclear para qualquer
tipo de desempenho. Por outro lado, a interpretação que alguns fazem da
autonomia curricular põe em perigo a garantia de que um conhecimento principal
e nacional seja proporcionado a todos os estudantes, de modo equitativo e
universal.
Professor do ensino superior
3 COMENTÁRIOS
mzeabranches, 27.11.2019 : Excelente análise! E em português correcto! Que
felicidade haver ainda quem fale da educação nacional com tanta seriedade e
conhecimento! Subscrevo muito particularmente o último parágrafo, pelos perigos
aí denunciados.
Nenhum comentário:
Postar um comentário