sábado, 9 de novembro de 2019

Como nos vinhos



Cujas garrafas identificam se o vinho é branco ou tinto, para só falar nos mais comezinhos da nossa cozinha. Julgo que o rótulo é necessário para identificar, por vezes, posicionamentos ou formas de estar. Nem direi que Alberto Gonçalves é dos que prefere seguir na esteira orgulhosa, de aparente modéstia contudo, com que se descreveu Álvaro de Campos, na sua extraordinária “Tabacaria”: «Não sou nada. Nunca serei nada. Não posso querer ser nada. Aparte isso, tenho em mim todos os sonhos do mundo
 Eu também não gosto de rótulos. Mas detestaria que me chamassem de esquerda, tanta foi – e é - a sua violação de princípios, com paródias apatetadas e enxovalhantes pelo meio, que fazem de nós todos parolos que se acobardam ou riem à socapa, porque os aceitamos, em plena Assembleia, lugar de aparente rigor de princípios a seguir, pois que representativo da nação a defender. Não, Alberto Gonçalves não precisa de rótulo, bom analista que é do bicho-homem, sobretudo, qualquer que seja esse rótulo.

Desabafo a propósito da direita, ou de algumas direitas /premium
Para o Estado, e para a lei, não deveria haver senão cidadãos. É absurdo criticar as “identidades” sem compreender a sua trafulhice intrínseca, ou contrapondo quadros “identitários” similares.
ALBERTO GONÇALVES
OBSERVADOR, 02 nov 2019
Em Julho passado, aquando do lançamento de uma selecção de crónicas que publiquei (“O Estado a que Isto Chegou”, ed. Alêtheia, 392 pág. – uma obra-prima sob diversos pontos de vista, sobretudo o meu), um senhor de certa idade aproximou-se de mim e acusou-me de ter medo de me afirmar de direita. Informei-o de que o medo não tinha nada a ver com o assunto, e tentei explicar-lhe o que é que tinha. O senhor de certa idade não me quis ouvir. Conto, agora, com os leitores do Observador para me quererem ler.
Não me digo de direita por várias razões. A primeira é superficial: soa parolo, a parolice daqueles sujeitos que se dizem do centro, da Confraria do Rabanete ou, pior ainda, de esquerda. A autodefinição é um exercício intrinsecamente pateta.
A segunda razão é perceber que existe uma data de direitas com apetites contrários entre si e, para o que aqui importa, contrários aos meus. Dou um exemplo. Há oito dias, o assessor da deputada do Livre penetrou a Assembleia da República vestido com saiote e peúgas à vista. Esta mera rábula, que pretendia mostrar irreverência e apenas mostrou o imenso vazio naquelas cabecitas, desencadeou em inúmeras almas assumidamente de direita uma indignação monstra. Umas lamentaram o desrespeito pelo parlamento, na suposição de que é possível desrespeitar mais uma casa que alberga negacionistas e entusiastas do estalinismo. Outras lamentaram uma suposta libertinagem, sem notarem que, apesar do nome e à semelhança dos restantes bandos de extrema-esquerda, o Livre é reduto de beatos e pregadores, unicamente especializados em proibir, perseguir e punir o próximo. À conta de tamanha sensibilidade, o moralismo infantil do Livre passou por ousado e o rústico do saiote já anda pelos programas das manhãs televisivas, a aproveitar a fama.
Um dos problemas da direita, ou o problema de algumas direitas, é levar à letra as “causas” da esquerda – e de seguida enfurecer-se com as ditas. Desde logo, convém arranjar paciência e explicar, pela enésima vez, que o chamado “marxismo cultural” não se preocupa com o alegado objecto das “causas”, e sim com a capacidade de arregimentar tropas.
O Livre, o BE, o PCP e o PAN, com focos ocasionalmente distintos, não sofrem de facto com as desditas dos homossexuais, dos pobres, das mulheres, das minorias éticas, das senhoras que abortam, dos doentes terminais ou dos bichinhos. Aliás, de acordo com as circunstâncias e a geografia, não faltam situações em que os partidos em questão defendem regimes particularmente empenhados em espezinhar os grupos acima citados. Estes, os objectos das “causas”, são simples desculpas para abrir pontos de conflito em volta de matérias complicadas e tratadas à bruta, ou de complicações imaginárias tratadas como autênticas. No processo, tão sofisticado quanto uma bigorna e “fundamentado” nas oposições nós/eles, ou bonzinhos/malvados, conquistam-se aficionados e, no lado oposto da trincheira, definem-se inimigos. A esquerda é exímia nestas manigâncias primárias. E a direita, ou algumas direitas, é exímia em morder o isco.
A direita, ou algumas direitas, confunde a cretinice das “políticas identitárias” e o grotesco culto da “vítima” com os anónimos que, sem querer, são usados em tais estratégias de poder – e abomina tudo. Porém, nem todos os africanos querem subir na vida à custa da “carta racial” nem todos os gays elevam as preferências sexuais em estatuto. O perigo das “causas” não são os pretextos de que se servem, mas o método das “causas”, que é dividir, e o objectivo das “causas”, que é reinar. As “causas” visam a nacionalização das vontades, um sonho totalitário a que importaria resistir com lucidez.
Resistir sem lucidez é julgar contrariar as “causas” enquanto se concorre para o mesmo fim: a supressão das liberdades. Dito de maneira diferente, faz sentido promover a liberdade económica e desconfiar das restantes? Eu acho que não. A direita, ou algumas direitas, acha que sim, não importa muito se por convicção se por equívoco. E nisso, ao acautelar a propriedade e desprezar os comportamentos dissonantes da “tradição”, a direita, ou algumas direitas, não se distingue da direita, ou de algumas direitas, que se alia pontualmente à esquerda para abraçar as “causas”, e tomá-las pelo seu valor facial. Ambas acabam a desprezar o indivíduo em favor de colectivos em última instância irrelevantes. No mundo, há mulheres e homens, homo e heterossexuais, pretos e brancos, ricos e pobres, crentes e ateus. Para o Estado, e para a lei, não deveria haver senão cidadãos. É absurdo criticar as “identidades” sem compreender a sua trafulhice intrínseca, ou contrapondo quadros “identitários”  similares. Racionalmente, em que é que a doutrinação nacionalista se distingue do catequismo LGBT?
Em suma, eu seria de direita se a direita fosse sempre o exacto oposto do que a esquerda é: um projecto de avanço e conquista e domínio através da eliminação da esfera privada, a começar pelos negócios e a terminar na cama. A direita, ou algumas direitas, devia combater o que a esquerda realmente quer e não o que a esquerda finge querer.
COMENTÁRIOS:
Liberal Impenitente: Não critiquei até agora o criticável artigo de hoje de Alberto Gonçalves, mas vou agora resumidamente lembrá-lo de que, existindo várias direitas, uma delas é a direita liberal, que não tem que ficar chocada por um excêntrico andar de saias no parlamento, embora possa não apreciar lidar com ele pessoalmente. Sim, os conservadores são quase sempre a maioria do "povo de direita", mas não devemos aceitar e permitir-lhes dizerem-se a eles mesmos a direita.
Alexandre Duarte: Com total franqueza : estes tipos, supostos "liberais", a mim dão-me vómitos. Querem roubar à direita a livre iniciativa privada, as liberdades pessoais e de mercado, mas não querem ser vistos como de direita, porque se sentem inferiores e têm medo de desagradar à esquerda cultural e ao seu polvo de nepotismo e influência. Como tal, juntam-se aos marxista na sua destruidora agenda de costumes e criticam a direita por supostamente ser conservadora. Não percebendo sequer que tal agenda é o mecanismo por excelência dos totalitários para estabelecer a ditadura perfeita em todas as áreas, mormente a económica. Tristes e cobardes …
Liberal Impenitente > Alexandre Duarte: Lá porque o Alexandre Duarte é um conservador de direita, não deve imaginar que toda a direita é ou tem que ser conservadora. Eu, ao contrário de D. Alberto, assumo sem complexos que sou de direita, e assumo que me estou borrifando para o marxismo, doutrina demencial com muito sucesso. Não recebo lições de moral de marxistas, e apenas acontece que por vezes coincidimos na opinião sobre determinado assunto. Eles podem até ver-me como "idiota útil", mas eu posso pensar o mesmo deles.
José Ramos: Curiosamente, conheci e comecei a gostar das crónicas de Alberto Gonçalves ainda no DN, ainda, segundo creio, durante o último e desgraçado consulado de Pinto de Sousa, o Mártir. Tenho vindo a acompanhá-lo com mais frequência agora através do FB e das suas "Ideias Feitas", na rádio do Observador. O que constato - e não quero pôr-me em bicos dos pés nem assumir a posição ridícula (e por vezes perigosa) de "o maior fã" - é que sem nos conhecermos, sem termos parentes comuns nem sermos da mesma zona do país, com idades e provavelmente vivências bem diferentes, penso quase exactamente como AG. Nunca compreendi que para ser liberal, defender a economia de mercado e contrariar a intervenção do Estado no penelopiano labor de desmanchar a economia e descartar quem inova, empreende e produz, tenha de ser racista, homofóbico, xenófobo, revisionista histórico e ir à missa ou, pior, como acontece no Brasil onde tem de se comprar o pacote todo, pois tanto a "direita" como a "esquerda" vem em "kits", aderir a uma igreja "evangélica" de vão de escada e espumar de raiva contra a despenalização do aborto. Costumo dizer que, como sou realmente livre e não um xarope ou uma bebida espirituosa, sou avesso aos rótulos. Não colam. Os meus sinceros parabéns a AG pelo excelente artigo, pela sinceridade e, sobretudo, pela independência. Num mundo normal, esta última deveria ser tão natural como respirar; infelizmente, no mundo real, um mundo cada vez com mais "crenças", "certezas", dogmas, proibições e anátemas, a independência é rara, preciosa e, por isso, parabenizável.
Liberal Impenitente > José Ramos: Não se esqueça, estimado kamarada, de que há argumentos de peso a favor da direita conservadora, que é aquela com a qual nenhum de nós três, eu, Sparta e D. Alberto se identifica normalmente. Recordo-me do nosso confrade HisWay apontar, muito justamente, que Thatcher era conservadora. Mas isso não a impediu de promover uma real liberalização económica.
José Ramos > Liberal Impenitente: Eu respeito muito mais a Sra. Thatcher pela sua determinação, por exemplo ao acabar da com a tradicional ditadura dos sindicatos sobre a democracia do voto ou em relação às Falkland, do que pelo seu conservadorismo. Tal como considero muitíssimo Ronald Reagan. São eles, realmente, os grandes vencedores da Guerra Fria.
Cipião Numantino: Hoje cheguei por aqui tarde. Mas ainda a tempo de acolher e concordar com tudo o que o nosso estimado e inultrapassável AG escreveu sobre o tema. De facto, como muitos estarão lembrados, costumo escrever que nem sou de direita, nem de esquerda, nem do centro, nem dos lados. E considero até que o uso de tais pergaminhos ou rótulos são, em exclusivo, para os desmaterializados da ética, para os deficientes da moral e para os trapalhões da vida.
Considero, também, que me confunde e espanta que certas pessoas não saibam ou consigam viver, sem um labéu de grupo e se sintam quase como que desnudados da vida e da virtude, se não fizerem parte de um qualquer grupelho que, como bem diz AG pode ser perfeitamente de uma confraria mesmo que seja dos marmanjões utilizadores de saiotes, acrescentando eu que também servirá se se tratar de um acampamento rebaldeiro do BE ou de um qualquer grupelho de fumadores de ganzas ou de permanentes e assíduos utilizadores de casas de chuto. Palavra de honra que me confunde essa imperiosa necessidade que algumas pessoas têm de pertencerem a um grupo. E, hoje por hoje, em que não existe já a necessidade de agrupamentos se esmerarem nas tácticas de caça para sobreviverem, confesso, que ainda me confunde mais.
Considero e confesso ainda que o individualismo é intrinsecamente democrata e o colectivismo tende a desaguar na mais que evidente supressão da liberdade. E não se pense que tal e exclusivo desiderato tem tão só a lógica esquerdosa como suporte. Bastará, para se aquilatar de diferente forma, recuarmos um pouco na História e relembrar os tempos do nazismo e da suas camisas castanhas e de tantos outros ismos que a mesma História confere e as desgraças consequentes nos vão servindo de permanente alerta.
O insigne Pio Baroja, afirmava que é muito mais difícil convencer um homem singular do que uma multidão inteira. De tal conceito provêm assim as desgraças que se foram sucedendo e as que inevitavelmente se aproximam desfeitas e diluídas na infantilização da turba e na consequente demonização dos seus propósitos.
Os comunistas chamam-lhe acção de massas. Eu, mais prosaico, costumo considerar que é a ilusão espúria em andamento e a estupidificação que nos eleva ao nível das bestas. O resto meus caros, é folclore. Permanente e interesseiro folclore.
Em que dialécticas velhas e relhas tendem a despertar tudo o que é fútil e perverso no ser humano e onde a inveja, a frustração e o despeito servem como combustível para colocar as massas populares em andamento.
Os resultados de se colocar a vontade individual das pessoas em anteposição à vontade formal de classes, grupelhos ou ideologias são, como bem se sabe, as principais causas da nossa permanente desgraça.
Os propósitos dos arautos colectivistas são sempre as mesmas. Fartura económica e a criação de um homem novo. Não se conseguiu obviamente nem uma nem outra coisa.
Assim, a propalada e prometida fartura convolou em desgraça nas Cubas e Venezuelas da vida e, no que respeita ao homem novo, parece que a montanha pariu um rato e, quando muito, trouxe até nós uma espécie de atroz e infeliz exemplo simbolizado no homem do saiote que em plena AR nos fez antecipar o que por aí virá.
Se não surgir entretanto uma guerra que nos faça distinguir o que é determinante e o que é em permanência acessório, iremos de "vitória em vitória" até à derrota final.
O mundo está a ficar entregue a gente lunática (não só de esquerda, não senhor) que nos vão fazer suar as estopinhas para ver como nos livramos desta espécie de epidemia de sarna. O problema é que enquanto uns se querem ver livres dela outros, mais interessados e interesseiros, pretendem disseminá-la a esmo. Será fatal como o destino.
De outros exemplos históricos o mundo, mesmo com alguns pontuais retrocessos, sempre pulou e avançou. Mas neste estádio de coisas já nada me atrevo a futurar. E se não se opuserem todos aqueles que pugnam sempre pela sua liberdade individual, o colectivismo inconsequente e amorfo, acabará por triunfar. E se assim for, podem escrevê-lo, ficaremos num autêntico beco sem saída e a vida de nossos filhos e netos será como que uma espécie de uma verdadeira antecâmara do inferno!...
PS: Incluo neste meu comentário um "meme" que aconselho toda a gente a dar-lhe uma vista de olhos.Trata-se da habitual táctica de insultos que os esquerdistas costumam usar. O "esquerdista" em causa será certamente menos inteligente do que os nossos confrades esquerdistas. Mas, confiram, os métodos são absolutamente similares. Vale a pena ver e tem cerca de 1 minuto de duração. Vejam e escangalhem-se a rir à vontade!


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