Cujas garrafas identificam se o vinho é
branco ou tinto, para só falar nos mais comezinhos da nossa cozinha. Julgo que
o rótulo é necessário para identificar, por vezes, posicionamentos ou formas de
estar. Nem direi que Alberto
Gonçalves é dos que prefere seguir na esteira orgulhosa, de aparente modéstia
contudo, com que se descreveu Álvaro
de Campos, na sua extraordinária “Tabacaria”: «Não sou nada. Nunca serei nada. Não posso
querer ser nada. Aparte isso, tenho em mim todos os sonhos do mundo.»
Eu também não gosto de rótulos. Mas detestaria
que me chamassem de esquerda, tanta foi – e é - a sua violação de princípios, com
paródias apatetadas e enxovalhantes pelo meio, que fazem de nós todos parolos
que se acobardam ou riem à socapa, porque os aceitamos, em plena Assembleia,
lugar de aparente rigor de princípios a seguir, pois que representativo da nação
a defender. Não, Alberto Gonçalves não precisa
de rótulo, bom analista que é do bicho-homem, sobretudo, qualquer que seja esse
rótulo.
Desabafo a propósito da direita, ou de
algumas direitas /premium
Para o Estado, e para a lei, não deveria
haver senão cidadãos. É absurdo criticar as “identidades” sem compreender a sua
trafulhice intrínseca, ou contrapondo quadros “identitários” similares.
ALBERTO GONÇALVES
OBSERVADOR, 02 nov 2019
Em
Julho passado, aquando do lançamento de uma selecção de crónicas que publiquei
(“O Estado a que Isto Chegou”, ed. Alêtheia, 392 pág. – uma obra-prima sob
diversos pontos de vista, sobretudo o meu), um senhor de certa idade
aproximou-se de mim e acusou-me de ter medo de me afirmar de direita.
Informei-o de que o medo não tinha nada a ver com o assunto, e tentei
explicar-lhe o que é que tinha. O senhor de certa idade não me quis ouvir.
Conto, agora, com os leitores do Observador para me quererem ler.
Não me digo de direita por várias
razões. A
primeira é superficial: soa parolo, a parolice daqueles sujeitos que se
dizem do centro, da Confraria do Rabanete ou, pior ainda, de esquerda. A
autodefinição é um exercício intrinsecamente pateta.
A
segunda razão é perceber que existe uma data de direitas com apetites
contrários entre si e, para o que aqui importa, contrários aos meus.
Dou um exemplo. Há oito dias, o assessor da deputada do Livre penetrou a
Assembleia da República vestido com saiote e peúgas à vista. Esta mera
rábula, que pretendia mostrar irreverência e apenas mostrou o imenso vazio
naquelas cabecitas, desencadeou em inúmeras almas assumidamente de direita
uma indignação monstra. Umas lamentaram o desrespeito pelo parlamento, na
suposição de que é possível desrespeitar mais uma casa que alberga
negacionistas e entusiastas do estalinismo. Outras lamentaram uma
suposta libertinagem, sem notarem que, apesar do nome e à semelhança dos
restantes bandos de extrema-esquerda, o Livre é reduto de beatos e pregadores,
unicamente especializados em proibir, perseguir e punir o próximo. À conta de
tamanha sensibilidade, o moralismo infantil do Livre passou por ousado e o
rústico do saiote já anda pelos programas das manhãs televisivas, a aproveitar
a fama.
Um
dos problemas da direita, ou o problema de algumas direitas, é levar à letra as
“causas” da esquerda – e de
seguida enfurecer-se com as ditas. Desde logo, convém arranjar paciência e
explicar, pela enésima vez, que o chamado “marxismo cultural” não se
preocupa com o alegado objecto das “causas”, e sim com a capacidade de
arregimentar tropas.
O
Livre, o BE, o PCP e o PAN, com focos ocasionalmente distintos, não sofrem de
facto com as desditas dos homossexuais, dos pobres, das mulheres, das minorias
éticas, das senhoras que abortam, dos doentes terminais ou dos bichinhos. Aliás, de acordo com as circunstâncias e a
geografia, não faltam situações em que os partidos em questão defendem
regimes particularmente empenhados em espezinhar os grupos acima citados.
Estes, os objectos das “causas”, são simples desculpas para abrir pontos de
conflito em volta de matérias complicadas e tratadas à bruta, ou de
complicações imaginárias tratadas como autênticas. No processo, tão
sofisticado quanto uma bigorna e “fundamentado” nas oposições nós/eles, ou
bonzinhos/malvados, conquistam-se aficionados e, no lado oposto da trincheira,
definem-se inimigos. A esquerda é exímia nestas manigâncias primárias. E a
direita, ou algumas direitas, é exímia em morder o isco.
A
direita, ou algumas direitas, confunde a cretinice das “políticas identitárias”
e o grotesco culto da “vítima” com os anónimos que, sem querer, são usados em
tais estratégias de poder – e abomina tudo. Porém, nem todos os africanos querem subir na vida à
custa da “carta racial” nem todos os gays elevam as preferências sexuais em
estatuto. O perigo das “causas” não são os pretextos de que se servem, mas o
método das “causas”, que é dividir, e o objectivo das “causas”, que é reinar.
As “causas” visam a nacionalização das vontades, um sonho totalitário a que
importaria resistir com lucidez.
Resistir sem lucidez é julgar
contrariar as “causas” enquanto se concorre para o mesmo fim: a supressão das
liberdades. Dito de
maneira diferente, faz sentido promover a liberdade económica e desconfiar
das restantes? Eu acho que não. A direita, ou algumas direitas, acha
que sim, não importa muito se por convicção se por equívoco. E nisso, ao
acautelar a propriedade e desprezar os comportamentos dissonantes da
“tradição”, a direita, ou algumas direitas, não se distingue da direita, ou de
algumas direitas, que se alia pontualmente à esquerda para abraçar as “causas”,
e tomá-las pelo seu valor facial. Ambas
acabam a desprezar o indivíduo em favor de colectivos em última instância
irrelevantes. No mundo, há mulheres e homens, homo e heterossexuais, pretos e
brancos, ricos e pobres, crentes e ateus. Para o Estado, e para a lei, não deveria haver senão
cidadãos. É absurdo
criticar as “identidades” sem compreender a sua trafulhice intrínseca, ou
contrapondo quadros “identitários” similares. Racionalmente,
em que é que a doutrinação nacionalista se distingue do catequismo LGBT?
Em
suma, eu seria de direita se a direita fosse sempre o exacto oposto do que a
esquerda é: um projecto de avanço e conquista e domínio através da
eliminação da esfera privada, a começar pelos negócios e a terminar na cama. A
direita, ou algumas direitas, devia combater o que a esquerda realmente quer e
não o que a esquerda finge querer.
COMENTÁRIOS:
Liberal Impenitente: Não critiquei até agora o criticável artigo de hoje de
Alberto Gonçalves, mas vou agora resumidamente lembrá-lo de que, existindo
várias direitas, uma delas é a direita liberal, que não tem que ficar chocada
por um excêntrico andar de saias no parlamento, embora possa não apreciar lidar
com ele pessoalmente. Sim, os conservadores são quase sempre a maioria do
"povo de direita", mas não devemos aceitar e permitir-lhes dizerem-se
a eles mesmos a direita.
Alexandre Duarte: Com
total franqueza : estes tipos, supostos "liberais", a mim dão-me
vómitos. Querem roubar à direita a livre iniciativa privada, as liberdades
pessoais e de mercado, mas não querem ser vistos como de direita, porque se
sentem inferiores e têm medo de desagradar à esquerda cultural e ao seu polvo
de nepotismo e influência. Como tal, juntam-se aos marxista na sua destruidora
agenda de costumes e criticam a direita por supostamente ser conservadora. Não
percebendo sequer que tal agenda é o mecanismo por excelência dos totalitários
para estabelecer a ditadura perfeita em todas as áreas, mormente a económica.
Tristes e cobardes …
Liberal Impenitente > Alexandre Duarte: Lá porque o Alexandre Duarte é um conservador de
direita, não deve imaginar que toda a direita é ou tem que ser conservadora.
Eu, ao contrário de D. Alberto, assumo sem complexos que sou de direita, e
assumo que me estou borrifando para o marxismo, doutrina demencial com muito
sucesso. Não recebo lições de moral de marxistas, e apenas acontece que por
vezes coincidimos na opinião sobre determinado assunto. Eles podem até ver-me
como "idiota útil", mas eu posso pensar o mesmo deles.
José Ramos: Curiosamente, conheci e comecei a gostar das crónicas
de Alberto Gonçalves ainda no DN, ainda, segundo creio, durante o último e
desgraçado consulado de Pinto de Sousa, o Mártir. Tenho vindo a
acompanhá-lo com mais frequência agora através do FB e das suas "Ideias
Feitas", na rádio do Observador. O que constato - e não quero pôr-me em
bicos dos pés nem assumir a posição ridícula (e por vezes perigosa) de "o
maior fã" - é que sem nos conhecermos, sem termos parentes comuns nem
sermos da mesma zona do país, com idades e provavelmente vivências bem
diferentes, penso quase exactamente como AG. Nunca compreendi que para ser
liberal, defender a economia de mercado e contrariar a intervenção do Estado no
penelopiano labor de desmanchar a economia e descartar quem inova, empreende e
produz, tenha de ser racista, homofóbico, xenófobo, revisionista histórico e ir
à missa ou, pior, como acontece no Brasil onde tem de se comprar o pacote todo,
pois tanto a "direita" como a "esquerda" vem em
"kits", aderir a uma igreja "evangélica" de vão de escada e
espumar de raiva contra a despenalização do aborto. Costumo dizer que, como sou
realmente livre e não um xarope ou uma bebida espirituosa, sou avesso aos rótulos.
Não colam. Os meus sinceros parabéns a AG pelo excelente artigo, pela
sinceridade e, sobretudo, pela independência. Num mundo normal, esta última
deveria ser tão natural como respirar; infelizmente, no mundo real, um mundo
cada vez com mais "crenças", "certezas", dogmas, proibições
e anátemas, a independência é rara, preciosa e, por isso, parabenizável.
Liberal Impenitente > José Ramos: Não se esqueça, estimado kamarada, de que há
argumentos de peso a favor da direita conservadora, que é aquela com a qual
nenhum de nós três, eu, Sparta e D. Alberto se identifica normalmente.
Recordo-me do nosso confrade HisWay apontar, muito justamente, que Thatcher era
conservadora. Mas isso não a impediu de promover uma real liberalização
económica.
José Ramos > Liberal Impenitente: Eu respeito muito mais a Sra. Thatcher pela sua
determinação, por exemplo ao acabar da com a tradicional ditadura dos
sindicatos sobre a democracia do voto ou em relação às Falkland, do que pelo
seu conservadorismo. Tal como considero muitíssimo Ronald Reagan. São eles,
realmente, os grandes vencedores da Guerra Fria.
Cipião Numantino: Hoje cheguei por aqui tarde. Mas ainda a tempo de
acolher e concordar com tudo o que o nosso estimado e inultrapassável AG
escreveu sobre o tema. De facto, como muitos estarão lembrados, costumo
escrever que nem sou de direita, nem de esquerda, nem do centro, nem dos lados.
E considero até que o uso de tais pergaminhos ou rótulos são, em exclusivo,
para os desmaterializados da ética, para os deficientes da moral e para os
trapalhões da vida.
Considero,
também, que me confunde e espanta que certas pessoas não saibam ou consigam
viver, sem um labéu de grupo e se sintam quase como que desnudados da vida e da
virtude, se não fizerem parte de um qualquer grupelho que, como bem diz AG pode
ser perfeitamente de uma confraria mesmo que seja dos marmanjões utilizadores
de saiotes, acrescentando eu que também servirá se se tratar de um acampamento
rebaldeiro do BE ou de um qualquer grupelho de fumadores de ganzas ou de
permanentes e assíduos utilizadores de casas de chuto. Palavra de honra que me
confunde essa imperiosa necessidade que algumas pessoas têm de pertencerem a um
grupo. E, hoje por hoje, em que não existe já a necessidade de agrupamentos se
esmerarem nas tácticas de caça para sobreviverem, confesso, que ainda me
confunde mais.
Considero
e confesso ainda que o individualismo é intrinsecamente democrata e o colectivismo
tende a desaguar na mais que evidente supressão da liberdade. E não se pense
que tal e exclusivo desiderato tem tão só a lógica esquerdosa como suporte.
Bastará, para se aquilatar de diferente forma, recuarmos um pouco na História e
relembrar os tempos do nazismo e da suas camisas castanhas e de tantos outros
ismos que a mesma História confere e as desgraças consequentes nos vão servindo
de permanente alerta.
O
insigne Pio Baroja, afirmava que é muito mais difícil convencer um homem
singular do que uma multidão inteira. De tal conceito provêm assim as desgraças
que se foram sucedendo e as que inevitavelmente se aproximam desfeitas e
diluídas na infantilização da turba e na consequente demonização dos seus
propósitos.
Os
comunistas chamam-lhe acção de massas. Eu, mais prosaico, costumo considerar
que é a ilusão espúria em andamento e a estupidificação que nos eleva ao nível
das bestas. O resto meus caros, é folclore. Permanente e interesseiro folclore.
Em
que dialécticas velhas e relhas tendem a despertar tudo o que é fútil e
perverso no ser humano e onde a inveja, a frustração e o despeito servem como
combustível para colocar as massas populares em andamento.
Os
resultados de se colocar a vontade individual das pessoas em anteposição à
vontade formal de classes, grupelhos ou ideologias são, como bem se sabe, as
principais causas da nossa permanente desgraça.
Os
propósitos dos arautos colectivistas são sempre as mesmas. Fartura económica e
a criação de um homem novo. Não se conseguiu obviamente nem uma nem outra
coisa.
Assim,
a propalada e prometida fartura convolou em desgraça nas Cubas e Venezuelas da
vida e, no que respeita ao homem novo, parece que a montanha pariu um rato e,
quando muito, trouxe até nós uma espécie de atroz e infeliz exemplo simbolizado
no homem do saiote que em plena AR nos fez antecipar o que por aí virá.
Se
não surgir entretanto uma guerra que nos faça distinguir o que é determinante e
o que é em permanência acessório, iremos de "vitória em vitória" até
à derrota final.
O
mundo está a ficar entregue a gente lunática (não só de esquerda, não senhor)
que nos vão fazer suar as estopinhas para ver como nos livramos desta espécie
de epidemia de sarna. O problema é que enquanto uns se querem ver livres dela
outros, mais interessados e interesseiros, pretendem disseminá-la a esmo. Será
fatal como o destino.
De
outros exemplos históricos o mundo, mesmo com alguns pontuais retrocessos,
sempre pulou e avançou. Mas neste estádio de coisas já nada me atrevo a
futurar. E se não se opuserem todos aqueles que pugnam sempre pela sua
liberdade individual, o colectivismo inconsequente e amorfo, acabará por
triunfar. E se assim for, podem escrevê-lo, ficaremos num autêntico beco sem
saída e a vida de nossos filhos e netos será como que uma espécie de uma
verdadeira antecâmara do inferno!...
PS: Incluo neste meu comentário um "meme" que
aconselho toda a gente a dar-lhe uma vista de olhos.Trata-se da habitual táctica
de insultos que os esquerdistas costumam usar. O "esquerdista" em
causa será certamente menos inteligente do que os nossos confrades
esquerdistas. Mas, confiram, os métodos são absolutamente similares. Vale a
pena ver e tem cerca de 1 minuto de duração. Vejam e escangalhem-se a rir à
vontade!
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