E tudo vai em cantigas, AG é que sabe e nos bem informa. Alguns comentadores também.
“Zé Mário” e o elogio da loucura
comunista /premium
Talvez
JMB seja um dos nomes maiores da música popular portuguesa, mas tirando Amália
e talvez Carlos Paredes, a relevância da música popular portuguesa a leste de
Badajoz é comparável à da Web Summit
ALBERTO GONÇALVES,
Colunista do Observador OBSERVADOR,
23 nov 2019
Há dias, falei na Rádio Observador sobre
José Mário Branco (JMB). Disse que o julgava um músico decente e um comunista
empedernido. Hoje, não por causa de JMB mas por causa das reacções à morte de
JMB, gostava de confirmar algumas coisas, corrigir outras e desenvolver as
restantes.
Em primeiro lugar, o músico. Tinha uma ideia vaga da obra de JMB. Lembrava-me da
madrugada em que, na adolescência, ouvi o “FMI” e fiquei assarapantado com a
crueza daquilo. Lembrava-me ainda dos “sucessos” que durante uns anos JMB cantava
na televisão, do “Qual é a tua, ó meu?” ao “Eu vim de longe, eu vou para longe
(Chulinha)”, do “Ser Solidário”, da “Queixa das almas jovens censuradas”, de
uma resma de “singles” do Grupo de Acção Cultural que alguém me emprestou há
décadas e de uma canção mais recente que não consigo identificar e que à época
achei bonita. Tinha uma ideia genericamente simpática da obra do homem.
Esta semana, por razões óbvias, deu-me para ouvi-la com certa atenção. Acabei
desiludido.
Mantenho
que JMB era melhor músico do que os seus pares do “canto de intervenção”. Não é
grande proeza: quase todos os pares eram de uma indigência medonha. Por muito
que tentem, os militares de Guantánamo não arranjam forma de tortura
comparável à “Pedra Filosofal”
de Manuel Freire. E quem diz o
sr. Freire diz as dezenas de “baladeiros” que, de tanto educarem as massas, não
aprenderam quatro ou cinco acordes. A verdade é que em Novembro de 2019 as
canções de JMB soaram-me insípidas, derivações suburbanas das “recolhas” de
Giacometti com uns pozinhos ocasionais de “chanson”. As letras, para lá do
programa ideológico, são sentimentalismo adolescente. Os arranjos, às vezes
curiosos, são puro 1970 e puro Terceiro Mundo. A voz é fracota e zangada. O GAC
é repugnante. “Inquietação”, não fosse cantada naquele tom de fiscal antipático
e não tivesse subtraído a imagem central a Pessoa, não é má. Em suma, é
possível que JMB seja um dos nomes maiores da música popular portuguesa, o que
é igual a falar nos vultos imortais da ópera do Sudão. Para efeitos
práticos, tirando Amália e talvez Carlos Paredes, a relevância da música
popular portuguesa a leste de Badajoz é comparável à da Web Summit.
A
música, porém, não é para aqui chamada. Os “media” em peso derreteram-se a
elogiar JMB porque ele era, para usar o jargão sempre em vigor, um
“antifascista”. No dia em que morrer o padre Fanhais (se já morreu, peço
desculpa; se não, ele que peça), que possui o talento criativo de um
micro-ondas, haverá quem lhe louve o génio por conta do “antifascismo”. É facto que JMB contestou a ditadura salazarista e não
serei eu a criticá-lo por isso. A chatice é que o fez em prol de uma ditadura
pior, pormenor que os “media” não referiram.
JMB passou pelo PCP, pelo maoismo, pelos primórdios da UDP e pela fundação do
Bloco de Esquerda, uma selecção criteriosa do totalitarismo caseiro. De todos
se afastou, não por recusa do totalitarismo das seitas mas, conforme confessou
(por palavras menos francas) em entrevistas, por desconfiar que o totalitarismo
dos outros não era tão convicto quanto o dele (JMB chama-lhe “aburguesamento”).
Antes
que me acusem de misturar a arte (vamos com calma) com o artista, noto que não
é o meu género: Chico Buarque, um oportunista abjecto, é um letrista
imensamente superior a Ian Curtis, rapaz que votava Thatcher. Quem
mistura a arte e o artista são os “media”. No
caso de JMB, os “media” tipicamente misturaram, levaram ao lume, deixaram
esfriar e, toldados pelos vapores, serviram à mesa um “resistente” e um “homem
fora do sistema”. Santa paciência: desde 1974 que JMB se limitou a
resistir à liberdade, e fê-lo tão fora do sistema que começou a carreira com os
seus discos regularmente editados sob o Estado Novo e terminou-a a elogiar o
poder da “geringonça”. Pelo meio, ficou evidente e permanentemente ressentido
com o advento de um sistema pluralista “ocidental” (“Quando a nossa festa se
estragou/E o mês de novembro se vingou”) e com a falta do castigo devido aos
“reaccionários”, aos “burgueses”, aos “fascistas” enfim. Estes somos nós.
Não
me incomoda nada que os camaradas de JMB o exaltem em obituários. Incomoda-me
que a opinião oficiosa da nação em peso transforme um exemplo extremo de fervor
revolucionário (estou a ser meiguinho) num exemplo a seguir. É como
se, ao exaltarem as convicções de JMB, dissessem: “Vêem? É assim que todos
devíamos ser”. Assim? Exaltar Mao Tsé-Tung e Otelo? Pactuar com a luta armada
em regimes livres? Defender receitas infalíveis de miséria e opressão? Em que
espécie de lugar é normal que o horror mereça apologias? Pelos vistos, o lugar
a que chamamos país, cujo chefe de Estado afirmou que “a música de JMB é um
símbolo do Portugal democrático com que [JMB] sonhou”.
A ser verdade, pobre Portugal, pobre
democracia. Inegável é que o prof. Marcelo arrisca-se a chegar ao fim do
mandato sem proferir uma única frase com sentido, com a discutível excepção de
“Bom dia!”. Teria dado um digno compositor do GAC.
COMENTÁRIOS
Cipião Numantino: Comungo, em
certa medida, do sentimento do AG em relação ao falecido cantor JMB (aproveito
para endereçar à sua família os meus sinceros pêsames). E digo em certa medida,
porque acho-o um pouco excessivo. Os baladeiros das canções de intervenção
tiveram a sua ascensão com o advento comunista. Mirrado este movimento,
foram perdendo importância sustentadamente, sobressaindo só entre a
proselitagem comunista e abafados por ritmos mais atraentes que vão desde o do
pimba até ao pulsar compassado da kizomba ou do kuduro.
Detectados
os efeitos, resta-me tentar relembrar as causas. E, aqui, não devo deixar de
relembrar igualmente, a profunda iconoclastia de que a esquerda no geral
padece. Nada é espontâneo e tudo, no geral também, gira à volta do vulgar,
roçando mesmo por vezes a indigência mental.
Tanto
assim é que a única voz que prevaleceu através dos tempos foi a do excelente
Zeca Afonso, endeusado pela esquerda ultramontana como um dos seus, mas que se
foi afastando paulatinamente do reviralho esquerdista. Face à sua
prematura morte, foram os comunistas apropriando-se da sua imagem quando é
sabido que ele já tinha de certa forma passado a miragem e desaguado portanto
na outra margem. Esta
iconoclastia comunista, chega a revelar-se pungente. E muitas das suas
manifestações culturais são, no geral, episódios burlescos de mau gosto quando
não mesmo profundamente indigentes. Os próprios artistas, endeusados pelos seus
pares comunistas, têm profundo receio de se soltarem e se livrarem dos
louvaminhas comunistas que são os únicos apoiantes certos e subservientes que
vão tendo. Lembram-se por exemplo da saga da "fuga" para
o Brasil do Fernando Tordo? Pois é,
este episódio, por si só, diz-nos bem mais do que mil palavras!
Continuando,
um comunista, é uma espécie de caldeirão psicológico efervescente. Tenho a
perene sensação que se sentem permanentemente sob intenso escrutínio e nada nem
ninguém consegue aplacar os seus sentimentos de insegurança, se tal situação
não for compartilhada em comunhão com os seus comparsas.
Tenho,
por vezes, o costume de desligar o som da TV ficando a observar os jeitos e
trejeitos de participantes em manifestações. Quando se trata de comunistas
desde logo noto uma pulsão análoga em todos eles. E esta é, que vão caminhando
e em simultâneo vão olhando espaçadamente para trás para ver se estão
convenientemente acompanhados. Façam a experiência que vale a pena. É desta
mole de gente que nasceram os baladeiros. Nasceram comunistas e assim continuaram
a perfilar-se porque, bem no fundo, intuíam que fora do sistema acabavam por
ficar entregues às urtigas. E nada existe de mais confortável para um comunista
do que sentir o bafo quente de seus comparsas mesmo que fiquem confinados num
redil ideológico onde não existe esperança e a auto-confiança é mais rara do
que cobra espojando-se ao sol num intenso dia de nevoeiro.
JMB,
tal como os restantes baladeiros, era um dos ícones desta malta. Sair de tal
círculo era lançar-se no vazio psicológico.E um comunista tem perfeito horror
ao vazio.
Para
mim fica explicado um pouco por que é que os comunistas têm tanta dificuldade
com o seu passado. Não lhes deve ser muito fácil confessar que toda a sua vida
é uma imensa tragédia ideológica. Assim, é-lhes preferível a clássica fuga para
a frente. Porque mais do que terem medo do meio que os rodeia, ficam perfeitamente apavorados com os ecos da sua
própria consciência. Enfim, mentes
atribuladas caminhando perfeitamente em círculos sem conseguirem atinar com a
porta de saída.
Os
baladeiros vão acabar por desaparecer. Símbolos de uma época passadista,
parecem cachorros tentando apanhar o seu próprio ra bo (sem ofensa).E com eles,
definitivamente com eles, desaparecerão igualmente aqueles que lhes deram a sua
razão de ser. Os comunistas ficarão lembrados na História como um vendaval
nefasto ou até assassino que a percorreu. E tal como numa outra ideologia colectivista
que a precedeu na antiguidade clássica (Esparta), desta só resta um frágil
amontoado de pedras nas margens do rio Eurotas, na província grega da Lacónia. Paz
às suas almas! Que vão e nunca mais voltem!...
André Ondine: ocos satura e
não resolveu nada, estamos pior. Não muito obrigado, prefiro dar para outros
peditórios, por ex. para o cancro até ser erradicado de vez, assim Não me
revejo nas opções políticas de JMB e concordo totalmente quando Alberto
Gonçalves refere a atitude acrítica e seguidista da Comunicação Social. É
sempre assim. Anda tudo com medo da esquerda e dá neste disparate.. De repente,
até Pedro Marques Lopes viu em JMB o pai que nunca teve. Ou teve e tem, mas não
é tão genial. De repente, todos viram um génio a quem nunca ligaram nenhuma. Eu
liguei. E é aqui que não concordo com o autor. Ouça “Correspondências”, por
exemplo. JMB gravou grandes discos e produziu outros tantos. Alguns parecem
datados, mas que mal tem isso? São discos do seu tempo, sem disfarces.
Ruik Krull: 45 anos de Entorpecimento Mental (máfias
dos futibois, nu-belas etc) chega e já é demais. Ouvir
intervencionismos monocórdicos bem haja e se faça ciência à altura. Ok.
R.I.P JMB
Nenhum comentário:
Postar um comentário