quarta-feira, 6 de novembro de 2019

«Era uma bela varanda naquela bela janela»



Não esta em que nos debruçamos   de poupança e investimentos   que por serem instrumentos   da nossa felicidade   devíamos tratar sempre   com amor e devoção   para melhor protestarmos   contra quem nos trapaceia   no país que só esperneia   por não saber contestar   ou para melhor disfarçar   as suas próprias fraquezas   de querer participar   à mesa desses repastos   de estranhos gastos…
Bem alerta o Dr Salles   e os seus amigos letrados   que nos dão nobres lições   De Economia e Finanças   mas ficam no cano roto   da indisciplina geral   que não leva a marcha ou greve   e nem sequer a debates   de protesto ou manifesto   que esclareçam bem as gentes,   como fazem todos estes   que participam contentes   no seu A BEM DA NAÇÃO.
Mas é melhor situar   os versos de José Régio   na Toada de Portalegre   que Villaret recitou   e serviram de título airoso   a uma opinião de apreço   embora sem grande rima   por quem tão bem nos ensina:

… Toda aberta ao sol que abrasa,
Ao frio que tosse e gela
E ao vento que anda, desanda,
 E sarabanda, e ciranda
 De redor da minha casa,
Em Portalegre, cidade
Do Alto Alentejo, cercada
De serras, ventos, penhascos  
Oliveiras e sobreiros
Era uma bela varanda,
Naquela bela janela! ...

HENRIQUE SALLES DA FONSECA  A BEM DA NAÇÃO, 05.11.19
A sequência é mais longa do que o título pois, mesmo num esquema super-simplificado, começa em receitas e despesas cujo saldo, sendo positivo, gera poupanças e é destas que saem os investimentos. E são os investimentos que geram novas receitas e assim sucessivamente num acumular de poupanças e investimentos[i] Quando a série é truncada pelos impostos, a acumulação de riqueza, de poupanças e de investimentos é directamente reduzida e a pergunta que fica é a de saber se o uso público dessas reduções é mais proveitoso para o conjunto da sociedade do que a hipótese de a série cumulativa de riqueza se manter intocada.
A resposta nunca será dada com rigor matemático pois é hoje para nós óbvio que as funções de soberania, nomeadamente as Forças Armadas, têm que ser financiadas e elas são improdutivas no sentido da acumulação de riqueza na série com que abro este escrito[ii].
A imprescindibilidade dos gastos públicos financiados pelos impostos é, contudo, discutível e também aí se deveria situar a fronteira entre os vários Partidos. Rareiam as discussões políticas em torno dos custos de contexto, da análise comparativa dos benefícios sociais (globais, claro!) entre a gestão pública e a privada na Instrução (educação é a família que a ministra, não a escola) e na Saúde, os dois sectores de gestão mais sovietizada que por cá temos.
Os temas têm muito de discutível e não colhe a atitude de pré-vencidos dos Partidos que se renderam à derrota eleitoral a qual, eventualmente, resultou de não terem anunciado propostas inovadoras nestes e noutros tópicos que agora não me ocorrem. Os vencidos deixaram-se conduzir para temas que não os distinguiam dos que ganharam e sofreram as consequências que as urnas lhes ditaram por falta de imaginação ou por concordarem com o statu quo que o seu eleitorado tradicional queria ver modificado.
Não faltará numa putativa discussão desta temática quem se assanhe nas políticas de redistribuição da riqueza e na protecção dos mais desfavorecidos mas certamente também haverá quem considere importante não se continuar a hostilizar os que criam essa riqueza, os que criam postos de trabalho, ou seja, os que financiam todos os custos públicos.
É hora de falar de ideias, não mais de factos e muito menos de pessoas.
Novembro de 2019
Henrique Salles da Fonseca
[i] - Os comunistas, ao combaterem o lucro, impediram a constituição de poupanças e disponibilidades para investimentos donde resultou a «glória» de Novembro de 1989
[ii] - Há, como é sabido, modos de redução da dita truncagem mas a chamada «indústria de guerra» só pode ser lucrativa por via do comércio internacional, não na dimensão doméstica. Se os lucros gerados pelas exportações de material de guerra superarem os custos internos dessa função de soberania, a minha conjectura negativa deixa de fazer sentido.
COMENTÁRIOS:
Adriano Lima 05.11.2019: Interessante reflexão, Senhor Doutor. Ela é útil nesta altura em que, como bem diz, os partidos da oposição perderam as eleições por não terem apresentado ao eleitorado uma alternativa credível. Esta teria consistido em demonstrar que, com uma carga fiscal mais reduzida, o país teria gerado mais riqueza nos últimos quatro anos. Creio que esta é a ideia-força da sua exposição. Não estou em condições mínimas para discutir a validade dessa tese, ou pelo menos o grau de possibilidade do seu sucesso. De facto, não tenho conhecimentos académicos de economia, mas ouço ou leio amiudadas vezes que a economia, por ser ciência social, está sujeita a variáveis que nem sempre controla ou consegue prever nas suas oscilações, dado que elas resultam do comportamento humano e das sociedades, no fundo, da complexa natureza do ser humano. É um facto que a economia evoluiu bastante no apuramento dos seus modelos e técnicas, usando métodos mais empíricos de modo a equiparar-se às ciências naturais. No entanto, parece ainda pesar muito a dificuldade de prever factores como a falência do sistema bancário, o comportamento dos mercados e do consumidor, além da instabilidade política de vária ordem de incidência local ou regional, como está a acontecer com o Brexit, com o caso da Catalunha ou com lideranças políticas erráticas, conflituosas ou ameaçadoras da estabilidade geopolítica. Aliás, é um pouco disto tudo que prevê uma queda do crescimento em todo o mundo, contrariando a tendência verificada nos últimos quatro anos, levando a que os opositores ao anterior governo atribuam unicamente o seu sucesso à excepcionalidade das condições de que beneficiou, do que discordo. No entanto, o que fica por saber ao certo é se nos últimos quatro anos, outra tivesse sido a política fiscal, teríamos obtido os mesmos resultados na política financeira, dado que também não é despiciendo o clima de confiança que se cria com esta ou aquela diferente liderança política. Por outro lado, parece-me que um pouco mais de rigor nos levará a considerar que despesas do Estado em áreas soberanas como a Defesa e as Forças de Segurança poderão não representar um investimento produtivo por via directa, mas terão certamente influência na criação de condições internas para a paz social e a tranquilidade pública que são indispensáveis para a atracção de investimento externo e para a produtividade nacional. Por último, a história demonstra que o liberalismo económico não tem sido capaz de prever e evitar crises cíclicas e sempre geradoras de danos sociais assinaláveis, apesar de ser, de facto, muito mais vocacionado para a criação de riqueza e progresso social, ainda que se tenha sempre de questionar em que medida os ganhos exclusivamente materiais se interligam com a melhoria dos padrões de verdadeiro bem-estar da humanidade, tais como uma mais apurada consciência global sobre os valores da solidariedade humana, sobre a paz entre as nações e sobre defesa do ambiente. Agora para encerrar mesmo, pergunto a sua opinião sobre o facto de terem sido os Estados a salvar os bancos da falência a que foram empurrados precisamente pela crise do sistema financeiro globalizado. Porém, este meu entendimento não significa que esteja em concordância, bem pelo contrário, com o sistema económico colectivista e centralizador dos estados comunistas. Com um abraço amigo. Adriano Lima
Anónimo, 06.11.19:
A densidade do teu texto, Henrique, - que cada frase é quase um tema -, alia-se à profundidade do comentário do Senhor Adriano Lima. Eu, que não sou macroeconomista, nem versado em política económica, nem tão pouco em ciência política, irei tentar dar igualmente algumas achegas. Há vários aspectos que temos de ter presente para que possamos entender bem o contexto em que actualmente nos inserimos, em Portugal.
Neste momento parece haver o primado do ideológico sobre o técnico. Discute-se ideologicamente temas que são essencialmente técnicos. São os casos que apontas da gestão do SNS e da Educação. Sobre o primeiro caso, compete ao Estado assegurar que o SNS seja gerido da melhor forma possível, com o melhor benefício para os utentes (não necessariamente para os intervenientes) e com o menor custo, isto é, com a maior eficiência, sem perda de qualidade. Quanto ao segundo caso, que tem substrato ideológico, reconheço, a ideologia não pode distorcer valores fundamentais da nossa sociedade e cultura. O Ministério tem de ser da Educação e não, como alguém há anos disse, criticando a situação então existente, dos Professores. É preciso coragem, num caso e noutro, para romper com interesses instalados e tratar os assuntos que sejam de natureza técnica, como tal.
Outra vertente a ter em conta é a elevada carga fiscal com que nos confrontamos, que incide sobre poucas famílias e sobre pouquíssimas empresas. Ainda ontem ouvi que dos países da OCDE, somos o que a taxa máxima de IRS incide sobre o montante mais reduzido (€80.000). Ainda no âmbito desse imposto, segundo ouvi, 80% são pagos por 16% dos agregados familiares, enquanto cerca de 70% do IRC são pagos por 5% das empresas
!... E quanto mais se penalizar as empresas com lucros, com maior eficiência, mais capitalizadas, mais se tende, em geral, a descapitalizá-las, bem como a reduzir a produtividade e, por arrasto, a competitividade do País. Se queremos continuar a ter (e o Governo anterior e o actual já deram mensagens que não o querem) uma economia baseada em salários baixos, é continuar a deixar que 45% do emprego resida em microempresas, as quais têm, obviamente, uma produtividade bem abaixo da média. Não é assim surpresa que a estrutura empresarial existente conduz a uma reduzida produtividade.
Terceira vertente tem a ver com o acontecimento a que te referes, em nota, e que completa 30 anos este mês – a queda do muro de Berlim. O que fizemos (ou não), em áreas como o custo dos factores produtivos, os custos de contexto, de que falas, a instrução, a formação, a estrutura do tecido empresarial, por exemplo, para se competir com os países do Leste, eventualmente mais próximos dos mercados consumidores (digo “eventualmente” porque há muita discussão sobre a centralidade ou não de Portugal), com mais formação e instrução, assim como, certamente, com menores custos de contexto e, quiçá, sem rendas excessivas?… E já agora, o que estamos economicamente equacionando, particularmente no importante sector de turismo, para fazer face ao provável Brexit e à já real desvalorização da libra? Sabemos todos que os impostos, como referes na parte final do teu artigo, têm uma função de redistribuição, e não se discute a ideia de progressividade, quanto muito o quanto dela, como também não se discute o financiamento das funções de Soberania nem do Estado Social. Exige-se, todavia, que os benefícios estejam em consonância com o esforço do pagamento, sem desperdício, de qualquer natureza. Igualmente, e como muito bem lembras, não se hostilize os que, honestamente e de acordo com regras transparentes de mercado, criam riqueza. Não pode cair sistematicamente sobre as grandes empresas o anátema de classificação “do grande capital monopolista”. Compete ao Estado promover a regulação dos mercados, inclusive através de Entidades independentes próprias, pois que o faça, para que todos nós, consumidores, possamos depositar a confiança devida nos agentes da oferta.
Quanto ao assunto das Forças Armadas, que é suscitado por ambos, e cujas opiniões comungo, desejo apenas referir a importância que, no mundo, a investigação militar e espacial tem na esfera civil. Muitos exemplos, por certo, poderiam ser dados, limito-me a mencionar um - a internet. A indústria militar, a metalomecânica e a metalurgia portuguesas beneficiaram particularmente da guerra do Ultramar e da do Irão/Iraque, que me recorde.
Focando, finalmente, uma ou outra questão suscitada pelo Senhor
Adriano Lima
(desculpe, mas desconheço o seu grau académico): Começo por dizer que estou genericamente de acordo com o que escreveu, mas a extensão desde comentário impede-me de ir mais longe. Apenas algumas afirmações: É inerente ao sistema capitalista a existência de círculos económicos. Actualmente, estamos no fim de um desses círculos de expansão. Possivelmente, o menor crescimento da China será uma das razões, para além da instabilidade provocada pelo Brexit e pela guerra comercial sino-americana. Outros factores são por si apontados. Vamos estar atentos ao Chile e à Argentina. Quanto à pergunta que faz ao Henrique sobre o apoio do Estado para salvar os Bancos; independentemente da resposta que venha a ter, sublinho que não se tratou de salvar os accionistas que, em geral, perderam as suas posições societárias, nem os gestores que comprovada e dolosamente conduziram os bancos à situação de falência ou pré-falência. O que os Governos procuraram foi, nos casos viáveis (alguns fecharam mesmo), mantê-los vivos, reestruturando-os, para o financiamento (embora mitigado, numa 1ª fase) da economia e preservar, tanto quanto possível, pelo menos os depósitos, bem como outras aplicações financeiras de depositantes/investidores. Quando são aplicadas medidas de resolução – e em Portugal isso aconteceu, como se sabe -, então os institucionais e, algumas vezes igualmente os particulares, são chamados a perder todo ou parte das aplicações para ajudar a viabilizar o Banco. A opção dos Governos/Bancos Centrais deve ser tomada estimando, em cada caso, os custos e benefícios da opção de insolvência ou de determinada resolução. Abraço. Carlos Traguelho


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