sexta-feira, 21 de março de 2025

Apenas uma tentativa

 

De percepção das implicações de um “rearmamento europeu” – embora uma pálida ideia disso resulte – o que não tem implicações no desfecho, hélas!, o medo dominando, na expectativa da nova ordem, bem real, já, para tantos…

“Rearmar a Europa” pode trazer crescimento, dizem economistas, mas “não podia vir em pior altura” dado o estado “precário” das contas públicas dos países. Para Portugal, "é um aeroporto a cada ano".

OBSERVADOR, 20 mar. 2025, 19:365

A Comissão Europeia apresentou um plano para aplicar“até 800 mil milhões” em defesa mas, embora o investimento possa ajudar a combater a estagnação económica na Europa, “não podia vir em pior altura” dada a situação “precária” das contas públicas de vários países, sublinham economistas ouvidos pelo Observador. A convicção dos analistas é que, mais tarde ou mais cedo, a UE acabará por ter de fazer um esforço verdadeiramente partilhado nesta área, com a emissão de dívida mutualizada. Caso contrário, mesmo com isenções especiais nas regras orçamentais, o esforço poderá ser demasiado grande – “para Portugal, isto é parecido com o custo de fazer um novo aeroporto, em cada ano“, diz um economista.

O ReArm Europe é a proposta de Ursula Von der Leyen – para já, é apenas isso – que será discutida no Conselho Europeu desta semana, no momento em que a Comissão Europeia apresenta o “livro branco” a que chamou “Prontidão 2030“. “Até 2030, a Europa deverá ter uma forte postura de defesa europeia”, afirmou a presidente da Comissão Europeia num discurso feito na Dinamarca no início desta semana. “’Prontidão 2030′ significa termo-nos rearmado e desenvolvido as capacidades para ter um poder de dissuasão credível, significa ter uma base industrial de defesa que seja uma vantagem estratégica”, explicou a responsável, rematando: “Para estarmos ‘prontos até 2030’, precisamos de agir já“.

Os principais objectivos do plano de Bruxelas já são conhecidos: pretende-se mobilizar até 800 mil milhões de euros nos próximos quatro anos, até 2030. Mas os especialistas questionam se será mesmo possível avançar com este investimento – porque a principal fatia desses 800 mil milhões diz respeito a 650 mil milhões que, nas contas de Bruxelas, só serão investidos caso os Estados-membros gastem com defesa mais 1,5% do Produto Interno Bruto (PIB) do que gastam hoje.

De acordo com dados da Comissão Europeia, as despesas totais com defesa dos Estados-membros da União Europeia (UE), em 2024, terão atingido 326 mil milhões de euros. Segundo Bruxelas, este é um valor que subiu 30% em quatro anos e equivale a 1,9% do PIB da UE. Ou seja, somando o “extra” de 1,5%, o plano idealiza que os Estados-membros possam gastar quase 3,5% do PIB nesta área.

Os economistas do banco neerlandês ING Carsten Brzeski e Bert Colijn calcularam o que este aumento da despesa (sem outras alterações da política orçamental) significaria para alguns países europeus e a conclusão é simples: “Isto irá resultar numa violação da regra de défice máximo de 3% e para França e Bélgica isto levaria a que o défice se afastasse ainda mais desse limite”.

No entanto, Von der Leyen adiantou que, tal como aconteceu na pandemia, os países podem activar a chamada cláusula de salvaguarda, que impede que sejam abertos Procedimentos por Défices Excessivos por causa destas despesas – mas não faz desaparecer a dívida. A isenção que está prevista contempla “apenas despesas de defesa, tomando como ponto de partida a categoria estatística defesa na classificação das funções do governo”, até um máximo de 1,5% do PIB em cada ano, por um período de quatro anos (prorrogável), a começar em 2025.

Os países têm até abril para activar essa cláusula de salvaguarda. Questionada, fonte oficial do Ministério das Finanças não respondeu, até à publicação deste trabalho, sobre se está nos planos de Joaquim Miranda Sarmento activar essa cláusula para Portugal. O primeiro-ministro, Luís Montenegro, disse, porém, na quarta-feira, que apesar de Portugal ter “capacidade de se endividar dentro das regras”, Portugal deu a sua “anuência” à ativação da cláusula de salvaguarda para os gastos com defesa. “Não que nós precisássemos disso, porque podíamos fazer estes investimentos a uma taxa de financiamento confortável dado o rating que temos” mas “ser solidário também é isto”.

Depois da pandemia, a Comissão Europeia volta a propor “excepções para as regras orçamentais, o que é visto como “um problema” por Carsten Brzeski, sobretudo porque são excepções sem “prazo de validade”. “Excepções permanentes deixam de ser excepções, passam a colocar em causa as próprias regras“, diz o economista, questionado pelo Observador. Uma forma de mitigar este “problema” seria dizer-se logo à partida que as excepções às regras orçamentais “teriam um calendário definido de redução programada: por exemplo, isentar-se 100% das despesas com defesa em 2025, 75% em 2026, e por aí em diante”.

A este propósito, o comissário europeu dos Assuntos Económicos, Valdis Dombrovskis, já veio alertar, citado pelo Politico, que estão apenas em causa despesas com defesa: “Precisamos de garantir que não temos defense washing [lavagem para parecer ‘defesa’], em que subitamente tudo são despesas de defesa“. O ponto de ordem surgiu depois de Espanha ter proposto um alargamento do conceito de defesa para gastos com protecção civil climática e custos com ciber segurança.

O que a Comissão Europeia ainda não esclareceu com rigor é se todos os gastos com defesa passam a não contar para o cálculo dos limites da Comissão Europeia ou se são apenas os gastos adicionais nesta área. Essa é uma questão que “ainda não terá sido decidida – ambos os cenários são possíveis mas acredito que faz mais sentido serem apenas os gastos adicionais“, afirma Carsten Brzeski, economista do banco neerlandês ING, ao Observador. Contactada, fonte oficial da Comissão Europeia não esclareceu este ponto até à publicação deste texto.

No entanto, seja num ou noutro cenário, onde este economista não tem dúvidas é que, para países como França e Bélgica, que já estão sob a mira de Bruxelas devido aos défices que têm hoje, estes gastos facilmente irão levar a fossos próximos de 7% do PIB nas contas públicas já neste ano.Embora do ponto de vista económico se possa argumentar que mais investimento em defesa na zona euro seja algo que será bem-vindo, numa altura em que a economia europeia entrou em estagnação, do ponto de vista das finanças públicas isto não podia surgir em pior altura”, afirma o ING.

“Vários países da zona euro ainda estão a debater-se com défices orçamentais que são demasiado elevados”. Entre os «23» países europeus analisados pelo ING (do total de 27 países da UE), 10 têm défices iguais ou superiores a 3%. Com um aumento dos gastos em defesa para 3% do PIB, 13 países passam a estar nessa situação – se forem 3,5%, passam a 17.

O ING sublinha que, “para os países com dívidas elevadas, em particular, isto aumentará ainda mais o endividamento e poderá resultar numa falta de confiança dos mercados, em algum momento, o que poderá restringir as despesas com a defesa ou desencadear cortes orçamentais noutras áreas”, mesmo que a Comissão permita ultrapassar os limites.

Portugal. “É como fazer um novo aeroporto a cada ano“

No que diz respeito ao equilíbrio orçamental, Portugal parte de uma base mais favorável do que a generalidade dos países e, por isso, não fica tão mal na fotografia. Porém, Portugal investiu apenas 1,55% do seu PIB em defesa no ano passado (abaixo dos 1,9% da média europeia) – ou seja, teria de aumentar mais do que outros países os seus gastos (para atingir os 3,5% que são o objectivo europeu).

De acordo com esta simulação do ING, elevar os gastos em defesa para 3,5% levaria Portugal de um superavit nas contas públicas (previsto para 2025) para um défice de 1,5%. Mesmo que se assuma um objectivo menos audaz, de gastos de 3% do PIB, o défice saltaria para 1% – se não fossem tomadas outras medidas de contenção.

Ouvido pelo Observador, o economista Pedro Brinca, professor da Nova SBE, compara aquilo que Portugal terá de investir em defesa com o custo do novo aeroporto de Alcochete. “Portugal tem gastos em defesa de cerca de 1,5% do PIB, sendo o PIB quase 300 mil milhões de euros [285 mil milhões em 2024], ou seja, cada aumento de um ponto percentual nos gastos equivale a três mil milhões – se a ideia é aumentar [dois pontos percentuais] para 3,5%, então estamos a falar de valores na ordem dos sete mil milhões de euros que Portugal terá de passar a gastar anualmente” se este plano for cumprido.

“É como construir um novo aeroporto de Alcochete em cada ano“, compara Pedro Brinca, baseando-se nas estimativas (da ANA) de que o novo aeroporto custará cerca de 8,5 mil milhões de euros a fazer.

Plano de Bruxelas implica que Portugal gaste em defesa quase tanto quanto irá custar o novo aeroporto de Lisboa – a cada ano, sublinha Pedro Brinca. ANDRÉ KOSTERS/LUSA

Carsten Brzeski, um dos economistas do ING que fizeram a simulação do impacto destes gastos nas contas públicas, diz ao Observador que não espera, porém, que “todos os países acabem por gastar o mesmo”. “Honestamente, penso que quanto mais longe os países estão da Ucrânia, menor será a pressão para que eles aumentem os gastos com defesa”, afirma o economista neerlandês, prevendo que alguns países “aproveitem para ir às cavalitas” de outros como a Alemanha e a Polónia, que irão gastar mais.

Ainda assim, acrescenta o economista, mesmo os países que gastarem menos do que o objectivo irão ter um esforço grande para as contas públicas. “Dada a situação precária das contas públicas em vários países, incluindo Portugal, acabará por haver maior pressão para que se avance para um Fundo Europeu de Defesa”, acredita o especialista, com emissão de dívida conjunta e os países a usarem os fundos de que necessitam sem onerar o orçamento do Estado.

Centeno pede solução “europeia” na defesa, mas gastos são “inescapáveis”

 “Portugal é um país pequeno, e penso que não é do interesse de ninguém colocar em risco os progressos feitos nos últimos anos por se ter, agora, maiores gastos com defesa”, remata Carsten Brzeski. Apesar de Portugal ter tido nos últimos anos excedentes das contas públicas, Pedro Brinca, da Nova SBE, acrescenta que “a dívida ainda supera os 95% do PIB (acima da meta de 60%), pouco mais de meia dúzia de pontos percentuais abaixo da dívida que havia quando se chamou a troika” – além disso, “como tem vindo a gastar menos, só 1,5%, o cumprimento da meta que está em cima da mesa [3,5%] levará a um esforço maior”.

“Portugal tem capacidade financeira para o fazer, mas vai ter de haver compromissos“, afirma Pedro Brinca, explicitando: “Para se gastar em defesa não se pode gastar tantos noutras coisas, em hospitais, em escolas, em investigação,etc“, argumenta o professor da Nova SBE.

Ainda assim, acrescentam os especialistas do ING, “o facto de o plano não envolver uma meta rígida de despesas, mas sim uma estimativa do que aconteceria se a Europa utilizasse a cláusula de escape para aumentar as despesas em 1,5% do PIB, torna incerto se os 800 mil milhões de euros referidos pela Comissão serão mesmo atingidos”.

Plano prevê 150 mil milhões em empréstimos – mas não a fundo perdido

Embora seja um valor menos expressivo dos que os 650 mil milhões já abordados, a maior novidade neste programa está nos 150 mil milhões de euros em empréstimos conjuntos que, se a proposta for aprovada, irão ser feitos através da União Europeia. Propõe-se que sejam feitos empréstimos conjuntos mas, assim que a União Europeia emite a dívida nos mercados financeiros, esse dinheiro vai chegar aos países através de outros empréstimos – já que os chamados países maisfrugais” não aceitaram que fossem subsídios (Áustria, Holanda, Dinamarca, Suécia e Alemanha).

A vantagem de serem empréstimos emitidos pela União Europeia permite que estes sejam feitos aos juros (mais favoráveis) a que a UE se financia, com o seu rating máximo (AAA). Para os países que, actualmente, estão a emitir dívida a juros superiores aos da UE, esta é uma forma de obter financiamento a juros mais baixos. No entanto, não deixa de tratar-se de dívida (e não subsídios a fundo perdido).

Plano também prevê realocação de fundos da coesão e papel do BEI

O mecanismo é o mesmo que foi usado quando a UE angariou fundos para amortecer o impacto económico relacionado com a gestão da pandemia da Covid-19. Em especial, a União Europeia também criou um veículo para emitir dívida e emprestar aos países através de um instrumento europeu de apoio temporário contra o desemprego (o chamado programa SURE), que também previa que os países pudessem obter financiamento em condições mais vantajosas do que se emitissem, individualmente, a dívida associada.

Dias depois de apresentar o seu plano, e com vários países a criticarem o ReArm Europe por não prever uma mutualização directa dos gastos, a presidente da Comissão Europeia garantiu que “nenhuma possibilidade está fora de questão“. “Estou aberta àquilo que for necessário” para tornar mais robustas as capacidades militares do bloco, afirmou Ursula Von der Leyen a 9 de março.

Mas mesmo sem essa mutualização de dívida, já houve sinais de que poderá não ter vida fácil na Europa. O parlamento dos Países Baixos, uma das nações cuja riqueza suporta esse rating máximo, votou contra uma moção que tomou o pulso à disponibilidade dos políticos neerlandeses para cumprir o plano gizado pela Comissão Europeia.

Agência Fitch indicou que, "por si só", os aumentos de gastos que estão previstos não deverão levar a um corte do "rating" da UE.

A agência Fitch Ratings veio assinalar, a 13 de março, que tal emissão de dívida feita pela EU não deverá, “por si só”, colocar em risco o rating AAA que é atribuído à Comissão Europeia enquanto emitente nos mercados financeiros. No entanto, a agência de notação financeira salientou que esse rating AAA só existe porque há um conjunto de países – Alemanha, Países Baixos, Suécia, Dinamarca e Luxemburgo – que têm, eles próprios, as melhores notações de risco. Ou seja, assume-se que estes países, que contribuem com 37% do orçamento europeu, “poderiam contribuir mais, se fosse necessário para saldar dívida”.

Em consequência, um declínio (real ou projecctado) das contribuições dos países AAA, para um nível inferior ao necessário para cumprir com os pagamentos anuais da dívida, poderá levar a um corte do rating” atribuído à União Europeia. Ainda assim, a Fitch mostra estar relativamente tranquila: “Acreditamos que a UE vai continuar a gerir as suas responsabilidades de dívida de uma forma condicente com a manutenção do rating AAA, a menos que haja um corte de rating de um dos países AAA, que não estamos neste momento a prever”.

Este optimismo da Fitch de que não haverá um corte de rating da União Europeia parte do pressuposto, alerta a agência, que “os empréstimos relacionados com defesa, por parte da UE, não são aumentados em relação aos planos que estão neste momento em cima da mesa”.

Alemanha aprovou alteração constitucional histórica. Vai gastar 500 mil milhões em infraestruturas e defesa

Por outro lado, a notação de risco da UE poderá beneficiar de um impulso que estes planos irão dar no crescimento económico. Nas contas dos economistas do BNP Paribas, quando se soma o possível impacto destes gastos adicionais na defesa europeia e o impulso dado pelos investimentos de 500 mil milhões de euros em infraestruturas e defesa na Alemanha, “o PIB potencial da Alemanha pode subir em 1,5% e o da zona euro em 0,8%” até 2030.

Acreditamos que o plano ReArm Europe representa um primeiro passo muito encorajador para reforçar despesas de defesa na UE, com um provável impacto positivo sobre as perspectivas de crescimento europeias”, afirmam os analistas do BNP Paribas.

Mas os economistas do ING questionam se haverá um impacto assim tão significativo no crescimento – ou, pelo menos, duvidam que seja tão directo e imediato quanto alguns acreditam: “Temos dúvidas. Embora os gastos adicionais possam fazer uma diferença no crescimento, não será imediato e acreditamos que o impacto ao longo dos próximos anos será moderado”, afirmam, admitindo que “uma grande parte” dos gastos terão de ser feitos à base de importações, dada a baixa capacidade produtiva na Europa nesta área.

Embora seja expectável que a zona euro venha a aumentar a sua capacidade produtiva na área da defesa, acreditamos que os investimentos adicionais, no início, irão resultar numa quantidade considerável de importações – que tenderão a diminuir gradualmente à medida que o tempo passa e à medida que a capacidade interna aumenta”, dizem os economistas do ING, admitindo um impulso de apenas 0,1% e 0,2% no crescimento económico da zona euro em 2026 e 2027.

Montenegro: "Estamos muito concertados com o esboço que foi apresentado"

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COMENTÁRIOS:

Novo Assinante: Os 800 bi€ vão ser impressos, como sempre aconteceu, quer na UE, quer nos EUA, quer no UK, quer no Japão, Austrália, etc. Não irá existir redução de outras despesas (saúde, educação, etc) para compensar os gastos adicionais em defesa. A questão, semântica ou de semântica como preferirem, é apenas uma: vai contar ou não para o limite do défice orçamental de cada Estado-Membro da UE em cada ano?              Carlos Chaves: Tudo serve para ofuscar a notícia da regularidade da situação de Luís Montenegro, isto é que é sabotagem interpares! Nas TV’s nada, ou melhor o Ferrão (nome adequado), até disse ao vivo e a cores na SIC Notícias que a investigação do Observador sobre o tema LM não valia de nada, por outras palavras claro, não teve coragem para ser assim tão directo! Não acham estranho que o PS, a extrema-esquerda e o CHEGA, estarem tão caladinhos???? Caro Edgar isto é uma não notícia, com os níveis de endividamento que temos, os dependentes do Estado criados pelo socialismo, e o nível absurdo de impostos, tínhamos que esbarrar em algum lado! Um dos responsáveis por isto, está agora sentadinho em Bruxelas a pedir agora o contrário do que fez quando aqui estava! Que tal denunciar isto! P.S. Nem a fotografia é actual!        Luís Martins: Estivemos durante décadas preocupados com as ideologias de género (vá-se lá perceber que dúvidas existem com isto), foi só economia e gestão...história e defesa eram passado....PUMBA! Da noite para a manhã...tudo em pânico que não há defesa                       Paulo Valente: Tem de ser é, o que ter de ser tem muita força! E não há mas, nem meio mas.         Cisca Impllit: Há uma economia à volta do armamento também.

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