domingo, 2 de março de 2025

HISTORIANDO

 

O “folhetim” europeu e americano. Fá-lo JAIME NOGUEIRA PINTO, e, como “parecer” de apoio, a precedê-lo, os textos de LUÍS SOARES DE OLIVEIRA e seus COMENTADORES no mare magnum crítico que merecem, já há bons tempos, as actuações reprováveis a leste e hoje as a oeste transatlântico e, por confronto, a simpatia favorecedora das vítimas de tais procedimentos hostis de tão deprimente figurino:

 

I – RETRATO - HISTÓRICO / COMENTÁRIO de Luis Soares de Oliveira: Sempre foi convicção americana, (desde Munroe, 1823) que a eles competia estabelecer e conservar a ordem mundial. A história mostra que os EUA nunca se coibiram de usar a força para impor a sua vontade mas sempre usaram um discurso que os aparentava com os salvadores da humanidade, o que obviamente e não é o caso presente de Trump.

COMENTÁRIOS

Isabel Themudo Gallego: A utilização da força é própria dos fracos.

Ricardo Montez: Verdade! Mas as acções de Biden não podem ser branqueadas! Trump é um labrego!…

Augusto Correia: Do wokismo dos democratas e seu presidente com disfunção cognitiva para o javali grosseiro e arrogante que os republicanos puseram na sala oval só nos resta investir na Europa, sem wokismos nem vergonha do que fomos e somos, e recordar De Gaulle que não confiava nem nos americanos nem nos russos como se infere do que afirmou em Agosto de 1962:

"Para que serve a Europa? Serve para que não sejamos dominados pelos Estados Unidos nem pela Rússia"

António Mancelos Santos Gomes: Os Russos são muito parecidos...

II- América, Alemanha, Roménia: o folhetim continua

Ao contrário do que se poderia supor, os mais fortes sinais de “defesa musculada da democracia musculada” não vêm da América de Trump, mas importam da América o estilo do mais puro Deep State.

JAIME NOGUEIRA PINTO Colunista do Observador

OBSERVADOR,01 mar. 2025, 00:1723

A eleição alemã de Domingo, 23 de Fevereiro, era esperada com grande ansiedade, sobretudo depois da vitória de Trump, a que se seguiram as nomeações de uma Administração claramente nacionalista e anti-globalista e uma série de ordens executivas, sinalizando uma efectiva alternativa ao poder da Esquerda e do Centrão na Europa e no mundo. Vieram depois as iniciativas para o congelamento dos conflitos no Médio Oriente e na Europa Oriental, das quais a mais importante terá sido a hora e meia ao telefone com Putin; e, finalmente, o discurso de Munique de J. D. Vance, uma clara advertência à Europa, lembrando-lhe que a Guerra Fria tinha acabado há mais de trinta anos e que não podia continuar a hostilizar parte do seu eleitorado e dos seus políticos, actuando contra as suas próprias leis e constituições.

Foi neste contexto que a Alemanha foi às urnas no passado Domingo. Com 84 milhões de habitantes e cerca de 60 milhões de eleitores, a primeira economia do continente europeu está a passar por alguns sérios problemas. Vai no segundo ano de recessão, as sanções à Rússia – e a sabotagem do gasoduto Nord Stream que trazia o gás russo para o Oeste – acabaram com a energia barata e algumas fábricas de automóveis fecharam.

Nas eleições, a CDS/CSU ficou com 28,52% e 208 lugares; a AfD, com 20,8% e 152 lugares; o SPD com 16, 41% e 120 lugares; os Verdes com 11,61% e 85 mandatos; o Die Linke conseguiu 8,77% e 64 mandatos; e os liberais do FDP não chegaram aos 5% necessários para entrar no Parlamento, o mesmo sucedendo à Aliança Sara Wagenknecht (SWB).

Neo-nazis

A grande vencedora, proporcionalmente, ou seja, comparando o resultado anterior com o actual, foi a Alternativa para a Alemanha, o partido nacionalista, identitário e antiguerra de Alice Weidel, com quem Elon Musk e J. D. Vance conversaram, para grande escândalo dos políticos europeus e alemães, que ali viram uma perigosa interferência americana.

A AfD duplicou a votação em relação a 2021, ou seja, em menos de quatro anos, e os democratas cristãos da CDS-CSU subiram cerca de quatro pontos percentuais. Os antigos comunistas – Die Linke, A Esquerda – também quase duplicaram a votação em relação às últimas eleições. Os grandes derrotados foram os sociais-democratas de Olaf Scholz – o ex-chanceler – que perderam quase 10 pontos percentuais e tiveram a votação mais baixa do velho Partido Social Democrata desde 1880. Os Verdes também caíram, assim como os Liberais, que pagaram pela aliança à esquerda. A Aliança Sara Wagenknecht (SWB), uma curiosa formação misturando radicalidade à direita e radicalidade à esquerda, que se estreou nestas legislativas, também não passou a barreira dos 5%.

Mas o caso mais significativo é o da subida em flecha da Alternativa para a Alemanha, passando já os 10 milhões de eleitores. É um partido que, até pela personalidade da sua líder, Alice Weidel, sai da normatividade dos partidos ditos de “extrema-direita” ou de “direita radical”. Alice é homossexual e vive com Sarah Bossard, uma realizadora sirilanquesa, com quem adoptou duas crianças – nada que iniba as acusações de machismo, fascismo e mesmo de nazismo, que continuam animadamente a cair sobre a AFD, ou que impeça que os outros partidos – todos – proclamem a sua indisponibilidade para entrar em coligação ou colaboração com semelhantes “neo-nazis”.

E as coisas até foram mais longe. Além dos “muros de chamas” – que, como por cá se afirmou na noite da eleição, são um moderno e flamejante upgrade das velhas linhas vermelhas chegou a estar de pé uma iniciativa transpartidária para proibir a AFD. Só que, entretanto, a ministra do Interior, Nancy Faeser, do SPD, perdeu o lugar, e como a AFD vai ter mais deputados no Bundestag (152) do que signatários da proposta para a sua proibição (123), o pedido de interdição ficou em suspenso.

Merz: mais do mesmo?

Semanas antes das eleições, Frederick Mertz, o líder da CDU-CSU, foi muito criticado à esquerda por subscrever, no seu discurso, grande parte das propostas da extrema-direitacontrolo permanente das fronteiras, limites à reunificação familiar, aumento da detenção e expulsão dos ilegais. Estas suas declarações, vistas como forma de combater a AfD hasteando algumas das suas bandeiras, desencadearam grande fúria em Berlim e noutras cidades, onde milhares saíram à rua. Mertz fê-las, entretanto, depois de mais um atentado de um imigrante ilegal contra cidadãos alemães, um deles uma criança de dois anos.

Não parece provável que agora, com mais de um quinto dos votos e quase um quarto dos lugares do Parlamento, alguém se atreva a proibir a AfD, mas nunca se sabe onde se pode chegar para “defender a democracia”. Na História constitucional alemã pós-1945, houve duas proibições de partidos pelo Tribunal Constitucional, votadas pelo Bundestag – em 1952, o SRD (Sozialistische Reichspartei Deutschlands), uma cisão do conservador Deutsch e Reichspartei declaradamente neo-nazi, foi proibido pelo Tribunal Constitucional Alemão em Outubro de 1952, sendo chanceler Konrad Adenauer. Também nos anos 50, em 1956, e sempre com Adenauer, o Partido Comunista, KPD, foi proibido na República Federal Alemã.

Mertz fez toda a campanha da CDU/CSU insistindo numa política de controle das fronteiras. Mas mal se viu eleito, apressou-se a anunciar, que não falara em “controles fronteiriços permanentes”, sugerindo que tinham sido os media os culpados por essa ideia (que pode bem ter sido a base do seu sucesso eleitoral). E depois de ter declarado no discurso de vitória a urgência em fechar o acordo com o SPD, falou também em fortalecer a Europa, já que, com Trump e Vance, a Europa ficaria no meio das pressões do Leste e do Oeste.

Deste modo, tudo indica que a viragem à direita durante o último mês da campanha terá sido sol de pouca dura e que a coligação ao Centro – do Centro-Direita com o Centro-Esquerda – irá ser a receita para a Alemanha. Merz foi administrador do BlackRock e tem um perfil de elite financeira e tecnoburocrática do sistema. Talvez a nova Grande Coligação não seja assim tão grande nem tão eficaz, mas é curioso registar a alegria e o encanto com que a Esquerda recebeu este democrata-cristão conservador

Porém, se as políticas necessárias não acontecerem, a AfD, continuará a crescer. Entretanto, um dos problemas da AfD, como o de outros movimentos nacionalistas europeus que o vazio deixado pelo sistema levou a crescimentos bruscos, é o controlo da qualidade dos representantes e o grupo político-parlamentar do Parlamento Europa de acolhimento. A AfD pertencia ao grupo europeu Identidade e Democracia (actualmente, Patriotas pela Europa) mas teve de sair quando um dos seus dirigentes, Maximilian Krah, fez declarações consideradas pelo partido de Marine Le Pen como de simpatia pelas SS. Recentemente, o primeiro-ministro húngaro, Victor Orbán, encontrou-se com Weidel, e pronunciou-se positivamente sobre o partido. Para não falar em Elon Musk, que protagonizou uma longa e afectuosa conversa com a líder do partido alemão.

A AfD formou, no Parlamento Europeu, o Europa das Nações Soberanas, com os seus 14 representantes para a Europa e deputados de outros partidos que tinham ficado sem grupoos checos do SPD, Liberdade e Democracia Directa (1) os búlgaros do Renovação (3), os húngaros do Movimento Nossa Pátria (1), os suecos da Alternativa para a Suécia (1), e os gregos do Partido Grego da Agricultura e do Gado(1); há ainda 1 lituano da União do Povo e da Justiça, 3 polacos da Nova Esperança e 2 eslovacos do Movimento Republicano.

Aqui é que é capaz de andar a “extrema-direita”, tão procurada por jornalistas e comentadores.

Na terra do Conde Drácula

Mas as notícias mais recentes não vão no sentido da acalmia. Depois dos vaivéns das personalidades “alternativas”, que passaram do anti-trumpismo para o pró-trumpismo em 48 horas, um dia a comunicarem o fim da democracia na América, no outro a correram ao beija-mão na Casa Branca, houve novidades na frente europeia.

Ao contrário do que se poderia supor, os mais fortes sinais de “defesa musculada da democracia musculadanão vêm da América de Trump, mas importam da América o estilo do mais puro Deep State. Com base numa história rocambolesca que mete russos, grupo Wagner, algoritmos, fundos secretos e “o dinheiro de Moscovo”, as autoridades policiais romenas prenderam, de forma humilhante, Calin Georgescu, o candidato mais votado na primeira volta da eleição presidencial da Roménia, a tal que o Tribunal Constitucional de Bucareste anulou, por não gostar do resultado.

Este filme de ficção política, ou de política-ficção, no país do Drácula não passou despercebido aos “vilões” Elon Musk e J. D. Vance, que já foram categóricos em denunciar este comportamento “iliberal” dos “bons da fita”, encorajado pela União Europeia.

Mas entre a Casa Branca da nova América e os casos negros da velha Europa, o folhetim continua.

A SEXTA COLUNA      HISTÓRIA      CULTURA      ALEMANHA      EUROPA      MUNDO

COMENTÁRIOS (de 23)

Tim do A: Excelente comentário sobre o que se passou na Roménia. Na UE não reina de todo a democracia. Pelo contrário!                    José B Dias: O que se passou e passa na Roménia é o exacto oposto de democracia, liberdade e respeito pelas decisões do eleitorado ... mas esta UE opta por fazer de conta que não se passa nada enquanto apoia na sombra!          Américo Silva: Notável a preocupação dos democratas europeus com Zelensky, não se preocupando com o que pensam os ucranianos, se querem a paz ou a guerra, o UK até quer mandar soldados para os impedir de tomar qualquer decisão errada; alguém ouviu falar de Gonzalo Lira?              joaquim Pocinho: Artigo escrito antes da sessão pornográfica de ontem na Casa Branca? Espero bem que sim…                Luís Martins: A prioridade da Europa é neste momento a segurança, nesta altura do campeonato acho que o wokismo e a censura "iliberal" podem esperar um pouco. E uma palavrinha sobre o episódio confrangedor de ontem? O que é que aquele Vance tem naquela cabecinha? Vem à Europa criticar a nossa Democracia e ontem humilhou como se estivesse no café para todos verem um Chefe de Estado que foi invadido por um assassino ex-KGB (parto do princípio que já todos leram o livro do Litvinenko que foi envenenado com Polónio radioactivo e muitos outros mais episódios)!!! Há muita coisa mal com a Democracia mas isso não quer dizer que a administração Trump seja desresponsabilizada por toda a borrada que anda a fazer. E a NATO? Os EUA têm legitimidade de fazer o que querem, mas chegarem a este ponto de estarem mais próximos da Rússia do que da Europa?                      Pedro Álvares de Carvalho: Já agora, com a sua habitual sapiência, gostaria que o articulista identificasse 'as políticas necessárias', a que faz referência en passant, para obviar ao crescimento de partidos como a AFd. Porque, acredito, mesmo que soubesse quais são, não as partilharia, certamente. E, aproveitando o ensejo, convido o articulista a averiguar melhor a 'estória' que conta relativa à decisão do T.C. romeno. Ele sabe bem que não foi uma decisão 'porque lhes apeteceu'. Há documentos oficiais que sustentam a decisão tomada. Não tem nada a ver com 'deep state' e outras 'estórias da carochinha' que a alt-right tanto aprecia e que permite aos seus cultistas viverem numa alter-realidade.                       Paul C. Rosado: "Democracia" é só quando não ganham aqueles de quem não gostamos nada.

Nenhum comentário: