sexta-feira, 14 de março de 2025

Ele dará respaldo


Mais uma história da carochinha do nosso alarido nacional, malandro e tosco. Mas temos sorte: o osso, vulgo, Orçamento do Estado, já cá canta. Tudo feito, pois, em tempo próprio, adiante: “o Presidente, dará respaldo à continuidade dos projectos para que não sejam desperdiçados fundos comunitários”, «Bailemos nós já todas três, ai amigas, sô aquestas avelaneiras floridas… “

 Descartar culpas, risco do Chega e o Governo que pode mudar de cor. O discurso de dissolução de Marcelo nas entrelinhas

Presidente pediu elevação na campanha que não afecte posse de novo Governo, garantiu que não queria eleições, criticou de forma subliminar oposição e Governo e alertou para riscos maiores no futuro.

OBSERVADOR, 13 mar. 2025, 22:113

Discurso do Presidente da República

a comunicar ao País a dissolução da Assembleia da República

Anotações

RUI PEDRO ANTUNES

Disse-vos em final de 2024, na mensagem de Ano Novo e, há quinze dias, aquando da visita do Presidente Francês: O Mundo mudou imenso nos últimos meses e tudo indica que irá mudar mais. É um virar de página rápido e profundo. Os EUA parecem distanciar-se de aliados europeus. A Federação Russa pode, desse modo, aumentar o seu papel internacional. A UE tem de se unir ainda mais, recuperar na economia, melhorar na defesa, sem perder o apoio social dos europeus, e evitar ficar descartável ou enfraquecida entre americanos e russos. A pensar na Ucrânia, em que se espera que a trégua seja uma oportunidade e não uma ilusão, mas também na segurança de todo o Continente. Em tempos assim, a economia mundial fica imprevisível e isso poderá cair sobre países mais sensíveis às mudanças internacionais.”

O Presidente da República fez uma introdução a alertar para o difícil contexto internacional para concluir que a situação desaconselha instabilidade política. Numa análise sucinta, Marcelo Rebelo de Sousa não deixou de fazer um parêntese de que o investimento em Defesa deve ser feito sem perder o apoio social dos europeus. Esta tem sido uma insistência daqueles que criticam o almirante Henrique Gouveia e Melo por — na primeira intervenção pública após sair da Armada — ter admitido afectação de despesas sociais para suportar um novo esforço de armamento.

“Portugal soube, nos últimos anos, equilibrar as contas do Estado, reduzir a dívida externa, crescer na economia, reduzir o desemprego, atrair grandes projectos, como o novo da Autoeuropa, subir nas classificações das agências financeiras. Isto, apesar de continuar com questões que a todos preocupam – não desperdiçar fundos que vêm lá de fora e são únicos, gerir melhor a Saúde e a Educação, acelerar na Habitação. Tudo a aconselhar a estabilidade, ou seja, não haver crises nem sobressaltos que atrasem o que é urgente fazer e fazer bem.”

Marcelo Rebelo de Sousa faz uma declaração que também serve para acalmar os mercados, ao lembrar que o país tem uma boa saúde financeira. Para que não soe apenas a um elogio ao Governo de Montenegro (com quem até coincide na exaltação do novo projeto da Autoeuropa), o chefe de Estado faz questão de dizer que isso foi feito “nos últimos anos” e não no “último ano”. Voltou a reforçar que estabilidade precisa-se.

Inesperadamente, num mês – entre fevereiro e março – surgiu uma crise aparentemente só política, como tantas outras. Tínhamos superado a sucessão de Governos, há um ano. Tínhamos aprovado o Orçamento do Estado há quatro meses. Íamos e vamos ter eleições locais daqui a seis meses e presidenciais quatro meses depois. Tudo começou com questões levantadas quanto ao Governo e, a seguir, ao Primeiro-Ministro. Questões sobre actividades passadas e seus efeitos no presente.”

Há um esforço presidencial para dar uma no cravo e outra na ferradura. Por um lado, reduz a crise a “aparentemente só política”, o que significa que não valida o juízo ético feito pela oposição. Por outro lado, começa aqui a criticar aqueles que desbarataram a estabilidade que aprovação do Orçamento parecia ter dado ao país e que lhe garantia, em condições normais, que o actual Governo sobrevivesse até março de 2026.

Em cerca de um mês, o debate ocorreu na comunicação social e na Assembleia da República, envolvendo duas moções de censura, votadas e rejeitadas, e uma moção de confiança, votada e também rejeitada. Esta última rejeição, nos termos da nossa Constituição, implicou, de imediato, a demissão do Governo. Porque é que o Governo, por um lado, anunciou e apresentou a moção de confiança, e, por outro lado, as oposições, salvo um partido, rejeitaram essa moção, provocando a demissão do Governo? O tema central respeitou à confiança que o primeiro-ministro e, portanto, o Governo, mereceriam para continuar a governar Portugal. Do lado do Governo, foi afirmado que o primeiro-ministro, na sua actividade patrimonial passada e presente, havia agido sempre no respeito da lei, da legitimidade política e da ética ou moralidade, ou seja, da transparência e da não confusão entre política e interesses económicos. Do lado das oposições, foi contraposto que tinha havido ou podia ter havido desrespeito da lei, da legitimidade política e da ética ou moralidade, ou seja, confusão entre política e interesses económicos. O Governo entendeu que, depois dos esclarecimentos dados, o prolongamento no tempo deste choque de juízos tornaria impossível continuar a governar. E, portanto, se impunha que a Assembleia da República exprimisse a sua confiança, e, não sendo esse o caso, o Povo, em eleições, resolvesse um conflito sem acordo à vista.”

Horas antes da declaração ao País, Marcelo Rebelo de Sousa já tinha confessado no Conselho de Estado que era contra o facto de o Governo ter apresentado uma moção de confiança. Disse mais: que o comunicou ao primeiro-ministro antes dela ser formalizada. O Presidente da República começa, neste caso, a descartar responsabilidades no desfecho da crise, explicando que do ponto de vista constitucional a demissão do Governo (ao contrário da dissolução da AR) é automática. Logo, isso ele, Marcelo, não poderia impedir. Além disso, coloca completamente o ónus deste desfecho no Executivo de Luís Montenegro ao destacar que foi o Governo que “entendeu” que era impossível continuar a governar.

Este choque, não apenas legal, nem político, mas sobretudo de juízo ético ou moral sobre uma pessoa e sua confiabilidade, o primeiro-ministro, suscitou uma questão nova, é que todos os esforços de entendimento, mesmo mínimo, se revelaram impossíveis. Porquê? Porque, para uns, com os factos invocados e os esclarecimentos dados, a confiança ética ou moral era óbvia. Porque, para outros, com os mesmos factos invocados e os esclarecimentos dados, a desconfiança moral ou política é que era óbvia. E, entre as duas posições, o acordo não era possível. Não se pode, ao mesmo tempo, confiar e desconfiar ética ou moralmente de uma pessoa, neste caso do primeiro-ministro, e, portanto, do Governo. Não havia meio caminho.”

Marcelo — que tem sido acusado de se ter demitido do seu papel de moderador desta crise — sugere que não podia fazer mais nada. Isto porque, como o confronto não era político, não podia ser consensualizado. Ou seja: nunca iria conseguir convencer a oposição de que o que o primeiro-ministro fez é eticamente aceitável, porque isso parte de um juízo subjectivo que, quando o Presidente chegou à liça, já estava feito pelos partidos da oposição.

Este panorama aparecia, nestes termos, pela primeira vez, na nossa Democracia. Um choque que não tanto sobre políticas quanto sobre a confiabilidade, ou seja, a ética da pessoa exercendo a função de Primeiro-Ministro. Os partidos, ouvidos após a demissão do Governo, pronunciaram-se, por unanimidade, pela dissolução da Assembleia da República e a convocação de eleições legislativas. Embora, todos, como caminho que não desejavam, mas imposto pela realidade. O mesmo foi o parecer unânime do Conselho de Estado. Não desejando, mas tendo de aceitar a saída determinada pela realidade. Ao Presidente da República, o primeiro interessado na estabilidade e na dispensa de novas eleições, e que tudo fez ao seu alcance para o salvaguardar, não restava senão anunciar a dissolução da Assembleia da República e a convocação de eleições para o dia 18 de maio de 2025, a data preferida pela maioria dos partidos.”

O Presidente continua a justificar que não é ele que tem um fetiche por provocar eleições, mas que não tinha outra opção. Mesmo que achasse (e não chega a dizer que acha) que outra solução era possível, lembra que tanto partidos como Conselho de Estado foram unânimes a pedir eleições. Ao mesmo tempo, tenta contrariar a ideia de que é o grande “dissolvente”, ao auto-intitular-se do “primeiro interessado” em que houvesse estabilidade e não eleições. Alimenta a tese de que o seu desejo era estar de pantufas à espera que a grande decisão de uma eventual dissolução fosse já do próximo Presidente.

Perante esta terceira eleição para a Assembleia da República em quatro anos, – que eu diria, que muito provavelmente, ninguém esperava e, sobretudo, que ninguém queria –, começam, agora, a correr dois meses de debate eleitoral. É inevitável que o tema da crise ocupe parte desse debate, em particular nas primeiras semanas. Debate que pode e deve pesar, e pesar bem, os sinais e os riscos para a Democracia, de situações de confronto em que não é possível haver consensos, nem que parcial seja, porque se trata de conduzir a becos, de natureza pessoal e ética, que não têm saída, que não sejam as eleições.”

O Presidente da República aconselha os partidos, neste caso o PS e o PSD, a não levarem a campanha eleitoral para um ponto em que os ataques e a crispação é tanta que impossibilite que o perdedor viabilize o vencedor após as eleições de 18 de maio. Marcelo Rebelo de Sousa teme que o PSD diga ‘viabilizaremos o PS, mas não Pedro Nuno’ ou que o PS diga ‘viabilizaremos o PSD, mas não Montenegro’. Isso, adverte, levaria a novas eleições. Aos tais “becos”. O receio parece, no entanto, estar quase ultrapassado já que PS e PSD admitem vir a garantir condições de governabilidade ao partido que vencer.

Tudo isto ocorre com um Orçamento viabilizado pelos principais partidos, e que está em plena execução, com estabilidade económica e crédito internacional e com condições que o Presidente da República garante para que se não pare a execução do PRR, mesmo com Governo de gestão, sem atropelo, claro, das regras eleitorais. Qual o objectivo? Permitir uma transição, se possível, tão pacífica como a vivida em 2024. Só que agora em dois meses e meio e não em cinco, como então.”

Marcelo Rebelo de Sousa começa por dizer que ele próprio, como Presidente, dará respaldo à continuidade dos projectos para que não sejam desperdiçados fundos comunitários, embora com atenção às limitações impostas pela lei eleitoral. Outro pormenor é que o Presidente da República admite que Pedro Nuno Santos possa vir ser o próximo primeiro-ministro, uma vez que pede uma transição tão pacífica como a de 2024, momento em que o Governo mudou de cor política (no caso, do PS para o PSD).

Impõe-se que haja um debate eleitoral claro, frontal, esclarecedor, mas sereno, digno, elevado, tolerante, respeitador da diferença e do pluralismo. Que fortaleça, não enfraqueça a Democracia. Não abra, ainda mais, a porta a experiências que se sabe como começam e se sabe como acabam. É o apelo para todos – e creio – de todos os Portugueses. Um debate que dê força a quem nos vier a representar na Assembleia da República, que dê força a quem nos vier a governar, que dê força aos Portugueses para controlarem os seus representantes e os seus governantes, que dê força à Democracia e, com ela, e a sua capacidade de enfrentar e superar crises, que só a Democracia tem, não a Ditadura, que dê força a Portugal.”

O Presidente da República deixa o alerta contra os perigos de forças políticas populistas e/ou extremistas como o Chega poderem vir a governar Portugal. Sem nunca dizer o nome do Chega, Marcelo Rebelo de Sousa apela (sem especificar, embora se dirija aos partidos moderados), que não degradem o debate político ao ponto de que partidos anti-sistema, como o Chega de André Ventura, venham a liderar o país. Isso poderia levar a uma rampa deslizante para o que, com eufemismo, chama de “experiências que se sabe como começam e se sabe como acabam”.

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COMENTÁRIOS:
GateKeeper: Lixo.

José B Dias: Imagino que o PR se estivesse mesmo a referir ao PAN ... 

José Nicolau: Se nem o discurso interessa quanto menos as entrelinhas.

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