Mais uma história da carochinha do nosso
alarido nacional, malandro e tosco. Mas temos sorte: o osso, vulgo, Orçamento
do Estado, já cá canta. Tudo feito, pois, em tempo próprio, adiante: “o Presidente, dará respaldo à continuidade
dos projectos para que não sejam desperdiçados fundos comunitários”, «Bailemos
nós já todas três, ai amigas, sô aquestas avelaneiras floridas… “
Descartar culpas, risco do Chega e o Governo que pode mudar de cor. O discurso de dissolução de Marcelo nas entrelinhas
Presidente pediu elevação na campanha
que não afecte posse de novo Governo, garantiu que não queria eleições,
criticou de forma subliminar oposição e Governo e alertou para riscos maiores
no futuro.
OBSERVADOR, 13 mar. 2025, 22:113
Discurso do Presidente da República
a comunicar ao País a dissolução da
Assembleia da República
Anotações
Disse-vos em final de 2024, na mensagem
de Ano Novo e, há quinze dias, aquando da visita do Presidente Francês: O Mundo
mudou imenso nos últimos meses e tudo indica que irá mudar mais. É um virar de
página rápido e profundo. Os EUA parecem distanciar-se de aliados europeus. A
Federação Russa pode, desse modo, aumentar o seu papel internacional. A UE
tem de se unir ainda mais, recuperar na economia, melhorar na defesa, sem
perder o apoio social dos europeus, e evitar ficar descartável ou enfraquecida entre americanos e russos. A
pensar na Ucrânia, em que se espera que a trégua seja uma oportunidade e não
uma ilusão, mas também na segurança de todo o Continente. Em tempos assim, a
economia mundial fica imprevisível e isso poderá cair sobre países mais
sensíveis às mudanças internacionais.”
O Presidente da República fez uma
introdução a alertar para o difícil contexto internacional para concluir que a situação desaconselha instabilidade
política. Numa análise sucinta, Marcelo Rebelo de Sousa não
deixou de fazer um parêntese de que o investimento em Defesa deve ser feito sem
perder o apoio social dos europeus. Esta
tem sido uma insistência daqueles que criticam o almirante Henrique Gouveia e
Melo por — na primeira intervenção pública após sair da Armada — ter admitido
afectação de despesas sociais para suportar um novo esforço de armamento.
“Portugal soube, nos últimos anos,
equilibrar as contas do Estado, reduzir a dívida externa, crescer na economia,
reduzir o desemprego, atrair grandes projectos, como o novo da Autoeuropa,
subir nas classificações das agências financeiras. Isto, apesar de continuar
com questões que a todos preocupam – não desperdiçar fundos que vêm lá de
fora e são únicos, gerir melhor a Saúde e a Educação, acelerar na Habitação. Tudo a aconselhar a estabilidade, ou
seja, não haver crises nem sobressaltos que atrasem o que é urgente fazer e
fazer bem.”
Marcelo Rebelo de Sousa faz uma
declaração que também serve para acalmar os mercados, ao lembrar que o país tem
uma boa saúde financeira. Para que não
soe apenas a um elogio ao Governo de Montenegro (com quem até coincide na
exaltação do novo projeto da Autoeuropa), o chefe de Estado faz questão de
dizer que isso foi feito “nos últimos anos” e não no “último ano”. Voltou a
reforçar que estabilidade precisa-se.
Inesperadamente, num mês – entre
fevereiro e março – surgiu uma crise aparentemente só política, como tantas
outras. Tínhamos superado a sucessão de Governos, há um ano. Tínhamos aprovado
o Orçamento do Estado há quatro meses. Íamos e vamos ter eleições locais daqui
a seis meses e presidenciais quatro meses depois. Tudo começou com questões
levantadas quanto ao Governo e, a seguir, ao Primeiro-Ministro. Questões sobre
actividades passadas e seus efeitos no presente.”
Há um esforço presidencial para dar
uma no cravo e outra na ferradura. Por
um lado, reduz a crise a “aparentemente só política”, o que significa que não
valida o juízo ético feito pela oposição. Por outro lado, começa aqui a
criticar aqueles que desbarataram a estabilidade que aprovação do Orçamento
parecia ter dado ao país e que lhe garantia, em condições normais, que o actual
Governo sobrevivesse até março de 2026.
Em cerca de um mês, o debate ocorreu na
comunicação social e na Assembleia da República, envolvendo
duas moções de censura, votadas e rejeitadas, e uma moção de confiança, votada
e também rejeitada. Esta última rejeição,
nos termos da nossa Constituição, implicou, de imediato, a demissão do Governo. Porque é
que o Governo, por um lado, anunciou e apresentou a moção de
confiança, e, por outro lado, as oposições, salvo um partido, rejeitaram essa
moção, provocando a demissão do Governo? O tema central respeitou à confiança
que o primeiro-ministro e, portanto, o Governo, mereceriam para continuar a
governar Portugal. Do lado do Governo, foi
afirmado que o primeiro-ministro, na sua actividade patrimonial passada e
presente, havia agido sempre no respeito da lei, da legitimidade política e da
ética ou moralidade, ou seja, da transparência e da não confusão entre política
e interesses económicos. Do lado das oposições, foi contraposto que tinha havido ou podia
ter havido desrespeito da lei, da legitimidade política e da ética ou
moralidade, ou seja, confusão entre política e interesses económicos. O
Governo entendeu que, depois dos esclarecimentos dados, o prolongamento no
tempo deste choque de juízos tornaria impossível continuar a governar. E,
portanto, se impunha que a Assembleia da República exprimisse a sua confiança,
e, não sendo esse o caso, o Povo, em eleições, resolvesse um conflito sem
acordo à vista.”
Horas
antes da declaração ao País, Marcelo Rebelo de Sousa já tinha confessado no
Conselho de Estado que era contra o facto de o Governo ter apresentado uma
moção de confiança. Disse mais:
que o comunicou ao primeiro-ministro antes dela ser formalizada. O
Presidente da República começa, neste caso, a descartar responsabilidades no
desfecho da crise, explicando que do ponto de vista constitucional a demissão
do Governo (ao contrário da dissolução da AR) é automática. Logo, isso ele, Marcelo, não poderia
impedir. Além disso, coloca
completamente o ónus deste desfecho no Executivo de Luís Montenegro ao destacar que foi o Governo que “entendeu” que era
impossível continuar a governar.
Este choque, não apenas legal, nem
político, mas sobretudo de juízo ético ou moral sobre uma pessoa e sua
confiabilidade, o primeiro-ministro, suscitou uma questão nova, é que todos
os esforços de entendimento, mesmo mínimo, se revelaram impossíveis. Porquê?
Porque, para uns, com os factos invocados e os esclarecimentos dados, a confiança
ética ou moral era óbvia. Porque, para outros, com os mesmos factos invocados
e os esclarecimentos dados, a
desconfiança moral ou política é que era óbvia. E, entre as duas posições, o acordo não
era possível. Não se pode, ao mesmo tempo, confiar e desconfiar ética ou
moralmente de uma pessoa, neste caso do primeiro-ministro, e, portanto, do
Governo. Não havia meio caminho.”
Marcelo — que tem sido acusado de se ter
demitido do seu papel de moderador desta crise — sugere que não podia fazer mais nada. Isto porque, como o confronto
não era político, não podia ser consensualizado. Ou seja: nunca iria conseguir convencer a oposição de que o que o
primeiro-ministro fez é eticamente aceitável, porque isso parte de um juízo
subjectivo que, quando o Presidente chegou à liça, já estava feito pelos
partidos da oposição.
Este panorama aparecia, nestes termos,
pela primeira vez, na nossa Democracia. Um choque que não tanto sobre políticas
quanto sobre a confiabilidade, ou seja, a ética da pessoa exercendo a função de
Primeiro-Ministro. Os partidos, ouvidos após a demissão do Governo, pronunciaram-se,
por unanimidade, pela dissolução da Assembleia da República e a
convocação de eleições legislativas. Embora, todos, como caminho que não
desejavam, mas imposto pela realidade. O mesmo foi o parecer unânime do
Conselho de Estado. Não desejando, mas tendo de aceitar a saída determinada
pela realidade. Ao Presidente da República, o primeiro interessado na
estabilidade e na dispensa de novas eleições, e que tudo fez ao seu alcance
para o salvaguardar, não restava senão anunciar a dissolução da Assembleia
da República e a convocação de eleições para o dia 18 de maio de
2025, a data preferida pela maioria dos partidos.”
O Presidente continua a justificar que
não é ele que tem um fetiche por provocar eleições, mas que não tinha outra
opção. Mesmo que achasse (e não chega a dizer que acha) que outra
solução era possível, lembra que tanto partidos como Conselho de Estado foram
unânimes a pedir eleições. Ao mesmo tempo, tenta contrariar a ideia de que é o
grande “dissolvente”, ao auto-intitular-se do “primeiro interessado” em que
houvesse estabilidade e não eleições. Alimenta a tese de que o seu desejo era estar de pantufas à
espera que a grande decisão de uma eventual dissolução fosse já do próximo
Presidente.
Perante esta terceira eleição para a
Assembleia da República em quatro anos, – que eu diria, que muito
provavelmente, ninguém esperava e, sobretudo, que ninguém queria –, começam,
agora, a correr dois meses de debate eleitoral. É inevitável que o tema da
crise ocupe parte desse debate, em particular nas primeiras semanas. Debate
que pode e deve pesar, e pesar bem, os sinais e os riscos para a Democracia, de
situações de confronto em que não é possível haver consensos, nem que parcial
seja, porque se trata de conduzir a becos, de natureza pessoal e ética, que não
têm saída, que não sejam as eleições.”
O
Presidente da República aconselha os partidos, neste caso o PS e o PSD, a não
levarem a campanha eleitoral para um ponto em que os ataques e a crispação é
tanta que impossibilite que o perdedor viabilize o vencedor após as eleições de
18 de maio. Marcelo Rebelo de Sousa teme que o PSD diga ‘viabilizaremos o PS,
mas não Pedro Nuno’ ou que o PS diga ‘viabilizaremos o PSD, mas não
Montenegro’. Isso, adverte, levaria a novas eleições. Aos tais “becos”.
O receio parece, no entanto, estar quase ultrapassado já que PS e PSD admitem
vir a garantir condições de governabilidade ao partido que vencer.
Tudo isto ocorre com um Orçamento
viabilizado pelos principais partidos, e que está em plena execução, com
estabilidade económica e crédito internacional e com condições que o Presidente
da República garante para que se não pare a execução do PRR, mesmo com Governo
de gestão, sem atropelo, claro, das regras eleitorais. Qual o objectivo? Permitir uma transição, se
possível, tão pacífica como a vivida em 2024. Só que agora em dois meses e meio
e não em cinco, como então.”
Marcelo Rebelo de Sousa começa por dizer
que ele próprio, como Presidente, dará respaldo à continuidade dos projectos
para que não sejam desperdiçados fundos comunitários, embora com atenção às
limitações impostas pela lei eleitoral. Outro pormenor é que o Presidente da
República admite que Pedro Nuno Santos possa vir ser o próximo
primeiro-ministro, uma vez que pede uma transição tão pacífica como a de 2024,
momento em que o Governo mudou de cor política (no caso, do PS para o PSD).
Impõe-se que haja um debate eleitoral
claro, frontal, esclarecedor, mas sereno, digno, elevado, tolerante,
respeitador da diferença e do pluralismo. Que fortaleça, não enfraqueça a
Democracia. Não abra, ainda mais, a porta a experiências que se sabe como
começam e se sabe como acabam. É o apelo para todos – e creio – de todos
os Portugueses. Um debate que dê força a quem nos vier a representar na
Assembleia da República, que dê força a quem nos vier a governar, que dê força
aos Portugueses para controlarem os seus representantes e os seus governantes,
que dê força à Democracia e, com ela, e a sua capacidade de enfrentar e superar
crises, que só a Democracia tem, não a Ditadura, que dê força a Portugal.”
O
Presidente da República deixa o alerta contra os perigos de forças políticas
populistas e/ou extremistas como o Chega poderem vir a governar Portugal. Sem
nunca dizer o nome do Chega, Marcelo Rebelo de Sousa apela (sem especificar,
embora se dirija aos partidos moderados), que não degradem o debate político ao
ponto de que partidos anti-sistema, como o Chega de André Ventura, venham a
liderar o país. Isso poderia levar a uma rampa deslizante para o que, com
eufemismo, chama de “experiências que se sabe como começam e se sabe como
acabam”.
PRESIDÊNCIA
DA REPÚBLICA POLÍTICA PRESIDENTE
MARCELO CRISE
POLÍTICA
COMENTÁRIOS:
GateKeeper: Lixo.
José B Dias: Imagino que o PR se estivesse mesmo a referir ao PAN ...
José Nicolau: Se
nem o discurso interessa quanto menos as entrelinhas.
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