domingo, 2 de março de 2025

Ventres cheios


De uma tal prosápia que merece a designação “complexo de Deus”, o que é, naturalmente, uma heresia, como atribuição humana de um poder absoluto, que só julgamos possível em Deus, ou nas divindades mitológicas da intuição humana – mas de que seres como esses trumps, putins e outros que tais, irrisoriamente imodestos, se julgam detentores.

Um texto do Dr. Salles posto como comentário aos comentários dos seus comentadores do seu texto anterior, aqui colocado – como “Indignação generalizada”, de 28/2 (“NEO-CATILINA I”) e que entendi destacar, como mais uma lição necessária - hoje mais do que nunca - que talvez sejamos uma sociedade mais desenvolta intelectualmente do que a de ontem, embora sem a certeza disso, complexadamente o afirmo. Mas já os reis absolutistas se pretendiam da mesma cepa divina, a questão é sabida, Deus nos valha, e sobretudo às vítimas desses trumps e C.ia saloia.

 

Henrique Salles da Fonseca 28.02.2025 14:27:

“COMPLEXO DE DEUS”: A ILUSÃO DA OMNIPOTÊNCIA E A DECADÊNCIA DA SOCIEDADE MODERNA

A sociedade contemporânea vive sob a ilusão de que o ser humano pode tudo e da crença no progresso. Essa crença na omnipotência, que o psicanalista Horst-Eberhard Richter chamou de "Complexo de Deus", não é apenas uma perturbação psicossocial, mas um factor central da decadência moral e cultural que vivemos hoje. No seu livro “Complexo de Deus”, Richter descreve a civilização ocidental moderna como marcada por uma reivindicação de uma omnipotência egocêntrica e quase divina, que ignora os limites da condição humana. Essa ilusão de grandeza, no entanto, é uma fuga frágil diante das crises que nos assolam. Donald Trump expressa de maneira extrema o narcisismo que se tem mantido encoberto nas nossas elites políticas...

Os sentimentos de impotência, baixa autoestima ou problemas não resolvidos da infância podem resultar na superestimação das próprias capacidades, criando assim a distorção psicológica do chamado "complexo de Deus". Este fenómeno leva ao dogmatismo das opiniões e à ilusão de infalibilidade, como se a próprio ponto de vista fosse o único correcto. Essa postura impede o desenvolvimento do autoconhecimento e da autocompreensão. Uma convivência equilibrada com os outros promove uma avaliação realista de nossas capacidades e limites, em contraste com uma identidade baseada em projecções idealizadas de si mesmo...
Em tempos de guerra, esse complexo intensifica-se, fomentando uma mentalidade maniqueísta e dicotómica, em que tudo é reduzido à alternativa "bem" ou "mal"...

Esse mesmo complexo também se manifesta nas relações interpessoais. Manter distância emocional de pessoas que sofrem dessa ilusão de grandeza é essencial para evitar ser arrastado para a mesma inquestionabilidade que pode criar-se em ambientes tóxicos...
A ideia do "
super-homem" de Nietzsche, embora fascinante, é unilateral e conduz ao sofrimento, pois desconsidera a dimensão humana da existência. Bento XVI, ao alertar sobre esse perigo, afirmou: "Onde a acção humana já não corresponde à existência humana, a verdade transforma-se em mentira"...

No passado, a sociedade contava com intelectuais que forneciam orientação e autoridade moral, muitas vezes em oposição aos governantes. Durante séculos, a Igreja desempenhou esse papel...
O extremismo narcísico apoiado pelo grande capital leva as grandes potências a lutar pela hegemonia e dificulta uma política de bem comum. Assim o que restará para o povo é o que fica dos militares e da luta das corporações económicas entre si...

O desafio é substituir a ilusão de grandeza pela humildade de reconhecer os nossos limites e agir em harmonia com os outros. A resposta à crise não está na subordinação de todas as acções à economia, como defende Trump, mas no resgate de uma cultura baseada no "nós", que valorize a compaixão, a reflexão crítica e o respeito pela condição humana (“amor ao próximo”).

 

Nenhum comentário: