De uma tal prosápia que merece a
designação “complexo de Deus”, o que
é, naturalmente, uma heresia, como atribuição humana de um poder absoluto, que
só julgamos possível em Deus, ou nas divindades mitológicas da intuição humana
– mas de que seres como esses trumps, putins e outros que tais, irrisoriamente
imodestos, se julgam detentores.
Um texto do Dr. Salles posto como
comentário aos comentários dos seus comentadores do seu texto anterior, aqui colocado
– como “Indignação generalizada”, de
28/2 (“NEO-CATILINA I”) e que entendi destacar, como mais uma lição
necessária - hoje mais do que nunca - que talvez sejamos uma
sociedade mais desenvolta intelectualmente do que a de ontem, embora sem a
certeza disso, complexadamente o afirmo. Mas já os reis absolutistas se
pretendiam da mesma cepa divina, a questão é sabida, Deus nos valha, e
sobretudo às vítimas desses trumps e C.ia saloia.
Henrique Salles da Fonseca
28.02.2025 14:27:
“COMPLEXO DE DEUS”: A ILUSÃO DA
OMNIPOTÊNCIA E A DECADÊNCIA DA SOCIEDADE MODERNA
A sociedade contemporânea vive
sob a ilusão de que o ser humano pode tudo e da crença no progresso. Essa
crença na omnipotência, que o psicanalista Horst-Eberhard Richter chamou de
"Complexo de Deus", não é apenas uma perturbação psicossocial, mas um factor central
da decadência moral e cultural que vivemos hoje. No seu livro
“Complexo de Deus”, Richter descreve a
civilização ocidental moderna como marcada por uma reivindicação de uma omnipotência
egocêntrica e quase divina, que ignora os limites da condição humana. Essa
ilusão de grandeza, no entanto, é uma fuga frágil diante das crises que nos assolam. Donald
Trump expressa de maneira extrema o narcisismo que se tem mantido encoberto nas
nossas elites políticas...
Os sentimentos de impotência,
baixa autoestima ou problemas não resolvidos da infância podem resultar na
superestimação das próprias capacidades, criando assim a distorção psicológica
do chamado "complexo de Deus". Este
fenómeno leva ao dogmatismo das opiniões e à ilusão de infalibilidade, como se
a próprio ponto de vista fosse o único correcto. Essa postura impede o
desenvolvimento do autoconhecimento e da autocompreensão. Uma convivência
equilibrada com os outros promove uma avaliação realista de nossas capacidades
e limites, em contraste com uma identidade baseada em projecções idealizadas de
si mesmo...
Em tempos de guerra, esse complexo intensifica-se, fomentando uma mentalidade
maniqueísta e dicotómica, em que tudo é reduzido à alternativa "bem"
ou "mal"...
Esse mesmo complexo também se
manifesta nas relações interpessoais. Manter distância emocional de
pessoas que sofrem dessa ilusão de grandeza é essencial para evitar ser
arrastado para a mesma inquestionabilidade que pode criar-se em ambientes
tóxicos...
A ideia do "super-homem" de Nietzsche, embora
fascinante, é unilateral e conduz ao sofrimento, pois desconsidera a
dimensão humana da existência. Bento XVI, ao alertar sobre esse perigo,
afirmou: "Onde a acção humana já não corresponde à existência humana, a
verdade transforma-se em mentira"...
No passado, a sociedade contava
com intelectuais que forneciam orientação e autoridade moral, muitas vezes em
oposição aos governantes. Durante séculos, a Igreja desempenhou esse papel...
O extremismo narcísico apoiado pelo grande capital leva as
grandes potências a lutar pela hegemonia e dificulta uma política de bem comum.
Assim o que restará para o povo é o que fica dos militares e da luta das
corporações económicas entre si...
O desafio é substituir a ilusão de grandeza pela humildade de
reconhecer os nossos limites e agir em harmonia com os outros. A resposta à
crise não está na subordinação de todas as acções à economia, como defende
Trump, mas no resgate de uma cultura baseada no "nós", que valorize a
compaixão, a reflexão crítica e o respeito pela condição humana
(“amor ao próximo”).
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