Para os desmandos, no pretensiosismo devoto de uma igualdade inexistente entre os humanos – e não só, é claro, pois que isso de igualdade na questão da democracia é pura farsa, todos o sabemos. MAFALDA PRATAS faz uma justa resenha de mais um caso que com surpresa – ou sem ela, afinal, num país de brincalhões, que ao que parece perdeu definitivamente a sensatez – tanto no que toca aos da governação como aos que pretendem substituí-los nela, em roda-viva atestadora de uma arrogância eficaz nesses desmandos contínuos, não há que duvidar, em desesperança definitivamente assente.
A mediocridade corrói
Personagens como Montenegro parecem
desenhados para alimentar os partidos anti-sistema. Se o Chega não crescer
nestas eleições será porque, para lá do líder carismático, o Chega tem quadros
medíocres.
MAFALDA PRATAS
Investigadora universitária. Doutorada em Ciência Política pela Universidade de
Harvard (EUA)
OBSERVADOR, 07
mar. 2025, 00:2043
“O advento da democracia
gerou, repetida e inevitavelmente, desencanto. A democracia é
compatível com a desigualdade, a irracionalidade, a injustiça, uma aplicação
particularista das leis, a mentira e a ofuscação, um estilo de política
tecnocrática e até com uma boa dose de violência arbitrária. A vida quotidiana da política democrática
não é um espectáculo que inspire admiração: uma disputa interminável entre
ambições mesquinhas, retórica concebida para esconder e enganar, ligações
obscuras entre o poder e o dinheiro, leis que não têm qualquer pretensão de
justiça, políticas que reforçam os privilégios.”
Esta semana, ao assistir ao desenrolar da situação política portuguesa,
lembrei-me várias vezes destas palavras de Adam Przeworski no seu
livro Democracy and the Limits of
Self-Government. Ninguém disse que o funcionamento da democracia é
bonito. Apesar das esperanças e idealismos tantas vezes depositados sobre ela,
e apesar de ser uma ideia e uma instituição preferível às alternativas, a democracia é perfeitamente compatível com
todas as falhas indicadas acima – e tantas outras, como a instabilidade. A
democracia é perfeitamente compatível com a mediocridade e, pior ainda, com a
sucessão de mediocridades. Infelizmente,
é a isso que assistimos em Portugal: uma sucessão de mediocridades, sem fim à
vista.
Esta
crise política tem, evidentemente, dois responsáveis: Marcelo e Montenegro. Começo
pelo menos óbvio, Marcelo Rebelo de Sousa. Desde o seu primeiro mandato, o
Presidente Marcelo inventou a doutrina de que todos
os chumbos do Orçamento do Estado, todas as substituições de um
primeiro-ministro e todas as quedas de governos devem necessariamente conduzir
a dissoluções da Assembleia da República e à realização de novas eleições.
Esta doutrina não é uma necessidade constitucional e parece-me que foi
estabelecida por Marcelo Rebelo de Sousa por motivos de estratégia política.
Afinal de contas, o
Presidente da República não é, como tantas vezes erroneamente repetido, um
árbitro do nosso sistema político nem uma espécie de juiz imparcial. Pelo contrário, o Presidente da
República é um actor político, com preferências políticas e ideológicas próprias, que pode intervir
na vida política nacional de inúmeras formas para ajudar a concretizar essas
preferências.
Marcelo
Rebelo de Sousa é um político
de centro-direita, antigo líder e militante do PSD, que se deparou com um
primeiro-ministro e governos sucessivos da área política oposta durante os
primeiros oitos anos de mandato. Naturalmente,
o político Marcelo Rebelo de Sousa preferiria ajudar a sua área política a
chegar a São Bento. Assim, fez saber que os governos minoritários de António
Costa (quer o da chamada geringonça, quer o iniciado em 2019), com
apoio parlamentar à esquerda, teriam de
aprovar com sucesso um Orçamento do Estado ou a AR seria dissolvida. Pelo mesmo motivo, anunciou na tomada de
posse do último governo de António Costa, apoiado numa maioria absoluta, que,
caso Costa saísse para o Conselho Europeu, não deixaria que o partido
construísse um novo governo com base na mesma maioria e dissolveria mais uma
vez a AR. As circunstâncias da saída de António Costa acabaram por ser outras, mas
a doutrina estava lá.
À boleia desta doutrina, Marcelo Rebelo de Sousa não teve
agora qualquer espaço de manobra e seguiremos para as quartas
eleições legislativas num período inferior a cinco anos. Dada a
proliferação do número de partidos com representação parlamentar e a
fragmentação do espaço político – e o expectável aumento de governos
minoritários e de coligações instáveis – esta
doutrina acaba por reforçar e promover mais instabilidade política, em vez de a
refrear. Talvez o próximo Presidente da República deva repensar esta doutrina.
Mas o principal responsável político por
esta crise é, sem dúvida, Luís Montenegro.
Não
vale a pena Montenegro, nem os seus partidários, tentarem desculpar o
indesculpável. Ainda que possa ser totalmente legal, não é aceitável que
um primeiro-ministro receba uma avença mensal de uma empresa cuja actividade
depende de decisões e concessões do Estado. O conflito de interesses é evidente
e o facto de Montenegro não o ter ainda percebido é um bom indício da sua visão
da coisa pública.
Mais incrível ainda é o facto de,
independentemente das questões éticas, nem Montenegro nem nenhum dos seus conselheiros
ter considerado a hipótese de que, mais cedo ou mais tarde, o conflito se
tornaria público e seria uma enorme nódoa na sua carreira política.
Não era óbvio que, mal se soubesse, o caso causaria enormes problemas à
credibilidade do primeiro-ministro e à sobrevivência política de um governo
minoritário? Ou seja, não é apenas uma ética questionável: é uma política
incompetente.
Durante a última campanha eleitoral, Montenegro comprometeu-se com a
manutenção de linhas vermelhas entre a AD e o Chega no que toca a coligações de
governo. O PSD seguiria a doutrina de que o partido mais votado deveria formar
governo e o partido não formaria coligações com o Chega. Em grande medida, esta
promessa de Montenegro foi feita para tranquilizar os eleitores de centro,
geralmente avessos ao risco e aos extremismos, e convocá-los a votar no PSD sem
medos. A promessa foi cumprida mas
Montenegro parece não ter percebido que o domínio do PSD na ala da direita do
sistema partidário, no futuro próximo, depende de um esvaziamento do Chega.
Para tal, precisava de mostrar a futilidade do partido, a sua incompetência,
a sua falta de seriedade e a sua inutilidade no sistema político actual. Neste
contexto, Montenegro fez precisamente o oposto. Deu munições a
quem declara que os políticos mainstream
são sistematicamente corruptos e estão mais interessados em usar a política
para se beneficiar a si próprios em vez de zelar pelo país. Deu munições a quem afirma que estes
partidos mainstream precisam de ser substituídos por outros, supostamente mais
puros. Personagens como Montenegro parecem desenhados para alimentar
os partidos anti-sistema. Se o
Chega não crescer nas próximas legislativas, será porque o próprio Chega, para
lá do líder carismático, tem quadros medíocres. Com o
passar do tempo, o escrutínio tem posto a descoberto que o seu pessoal político
é em tudo semelhante ao dos partidos que tanto criticam, ou pior ainda.
Muito provavelmente, a instabilidade
política irá continuar no futuro próximo. Os resultados das novas
eleições não se adivinham muito diferentes das que foram realizadas há um ano. Com elevada probabilidade, não haverá
maiorias absolutas da AD nem do PS. Com elevada probabilidade também, o
espaço da direita continuará a ter uma maioria parlamentar. Ficará tudo na
mesma. Qualquer alteração do panorama político virá, portanto, da substituição
do líder socialista ou social-democrata, consoante quem sair derrotado.
Muitos à direita já sonham com um líder capaz de esbater as linhas
vermelhas e unir todos os partidos de direita numa grande coligação ou acordo
parlamentar. Mas desenganem-se aqueles que acham que um governo
PSD+CDS+IL+CHEGA será muito estável e muito reformista. Se há
algo que a prática parlamentar do Chega nos ensinou é que o partido adora ser o
centro das atenções e causar permanente instabilidade e confusão. Retórica
inflamada, palavras chocantes e quadros medíocres. Como mostram as inúmeras
medidas despesistas aprovadas pelo Chega em conjunto com o PS, o partido não
tem a mínima substância reformista. Reformar as coisas exige coragem política e
o Chega assenta no oposto: no populismo eleitoralista.
CRISE POLÍTICA POLÍTICA OPINIÃO LUÍS MONTENEGRO
COMENTÁRIOS (de 43)
Novo Assinante: Senhora
Mafalda Pratas, Não me recordo de ter visto tanta indignação da sua parte
quando apareceram cerca de novecentos mil euros em dinheiro vivo (notas) em
gabinetes de pessoas próximas e directamente ligadas ao presidente da Madeira,
o vice-presidente do PSD Miguel Albuquerque em Janeiro 2024, e que levou à sua
constituição como arguido (muito mais do que mera suspeição), queda do governo
e novas eleições na RAM. Para mais detalhes, por favor pesquise por Luis Rosa,
jornalista do Observador - Madeira - Janeiro e Fevereiro 2024 (o Observador não
aceita linques) Maria Melo: É inacreditável que haja tanta polémica com o caso
Montenegro, mas já se esqueceu o caso Costa. O dinheiro que foi encontrado e
que motivou a saída e queda do Governo de A.Costa não tem qualquer importância.
Vemos Costa na maior, em Bruxelas, e a ganhar bem. Como pode um indivíduo como
este ser Presidente do Conselho Europeu? Como podem Ursula von der Leyen e
todos os outros estar com tantos risos e gargalhadas, abraços e beijinhos a um
político com, pelo menos, suspeitas? Como é possível Marcelo e outros políticos
terem sustentado esta candidatura ao cargo e ela ter sido aceite na Europa? Ao
que parece, são todos iguais. Que tristeza e vergonha! E que tal José Sócrates? Hugo
Silva: Começa a caça ao Chega... Mais do
mesmo. Fastidioso, como sempre.
hugo Carreira: A
mediocridade que corrói é a que é explanada no texto da Mafalda Pratas e que
pelos vistos se estende a generalidade da CS. É confrangedor ver e viver a mesquinhez,
estupidez ou baixo nível que se demonstra dia apos dia tanto no parlamento como
na CS - Será que Jorge Sampaio (por exemplo) teria de ter vendido ou ter-se
desfeito do seu gabinete de advogados JSMS quando foi presidente da CML e mais
tarde PR? tudo isto é de uma estupidez sem nome Paulo Almeida: Credo, esta senhora escreve mesmo mal. E é tão fraca
em argumentação que tem de insultar os deputados do Chega de medíocres, mas não
prova nada. Sempre que alguém caracteriza outro sem dar provas, é incompetência
e falta de argumentos. Não precisava de ir tirar um curso caro para fazer isso.
Ser woke ou não ter argumentos para defender uma tese é simples, basta saber
escrever. E isso a autora sabe fazer, em demasia. Tudo espremido dá 1
parágrafo. O Chega não quer reformar? É o único que quer reformar. Pode-se é
não concordar com esse facto de andar a mexer nos poderes instalados, mas isso
é outra coisa. Deve ser isso que perturba a autora. É só ir ver as iniciativas
legislativas e seguir um pouco do trabalho parlamentar e os projectos de lei
que são apresentados, mas isso dá muito trabalho à autora. Mais vale
simplesmente ser incompetente, é mais fácil. GateKeeper: Começou bem e acabou muito mal. A juventude e a
falta de prática da vida têm sempre que distorcer, mesmo os melhores
raciocínios. No fundo temos perante nós uma jovem "acomodada ao
regime". Português
de bem: Como é que
se continua a falar de partidos “anti-sistema”, se todos os partidos querem o
sistema porque beneficiam dele? Mas há algum partido anti-sistema? Não, não
há. João
Floriano: Montenegro
e o PSD que ele imaginou e imagina já cometeram muitos e graves erros como
ignorar a vontade dos eleitores, fomentar a desunião da direita, adular o
PS e a esquerda, considerar que a CS estaria do seu lado, achar que as
actividades extra governo de Montenegro não seriam motivo de escrutínio ou caso
o fossem a oposição se calaria com as explicações dadas. Agora prepara-se para
cometer novamente um erro colossal quando blinda o partido à contestação
interna, o que pode levar a graves cisões num partido que nunca foi fácil e tem
egos enormes e quando classifica a discussão sobre o que será melhor como
guerra interna e quando pede uma maioria absoluta. Mesmo que Montenegro ganhe as próximas
eleições, ainda que pela margem mínima, o PM está para sempre fragilizado e com
ele qualquer governo que venha a formar. O mais provável é ficar tudo na mesma
ou ainda pior. Estas situações acontecem porque o campo político português é na
verdade um pântano onde já muito pouco se aproveita. Os culpados para Mafalda
Pratas no entanto são apenas dois, ou melhor três: Marcelo, Montenegro e claro,
o CHEGA. Qualquer comentador que queira sobreviver tem de dizer mal do CHEGA,
sem o que levanta grandes suspeitas. E o PS também não terá culpas no
cartório? Manuel
Filipe Correia de Araújo: "Como
mostram as inúmeras medidas despesistas aprovadas pelo Chega em conjunto com o PS,
o partido não tem a mínima substância reformista. Reformar as coisas exige
coragem política e o Chega assenta no oposto: no populismo eleitoralista."
Até agora a política da AD consistiu em distribuir bocadinhos de pão aos
pardais de que são exemplos os aumentos a algumas classes profissionais e maximize
o aumento de numerosas pequenas Freguesias, apenas a título de exemplo! Quanto
ao Chega até agora temos visto a sua actuação na Oposição, mas num Governo em
Coligação o que nos garante que não tinha um comportamento semelhante a Meloni
em Itália?
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