segunda-feira, 10 de março de 2025

Um texto sério


Sem sensacionalismos, expressão de uma realidade destes nossos tempos “de progresso” ideológico. ZITA SEABRA o escreveu, sóbria e realista. Mas os homens asiáticos, de autoridade forte, não se deixam levar por igualitarismos machucadores da sua virilidade exigente de bom trato caseiro, naturalmente.

Ainda vale a pena comemorar o 8 de Março?

O Dia da Mulher é importante pois os seus direitos estão longe de serem garantidos em muitos países, em particular no mundo islâmico, e há que lembrar a coragem de quem combate discriminações brutais.

ZITA SEABRA Editora

OBSERVADOR, 09 mar. 2025, 00:1627

A esta pergunta respondo sim! Se o Dia Internacional da Mulher permitir denunciar a situação de todas as que, em grande parte do mundo, não têm direitos iguais aos homens e vivem na mais brutal e dramática discriminação na família, na vida pública, na escola, no trabalho ou no desporto. Refiro-me muito especialmente a todas as mulheres que vivem em países ou zonas da chamadas repúblicas islâmicas, onde impera a lei da Sharia e que são constantemente esquecidas pelas novas feministas da esquerda radical.

Ao longo do século XX, as mulheres no mundo ocidental conseguiram o reconhecimento da igualdade de direitos perante a lei e essa conquista civilizacional é presentemente identitária de um regime democrático e de um Estado de direito. O último país em que as mulheres conquistaram o direito de voto em igualdade com os homens foi a Suíça, em 1990.A partir daí, em todos os países ocidentais ficou consagrada a igualdade de direitos e o fim da discriminação em razão de sexo.

Foi a vitória das mulheres que lutaram corajosamente pelo direito à igualdade perante a lei desde os fins do seculo XIX e, particularmente no início do século XX, com a luta das têxteis americanas em Nova Yorque. São inesquecíveis mulheres, como Clara Zetkin, que propôs exactamente o dia 8 de Março para Dia da Mulher; ou a dirigente bolchevique Alexandra Kollontai, que tão abnegadamente lutou pelos direitos das mulheres, levando a que Lenine e, depois, Estaline fizessem dela a primeira mulher embaixadora do mundo, só para não sofrerem a sua pressão diária a favor da causa feminina. Foi ela quem propôs pela primeira vez uma licença de maternidade paga para as mulheres trabalhadoras após o parto.

O caminho foi longo e, a seguir à igualdade perante a lei, veio sempre a luta pela mudança de mentalidades na sociedade, na família e no trabalho – que é, e foi sempre, em todos países mais lenta que a alteração constitucional e legislativa.

No final do século XX, podemos dizer, e muitas o escreveram, que as mulheres ganharam, e bem, o reconhecimento dos seus direitos em múltiplos aspectos da sua vida familiar, profissional, social – enfim, o direito a não serem discriminadas.

Não faz, pois, nenhum sentido a tentativa de vitimização feita por certa esquerda radical, mais recentemente toda a esquerda ocidental que, depois da queda do muro de Berlim e do fim anunciado do comunismo soviético, começou à procura de novas bandeiras para substituir as que caíram, gastas também pela revolução tecnológica e pela globalização que acabou com o proletariado do ocidente e a respetiva luta de classes ao deslocalizar  as empresas  para a China ou para a Índia, entre outros países.

Foi assim que substituíram a luta de classes por novas causas absurdas e condenadas ao fracasso por serem criações artificiais de “elites” académicas, contra o bom sensoe o bom senso tem muita força no mundo livre. Assim nasceu o wokismo, ou melhor, a ideologia woke, nas universidades americanas, que alastrou a todo o ocidente, procurando ter como bandeira a vitimização das mulheres perante o homem branco, poderoso e responsável pela chamada  “ditadura patriarcal hegemónica”, contra a qual levantaram “barricadas”, quotas obrigatórias, regras e mesmo legislações, regulamentos e muitos artigos “científicos” enchendo páginas de teses ou estudos académicos.

O wokismo minou os fundamentos da democracia e, em nome de discriminações positivas de que as mulheres não precisam, as inferioriza e ridiculariza. Em Portugal, temos quotas de entrada nas listas dos candidatos a eleições legislativas ou municipais, bem como quotas obrigatórias nos Conselhos de Administração de empresas, como se alguns dos principais empresários portugueses não fossem já mulheres (Sonae, Amorim, entre muitas outras), que não estão lá por favor.

Na cultura, assistiu-se não só à revisão da história do ocidente como à censura de clássicos da literatura. Chegou-se ao ponto, por exemplo, de apresentar modificações censórias das tradicionais encenações de óperas, como a Carmen que, em vez de morrer, é ela quem mata o Don José. Pobre Bizet. Ou da Butterfly, em que ela foge ao destino trágico que lhe deu Puccini para  desaparecer de cena para parte incerta. Para já não falar da alteração da língua portuguesa para a chamada linguagem inclusiva dos todos, todas ou todes.

No entanto, creio ser bem necessário comemorar o 8 de Março para lembrar as mulheres que hoje, em pleno século XXI, ainda são discriminadas e vítimas de violência perante o silêncio cúmplice de muitas recém-radicais feministas destas causas.

Para denunciar as mulheres silenciadas, as verdadeiras vítimas – basta lembrar a situação das mulheres do Irão, esse grande país que perdeu a herança da civilização Persa, com muita culpa da esquerda ocidental e, particularmente, dos democratas americanos de Carter e dos filhos dos anos 60 franceses que preferiram osAyatolas, vindos de França, ao Xá da Pérsia. Xá que, apesar de doente terminal com cancro, não foi recebido como exilado no ocidente, apenas o Egipto o recebeu e lhe fez um funeral de Estado.

O Irão ficou, assim, uma República islâmica desde a Revolução de 1979. Nesse ano, a 1 de Abril, o Irão passou a seguir a lei da Sharia. Na ONU, votou mesmo contra a proposta de reconhecimento da igualdade legal de direitos da mulher e do homem. Os casamentos passaram a permitir que um homem pudesse ter quatro esposas legais. É sabido que, em poligamia, os direitos das mulheres e dos homens nunca são iguais. É, assim, que o marido pode impedir as esposas de trabalhar em determinados empregos, alegando que são “contrários aos valores da família”. As mulheres não podem mostrar o cabelo em nenhum lugar público, mesmo em restaurantes ou lojas, em locais fechados e não podem ir à praia.

Lá, o casamento infantil é frequente. As mulheres podem casar aos 13 anos e mesmo aos nove, com aprovação legal. Quando a menor tem menos de nove anos, pode ser legalmente forçada a um “casamento temporário”. Este limite de idade, deriva do exemplo do Profeta, que se casou com Aisha, quando ela tinha essa idade. E, na Sharia, os conceitos de bem e mal, certo e errado, remetem sempre para a aplicação literal do Corão, pois o islamismo é uma religião do livro.

É assim que as meninas são forçadas a casar com homens mais velhos e submetidas a violações e abusos físicos contínuos e graves. Se fugirem, podem ser assassinadas por desonrar a família. Não há estatísticas oficiais, mas dados oficiosos revelam que cerca de 28.000 meninas com menos de 15 anos casaram, só no ano de 2022. O número é provavelmente muito maior, porque muitos casamentos não são sequer registados.

Em tribunal, o testemunho de uma mulher vale metade do de um homem, sendo necessário o testemunho de três mulheres para vencer o de um homem. Isto explica, por exemplo, a execução de Atefeh Sahaaleh, acusada de “relações sexuais impróprias”, por ter sido vítima de violação. Vítima

O Irão aplica ainda as chamadas leis da modéstia às mulheres. Assim se chama ao facto de serem obrigadas por lei a vestir com “modéstia”, o que implica esconder o corpo e usar o véu. Desobedecer é crime e as autoridades da chamada “Polícia da Moralidade” fazem cumprir rigorosamente a lei, com penas de detenção, prisão, multas, açoites, andando na rua com paus na mão e açoitando mulheres que considerem que mostram o cabelo ou deixaram deslizar o véu. A ideia geral é a de que a visão dos atributos femininos provoca os homens que, em consequência, têm legitimidade para atacar as mulheres.

A perseguição é implacável. Em abril de 2024, foi implementado o Plano Noor, que inclui patrulhas e presença policial permanente em áreas públicas, para fazer cumprir as regras draconianas de vestuário. Em 22 de julho de 2024, a polícia disparou contra Arezoo Badri, que conduzia sem véu, ferindo-a gravemente.

Em dezembro de 2024, Parastoo Ahmadi, uma cantora de 27 anos publicou um videoclip de uma performance em que actuava sem hijab e com um vestido sem mangas. Foi prontamente detida. Ignora-se até hoje o que lhe aconteceu.

Em janeiro de 2024, Zeinab Khenyab Pour, dona de uma loja de roupas e activista detida por apoiar os protestos relativos à morte de Mahsa Amini às mãos da polícia, foi condenada a prisão por publicar fotos sem hijab nas redes sociais. No mesmo mês, Roya Heshmati, foi punida com 74 chicotadas, por ofensa às leis da modéstia.

As mulheres não podem entrar livremente em estádios para assistir a jogos de futebol e Khamenei é visceralmente contra a possibilidade de tal acontecer, apesar da impopularidade da proibição. Ultimamente, por pressão internacional deixam entrar pequenos grupos só para “inglês ver”. Em 2019, Sahar Khodayari imolou-se pelo fogo, ao  ter sido condenada por  tentar entrar num estádio vestida de homem. A FIFA ameaçou inibir a participação do Irão em provas internacionais pelo que 4.500 mulheres foram autorizadas a assistir a um jogo pela primeira vez, mas separadas dos homens. Como parte dos protestos, em Novembro de 2024, a estudante Ahoo Daryaei despiu-se na rua, frente à Universidade de Teerão, sendo detida e considerada doente mental.

Os chamados crimes de honra, segundo a lei islâmica, a “honra dos homens”, indicam, segundo fontes da ONU, que, só em 2024, foram executadas 31 mulheres no Irão, por razões legais. Mas o número de mulheres mortas por maridos e ex-maridos, irmãos, pais, filhos, sogros, primos, etc. por “desonrarem a família” é avassalador. Em 2023, foram assassinadas 149 mulheres por chamados “crimes de honra”, que resultam de atitudes tão comuns como pedir o divórcio ou recusar um casamento. Em 25 de Dezembro de 2024, Ghazaleh Hodoudi foi queimada por recusar uma proposta de casamento.

Isto, sem falar na omnipresente violência doméstica, cujas vítimas não só não têm defesa legal, como o sistema incentiva o crime, ao exigir que as mulheres obedeçam aos maridos que são seus proprietários. A lei afirma que os homens podem matar por adultério as mulheres, mas não o contrário, e é muito compreensiva nos casos em que os homens matam filhas e netas, por questões de “honra”.

O divórcio é permitido ao homem sempre que o desejar, bastando repudiar a mulher, mas o contrário não é verdade. A mulher tem de provar (e o seu testemunho vale metade) que o seu casamento é insuportável, ficando sem a guarda dos filhos, o que leva  muitas a resignarem-se a uma vida humilhante e inimaginável, muitas vezes relatada em testemunhos de quem conseguiu fugir, ou em livros e filmes, como o recente “A Semente do Fruto Sagrado” (prémio especial do Júri do Festival de Cannes).

O Dia Internacional da Mulher é, pois, muito importante para mostrar que os seus direitos estão longe de serem garantidos em muitos países do mundo e, particularmente no mundo islâmico, e que é importante denunciá-lo e lembrar a coragem de quem paga por vezes com a vida a sua luta pelos direitos básicos e pelo fim de discriminações brutais.

COMENTÁRIOS (de 27):

Luís CR Cabral: Que tal um artigo que explique a razão pela qual a esquerda apoia regimes teocráticos que oprimem as mulheres e não só?                 Rui Lima: Ontem em Paris grande confusão, perseguições, polícia, gás lacrimogéneo … pelo que percebi um “collectif de mulheres“ pretendia gritar pelos diretos das mulheres muçulmanas, e foi impedido, pelo contrário o grupo maior gritava não pelas causas da Mulher mas sim pela causa Palestiniana .              Maria Nunes: Zita Seabra devia ser uma presença mais assídua no Observador. Gosto muito de ler os seus artigos.               Antonio Marques Mendes: Importante lembrar que a libertação das mulheres passa por repudiar o islamismo num país como o nosso onde no dia da mulher os manifestantes do PCP e do Bloco tinham nas suas manifestações bandeiras do Hamas e outros terroristas islâmicos.               Maria Melo: Pois! Tantas marchas pela liberdade da Palestina, mas nem uma, nem uma voz a condenar a situação das mulheres, em particular, nos países muçulmanos. Nos países do Ocidente, as mulheres têm os mesmos direitos e deveres que os homens. A existência de quotas, seja para o que for, não as valoriza. E as expressões encontradas para substituir a palavra Mulher também são absurdas.               Cisca Impllit: Sim, vale sempre a pena. Pena que haja a possibilidade de autofagia. No caso, as feministas que acabam com o feminino, e com tanto ainda por fazer. É sempre um gosto ler Zita Seabra                     Manuel Ferreira21: Brilhante artigo. Longa vida à grande lutadora Zita Seabra.                  GateKeeper: Claro que não. Só as résteas esquerdalhas, wokes "comemoram" esta data. E é fácil perceber porquê e para quê. No NOSSO Mundo, aquele que devemos relevar, o mundo Ocidental, a mulher já "conquistou:" tudo aquilo que queria "conquistar".                   Maria Nunes: Excelente artigo.             Daniel Ribeiro: Artigo bastante pertinente e importante. Recomendo a leitura do livro "Mil Sóis Resplandecentes" do escritor Khaled Hosseini que aborda também o tema da falta de direitos e igualdade das mulheres relativamente aos homens, neste caso no Afeganistão e sob o regime Taliban.               Cisca Impllit > Rui Lima: Engajadas numa luta contra si. Duplamente triste.               Mario Guimaraes: Nunca compreendi porque as feministas radicais não denunciam a forma como a mulher nos países muçulmanas são tratadas.                   Miguel Oliveira: Excelente artigo.                João Floriano: Vale a pena assinalar o 8 de Março. A condição feminina nos países como o Irão é insuportável, escandalosa, desumana e embora não conhecendo o Corão, não acredito que Alá mande tratar assim as mulheres. Trata-se de mais uma interpretação do livro sagrado, de modo a manter a opressão . Ser «feminista» no ocidente significa fazer o folclore do costume no dia 8 de março, descer a avenida com faixas e repetir sempre as mesmas palavras de ordem, publicar uns artigos e umas declarações nas redes sociais e continuar tudo na mesma. Mas se as nossas feministas de pacotilha quiserem fazer alguma coisa de útil, denunciem e façam muita pressão para mudar as leis e os comportamentos à volta da violência doméstica, um flagelo crescente na nossa sociedade. É inadmissível que perante um brutamontes agressor muitas vezes alcoólico, sejam a mulher e os filhos a terem de abandonar a casa da família e andarem a esconder-se. Muitas acabam mortas e os assassinos com penas leves face ao crime cometido e ainda por cima com a benesse de serem considerados inimputáveis. Uns anitos num hospital psiquiátrico e aí vão eles de novo prontos para a perseguição e para mais crimes contra as/os mesmos ou outros/outras. Comecemos por nos preocupar com o que de mau existe à nossa porta, não querendo isto dizer que esqueçamos os milhões de mulheres que tiveram o azar de nascer em países como o Irão.                  Margarida Moita: Muito bom!                  Anabela Arana: Obrigada D. Zita Seabra.

 

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