Contada pela minha neta Ana, que, embora provoque o sentimento em pessoas que já sentiram o mesmo efeito da saudade da família, em terras distantes, não se deixa embalar pela emoção, desmistificando-a com a história da madrinha da mãe, que contava histórias e lhe oferecia sopa, e provavelmente, em vez de lhe ensinar pratos de cozinha, de imprescindível conhecimento em toda a mulher que se estime, ainda que com preferências pelo tricot, a registou num site com os ditos ensinamentos gastronómicos, para mais tarde consultar. Mas o tricot prevalecendo, a história alarga-se poderosamente, através dos encontros posteriores na sua vida de trabalho empenhado, com colegas de prazeres e empenhamentos semelhantes, que lhe demonstraram que esse prazer do tricot é comum a tantas mulheres esforçadas, que conversam ou lêem enquanto vão construindo esses tecidos quentinhos e aparatosos, para os filhos, para as mães, embora não para as avós que há muito se desfizeram dos barretes do enfio habitual, pelas capas quentinhas com gorros próprios, que compraram nas casas chinesas ou lhes foram oferecidas pelas filhas amigas, que não se dedicaram ao tricot, como as sobrinhas mães de filhinhos a exigir os tais gorros e casaquinhos. Viva, pois, o tricot dos previdentes prazeres femininos, que admiro, pois mal compartilhei, nos meus tempos, em que aprendemos a tricotar – a minha irmã e eu, com a D. Clotilde, nossa vizinha! Eu fiquei-me por aí, mas a minha irmã, que tinha muito de esforçada, como a minha neta Ana, fez imensos casaquinhos e botinhas, que me mandava para os meus filhos, entre os quais o pai da Ana… Um bravo, pois, pelo lindo e alegremente sadio conto da Ana Margarida, que sabe da utilidade do seu esforço:
20 h ·
«Em
2010, vivia o meu segundo ano em Paris, num curso particularmente desafiante e
numa vida um pouco angustiante e solitária, contra as minhas expectativas iniciais.
Tinha família afastada em França e, alguns fins-de-semana, viajava de comboio
para casa de uma senhora, madrinha da minha mãe, costureira de profissão, com
quem passava horas a fazer tricot. Eu fazia cachecóis. Ela fazia muitas outras
coisas. Conversávamos muito. Havia sempre sopa de legumes.
Fiquei
a saber que nesse ano me registei no Ravelry, site onde se encontram milhares
de receitas, para todos os gostos e feitios. Nunca fiz nada com isso. Apenas
cachecóis. Mas aquelas tardes de cachecóis tiravam-me as angústias e davam-me o
aconchego familiar que me faltava tantas vezes.
Há
uns tempos, estava a tricotar cachecóis num café e o grupo de professoras com
quem tinha começado a trabalhar também tirou dos seus sacos os seus novelos e
agulhas. Faziam ali tricot juntas há muitos anos. Começaram a partilhar
receitas simples comigo, que comecei a fazer. Esclareciam as minhas dúvidas.
Foi um grupo de pessoas muito bonito, com quem me cruzei, de quem tenho
saudades.
Este
ano, noutra escola, na sala de professores, já há o tricot às 5ªs feiras: o dia
da professora de música é também o dia do tricot e do crochet. Vêm as mantinhas
dos netos, os bonecos para os alunos do 1º ano, que viajam por todas as
famílias, as botinhas de lã. Última foto.
Não
sei se é terapêutico, mas que o tricot me traz felicidade, traz. Também me tira
das redes sociais e das angústias da Internet. Também me põe a ler mais (é
possível fazer as duas coisas ao mesmo tempo). Também me aproxima das pessoas.
Com
isto, quero dizer que actualizei o meu Ravelry com os projectos que fiz
entretanto - já não são só cachecóis - e criei o meu primeiro design. Não
inventei a roda, mas desenhei um bonito gorro para a minha mãe e, por isso,
chamei-lhe Gorro Isabel. Teve tanto sucesso entre as amigas que decidi publicar
a receita para venda. À exceção da primeira foto, todos os gorros são feitos
pelas amigas tricotadeiras. Obrigada pelo vosso incentivo
Agora
ide lá, façam e usem.»
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