Embora o General—mais tarde feito Marechal, por condescendência
salazarista, talvez retributiva de favores - tenha tido um papel de destaque –
sem guerra meritória, embora, ao longo da sua vida, antes de ser ofuscado pela
figura de Salazar que ele convidara anteriormente para formar governo, Carmona
apareceu sempre em segundo plano, no tablado governativo, segundo recordo. Alberto Gonçalves não se refere a ele,
todavia, por não pertencer ao grupo dos presidentes democratas, ao tratar do
caso do general que se quer propor para a presidência da República – o general Gouveia e Melo, que parece não ter cadastro
“governativo”, embora tenha desempenhado um papel preponderante no caso das
vacinas contra a Covid. Daí o jocoso da crónica de Alberto Gonçalves, ao retirar-lhe
capacidades de Presidência do Estado, por falta de categoria política das ditas
vacinas no tablado governativo, como é de todo o critério pensar isso. Mas a
Presidência da República não aparenta grandemente pertencer a uma função
governativa por excelência, mais atribuída ao primeiro-ministro, tanto assim
que já em tempos se aceitou um candidato Tino de Rans para uma dessas
candidaturas e ninguém discutiu a questão… talvez por uma questão de
segregacionismo aviltante dos que contrariassem tal escolha...
O
almirante e as baratas
Antes do festival de variedades a que o incumbente
reduziu a função não seria provável imaginar que um desconhecido sem
particulares méritos chegasse a PR. Agora é.
ALBERTO GONÇALVES
Colunista do Observador
OBSERVADOR, 29 mar.
2025, 00:203
Há décadas, largas décadas, que as democracias deixaram de eleger militares
para a presidência. Os motivos incluem o cuidado em separar o poder militar do
civil, ou o receio do autoritarismo, ou o lugar minúsculo dos conflitos armados
nas cabeças ocidentais, ou a hipótese enriquecedora que quiserem adicionar.
O facto é que
sem guerras, ou sem guerras que influenciem a sério a vida “comum”, não há
heróis de guerra para premiar e pendurar na chefia dos estados. Na América, houve o remoto Eisenhower,
com a derrota nazi fresquinha no bolso, como no século XIX houvera Ulysses S.
Grant e meia dúzia de figuras comparativamente menores da Guerra Civil.
Na Europa, De Gaulle, que morreu em
1970. E, Deus me fulmine se desprezar a pátria amada, Ramalho Eanes, não tanto pela presença nos
três cenários de conflito ultramarinos, mas sobretudo pela batalha contra o
comunismo que culminou no 25 de Novembro de 1975. Salvo ocasional esquecimento, o inventário fica por aqui: o velho hábito, esporádico e intermitente,
de pôr militares na liderança de regimes liberais morreu há-que tempos.
A notícia é
que Portugal se prepara para ressuscitá-lo. Meio século após
o último presidente fardado de uma nação do “mundo livre”, há altas possibilidades de que o almirante Gouveia e Melo chegue ao topo da República. É sem dúvida uma excentricidade, que aumenta ao percebermos que o
almirante Gouveia e Melo nem sequer é o típico destinatário da consagração de carreira, o guerreiro derreado com o peso das medalhas
por proezas em combate.
Para dizer a verdade, parece
que Gouveia e Melo nunca combateu. Para dizer o
que o próprio diz, combateu em duas ocasiões. A segunda, conforme explicou em
entrevista de 2023, foi, palavras dele, “uma
guerra sem quartel”: consistiu em ser Chefe do Estado-Maior da Armada enquanto
uns barcos da Marinha e da Polícia Marítima interceptavam lanchas de
traficantes de haxixe ao largo do Algarve. Não é exactamente Gettysburg
ou as Ardenas, mas prometo não maçar ninguém com o relato da minha breve passagem pela Escola Prática de Artilharia, em
Vendas Novas, onde defrontei o tédio com bravura e fui derrotado.
A primeira
ocasião em que Gouveia e Melo combateu foi – soem as trompetas – “no combate da nossa geração” (estou a
citá-lo): a coordenação da “task
force” de vacinação para a Covid, oito meses de luta intensa, em que
enfermeiros administravam injecções a pessoas desejosas de levar com elas, e o
almirante, então vice, vigiava as hostilidades à distância e camuflado. O sucesso da empreitada é discutível, as
consequências não: com a Guerra das Vacinas em fase adiantada ou terminal,
Portugal liderava o planeta em taxas de infecção e mortalidade. Mesmo assim, o
povo, infectado ou falecido, apreciou o esforço e venerou a farda. As sondagens
das “presidenciais” sugerem que continua a apreciar. E, com ancestral pasmo, a
venerar.
Do trabalho
do almirante na condução da Armada não falo, excepto para notar que, logo que
ele saiu, o único submarino operacional cessou de operar e um navio de
instrução afundou-se, talvez por solidariedade e luto. Na despedida, a revista que por
acaso Gouveia e Melo tutelava comparou-o a D. João II. Hoje, porém, o
fundamental é avaliar a capacidade do homem para desempenhar o cargo a que está
quase a candidatar-se. Muitos
queixam-se de que não sabem o que ele pensa: eu queixo-me por saber
demasiado.
Para quem é
louvado pela discrição e autoridade, Gouveia e Melo abre a boca com
extraordinária frequência e alivia-se de extraordinárias proclamações. Ele encontra-se “entre o
socialismo e a social-democracia”. Ele quer mais habitação, quiçá em tendas.
Ele quer menos impostos. Ele quer imigração “estruturada e sustentada”. Ele
quer uma “economia inovadora”, do mar e de mercado. Ele quer turismo, indústria
química e “saúde digital”. Ele quer apostar na defesa e
na construção naval. Ele não quer soluções simplistas. Ele quer repetir clichés partidários, aparentemente julga vir a
decidir políticas governamentais e evidentemente concorre ao emprego errado.
Outro equívoco
que persegue o almirante é o de que ele apenas poderá vir a ser presidente
porque, do alto de uma mítica “solenidade”, representa o exacto oposto do
prof. Marcelo. Trata-se de um tiro
na água, embora se aceite que Gouveia e Melo apenas poderá vir a ser presidente
por causa do prof. Marcelo: antes do festival de variedades a que o
incumbente reduziu a função, afinal subtraindo-lhe qualquer réstia de
prestígio, não seria provável imaginar que um desconhecido sem particulares
méritos públicos, currículo ou, desculpem, “carisma” chegasse a PR. Agora é. E isso vale para Gouveia e
Melo e vale para a respectiva concorrência, um punhado de minudências cujo
apetite só cresceu graças ao precedente nivelador do prof. Marcelo – e cuja
pequenez simbólica ajuda a destacar o D. João II a que temos direito, que
fisicamente é alto.
Parcelas
somadas, o enfado põe a questão: faz diferença? Muda alguma coisa enfiar em
Belém Fulano, Sicrano ou um Beltrano apoiado por Isaltino Morais e o dr.
Capucho? Há razões para pensar além
da modorra interminável a que chamamos a nossa terra? Há sentido em esperar
que nos tornemos o que firmemente recusamos ser? Há esperança sob a pesada
sentença deste anonimato em forma de país? A internet teima em atribuir, se
calhar falsamente, uma frase a Gouveia e Melo: “Os portugueses são como as
baratas: resistem a tudo”. E são pisados por nada.
Almirante Gouveia e Melo Política
COMENTÁRIOS:
A Sameiro: agora As alternativas são de
fugir!!!!Vitorino lá anda nos seus pluri-empregos!!! Não passa duma
"PRIMA-DONA" da politica!!!
Liberales Semper Erexitque: O Capitão Iglo poderá mesmo ser
eleito, mas não devido a ele. Em terra de cegos quem tem olho é rei, e o
panorama que se apresenta aos portugueses é desolador. O Capitão Iglo não se
tenciona candidatar a um cargo político prestigioso, tenciona candidatar-se a
um cargo político que ninguém, excepto anões mais ou menos truculentos, quer!
Alfredo Vieira: Ser-se mínima e desgraçadamente lúcido em Portugal, é como
andar-se à procura de um qualquer perfume num esgoto, e sair-se de lá sempre
com a mesma fragrância pegada ao corpo. Por isso tantos já partiram, e tantos
mais irão partir a seguir, até à bangladechização final.
Jose Marques: Com notável mestria AG desconstruiu aquele almirante que jamais
participou numa batalha naval. Espera-se que os debates televisivos ponham a nu
(salvo seja) a vacuidade do almirante do mar da palha!
Maria Paula Silva: 👏👏👏👏👏 E X C E L E N T E !!!. p.s. - faltou o pormenor do dia de
campanha em Fátima a que chamaram de dia de "não campanha" !
Maria Tavares: Ainda não entendi este medo de um militar!! Estes jorna analíticos,
que de jornalistas, o que têm é enviesado, e de analistas nem se fala, andam
com uma azáfama a abrir caminho ao MM. Ok percebo que é pequenino mas se quer
ser marcelinho deixem no ir, não aprenderam nada com marcelo!!
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