domingo, 30 de março de 2025

Novo “Carmona”

 

Embora o General—mais tarde feito Marechal, por condescendência salazarista, talvez retributiva de favores - tenha tido um papel de destaque – sem guerra meritória, embora, ao longo da sua vida, antes de ser ofuscado pela figura de Salazar que ele convidara anteriormente para formar governo, Carmona apareceu sempre em segundo plano, no tablado governativo, segundo recordo. Alberto Gonçalves não se refere a ele, todavia, por não pertencer ao grupo dos presidentes democratas, ao tratar do caso do general que se quer propor para a presidência da República – o general Gouveia e Melo, que parece não ter cadastro “governativo”, embora tenha desempenhado um papel preponderante no caso das vacinas contra a Covid. Daí o jocoso da crónica de Alberto Gonçalves, ao retirar-lhe capacidades de Presidência do Estado, por falta de categoria política das ditas vacinas no tablado governativo, como é de todo o critério pensar isso. Mas a Presidência da República não aparenta grandemente pertencer a uma função governativa por excelência, mais atribuída ao primeiro-ministro, tanto assim que já em tempos se aceitou um candidato Tino de Rans para uma dessas candidaturas e ninguém discutiu a questão… talvez por uma questão de segregacionismo aviltante dos que contrariassem tal escolha...

 

O almirante e as baratas

Antes do festival de variedades a que o incumbente reduziu a função não seria provável imaginar que um desconhecido sem particulares méritos chegasse a PR. Agora é.

ALBERTO GONÇALVES Colunista do Observador

OBSERVADOR, 29 mar. 2025, 00:203

Há décadas, largas décadas, que as democracias deixaram de eleger militares para a presidência. Os motivos incluem o cuidado em separar o poder militar do civil, ou o receio do autoritarismo, ou o lugar minúsculo dos conflitos armados nas cabeças ocidentais, ou a hipótese enriquecedora que quiserem adicionar.

O facto é que sem guerras, ou sem guerras que influenciem a sério a vida “comum”, não há heróis de guerra para premiar e pendurar na chefia dos estados. Na América, houve o remoto Eisenhower, com a derrota nazi fresquinha no bolso, como no século XIX houvera Ulysses S. Grant e meia dúzia de figuras comparativamente menores da Guerra Civil. Na Europa, De Gaulle, que morreu em 1970. E, Deus me fulmine se desprezar a pátria amada, Ramalho Eanes, não tanto pela presença nos três cenários de conflito ultramarinos, mas sobretudo pela batalha contra o comunismo que culminou no 25 de Novembro de 1975. Salvo ocasional esquecimento, o inventário fica por aqui: o velho hábito, esporádico e intermitente, de pôr militares na liderança de regimes liberais morreu há-que tempos.

A notícia é que Portugal se prepara para ressuscitá-lo. Meio século após o último presidente fardado de uma nação do “mundo livre”, há altas possibilidades de que o almirante Gouveia e Melo chegue ao topo da República. É sem dúvida uma excentricidade, que aumenta ao percebermos que o almirante Gouveia e Melo nem sequer é o típico destinatário da consagração de carreira, o guerreiro derreado com o peso das medalhas por proezas em combate.

Para dizer a verdade, parece que Gouveia e Melo nunca combateu. Para dizer o que o próprio diz, combateu em duas ocasiões. A segunda, conforme explicou em entrevista de 2023, foi, palavras dele, “uma guerra sem quartel”: consistiu em ser Chefe do Estado-Maior da Armada enquanto uns barcos da Marinha e da Polícia Marítima interceptavam lanchas de traficantes de haxixe ao largo do Algarve. Não é exactamente Gettysburg ou as Ardenas, mas prometo não maçar ninguém com o relato da minha breve passagem pela Escola Prática de Artilharia, em Vendas Novas, onde defrontei o tédio com bravura e fui derrotado.

A primeira ocasião em que Gouveia e Melo combateu foi – soem as trompetas – “no combate da nossa geração” (estou a citá-lo): a coordenação da “task force” de vacinação para a Covid, oito meses de luta intensa, em que enfermeiros administravam injecções a pessoas desejosas de levar com elas, e o almirante, então vice, vigiava as hostilidades à distância e camuflado. O sucesso da empreitada é discutível, as consequências não: com a Guerra das Vacinas em fase adiantada ou terminal, Portugal liderava o planeta em taxas de infecção e mortalidade. Mesmo assim, o povo, infectado ou falecido, apreciou o esforço e venerou a farda. As sondagens das “presidenciais” sugerem que continua a apreciar. E, com ancestral pasmo, a venerar.

Do trabalho do almirante na condução da Armada não falo, excepto para notar que, logo que ele saiu, o único submarino operacional cessou de operar e um navio de instrução afundou-se, talvez por solidariedade e luto. Na despedida, a revista que por acaso Gouveia e Melo tutelava comparou-o a D. João II. Hoje, porém, o fundamental é avaliar a capacidade do homem para desempenhar o cargo a que está quase a candidatar-se. Muitos queixam-se de que não sabem o que ele pensa: eu queixo-me por saber demasiado.

Para quem é louvado pela discrição e autoridade, Gouveia e Melo abre a boca com extraordinária frequência e alivia-se de extraordinárias proclamações. Ele encontra-se “entre o socialismo e a social-democracia”. Ele quer mais habitação, quiçá em tendas. Ele quer menos impostos. Ele quer imigração “estruturada e sustentada”. Ele quer uma “economia inovadora”, do mar e de mercado. Ele quer turismo, indústria química e “saúde digital”. Ele quer apostar na defesa e na construção naval. Ele não quer soluções simplistas. Ele quer repetir clichés partidários, aparentemente julga vir a decidir políticas governamentais e evidentemente concorre ao emprego errado.

Outro equívoco que persegue o almirante é o de que ele apenas poderá vir a ser presidente porque, do alto de uma mítica “solenidade”, representa o exacto oposto do prof. Marcelo. Trata-se de um tiro na água, embora se aceite que Gouveia e Melo apenas poderá vir a ser presidente por causa do prof. Marcelo: antes do festival de variedades a que o incumbente reduziu a função, afinal subtraindo-lhe qualquer réstia de prestígio, não seria provável imaginar que um desconhecido sem particulares méritos públicos, currículo ou, desculpem, “carisma” chegasse a PR. Agora é. E isso vale para Gouveia e Melo e vale para a respectiva concorrência, um punhado de minudências cujo apetite só cresceu graças ao precedente nivelador do prof. Marcelo – e cuja pequenez simbólica ajuda a destacar o D. João II a que temos direito, que fisicamente é alto.

Parcelas somadas, o enfado põe a questão: faz diferença? Muda alguma coisa enfiar em Belém Fulano, Sicrano ou um Beltrano apoiado por Isaltino Morais e o dr. Capucho? Há razões para pensar além da modorra interminável a que chamamos a nossa terra? Há sentido em esperar que nos tornemos o que firmemente recusamos ser? Há esperança sob a pesada sentença deste anonimato em forma de país? A internet teima em atribuir, se calhar falsamente, uma frase a Gouveia e Melo: “Os portugueses são como as baratas: resistem a tudo”. E são pisados por nada.

Almirante Gouveia e Melo      Política

COMENTÁRIOS:

A Sameiro: agora As alternativas são de fugir!!!!Vitorino lá anda nos seus pluri-empregos!!! Não passa duma "PRIMA-DONA" da politica!!!

Liberales Semper Erexitque: O Capitão Iglo poderá mesmo ser eleito, mas não devido a ele. Em terra de cegos quem tem olho é rei, e o panorama que se apresenta aos portugueses é desolador. O Capitão Iglo não se tenciona candidatar a um cargo político prestigioso, tenciona candidatar-se a um cargo político que ninguém, excepto anões mais ou menos truculentos, quer!

Alfredo Vieira: Ser-se mínima e desgraçadamente lúcido em Portugal, é como andar-se à procura de um qualquer perfume num esgoto, e sair-se de lá sempre com a mesma fragrância pegada ao corpo. Por isso tantos já partiram, e tantos mais irão partir a seguir, até à bangladechização final.

Jose Marques: Com notável mestria AG desconstruiu aquele almirante que jamais participou numa batalha naval. Espera-se que os debates televisivos ponham a nu (salvo seja) a vacuidade do almirante do mar da palha!

Maria Paula Silva: 👏👏👏👏👏 E X C E L E N T E !!!. p.s. - faltou o pormenor do dia de campanha em Fátima a que chamaram de dia de "não campanha" !

Maria Tavares: Ainda não entendi este medo de um militar!! Estes jorna analíticos, que de jornalistas, o que têm é enviesado, e de analistas nem se fala, andam com uma azáfama a abrir caminho ao MM. Ok percebo que é pequenino mas se quer ser marcelinho deixem no ir, não aprenderam nada com marcelo!!

 

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