Aos assaltos graciosos aos
princípios conservadores que desde sempre foram sua referência, como é, aliás,
sua obrigação para com os chamados “fiéis” ou seguidores. Tudo se permite hoje
em dia em termos de humor, desde que os humoristas pertençam à camada
modernista destruidora do preconceito aburguesado, mesmo que apoiado na
racionalidade clássica. JAIME NOGUEIRA PINTO não deixou escapar mais este
exemplo da “espiritualidade” destes tempos de desordem mental, a merecer
espanto.
A
política do conclave
A eleição de um papa hermafrodita a surgir como inesperada
manifestação do “Espírito” por puro oportunismo político-ideológico é toda uma
outra (e demagógica) coisa. Não lembraria ao próprio Mafarrico
JAIME NOGUEIRA PINTO Colunista
do Observador
OBSERVADOR, 08 mar. 2025, 00:1919
Nos Óscares, o “conclave” da Academia, nunca é a dúvida que faz a unidade,
mas a certeza. Sabemos, à partida, que Hollywood, num ritual
bem coreografado, irá de alguma forma celebrar a moral oficial e o
pensamento correcto do momento, deixando escapar uma ou duas graças que dêem
a todos a sensação de que comungam,
não da unanimidade “liberal” da classe, mas de um certo activismo subversivo,
sinal de progresso, de inteligência informada, sinal de que ali ainda se vai
rugindo, qual leão da Metro-Goldwyn-Mayer, contra “a ignorância, o
conservadorismo e as convenções”.
Mas, este ano, os filmes Conclave e Emilia Perez,que
tinham uma orquestração mediática a empurrá-los para o sucesso (talvez por
incluírem a causa da moda, com a eleição de um Papa hermafrodita, em Conclave, e a redenção de um assassino
mafioso transsexuado numa santa mulher, em Emilia Perez), só tiveram um Óscar cada um: o de melhor
actriz secundária para Zoë Saldaña, em Emilia
Perez, e o de melhor argumento adaptado, para Conclave.
Num momento tão tenso para a
América e para o mundo, esperava-se mais de Hollywood do que esta ténue derrota do patriarcado tóxico em dois dos seus
“antros” – o coração da Igreja Católica e a máfia mexicana. Ou
do que o comentário do apresentador, Conan O’Brien, para dar conta do sucesso
do grande vencedor da noite, o filme Anora (à volta do romance entre uma “trabalhadora do
sexo” russo-americana de Brooklyn e o filho de um oligarca russo): “Calculo que os americanos se entusiasmem ao
verem finalmente alguém fazer frente a um russo poderoso”.
Do conclave anual da
Academia ao filme propriamente dito
A história do Conclave baseia-se no livro homónimo de Robert Harris, um mais que bem-sucedido autor de best-sellers. Harris foi o autor de Fatherland (1992) e, mais recentemente, da trilogia Imperium, uma ficção baseada na
história de Roma, na crise da República para o Principado. Fatherland, que li quando saiu, era um cenário de
contra-história, em que a Alemanha de Hitler ganhava a guerra.
Na narrativa de Harris, Conclave começa
com a morte de um Papa, talvez o actual Sumo Pontífice, já que o papa
ficcionado de Harris morre na Domus Sancta Marta, uma residência para hóspedes
do Vaticano, onde o Papa Francisco quis viver desde a sua eleição e onde mais
nenhum papa tinha vivido.
Conclave é uma dessas fitas bem cenografadas e
coreografadas, que nos transmitem um sentido de fidelidade àquilo que não
vimos, mas imaginamos: é como o último baile de Il Gatopardo, de Visconti,
ou a operática chacina dos trabalhadores grevistas na Greve, de
Eisenstein,
ou a carga de cavalaria em She Wore a Yellow Ribbon ,de John Ford. Os pátios e claustros de S. Pedro e do
Vaticano, as portas a fecharem-se, as irmãs da caridade a precipitarem-se para
o serviço, tudo tem um sentido ritual de
certeza e de fidelidade ao que é ou ao que tem sido. É uma das forças do
filme.
Outra das forças do filme é o deus ex machina do conclave, o cardeal-decano Lawrence, magnificamente interpretado por Ralph Fiennes, o do Paciente Inglês. Aqui Fiennes toma conta de tudo, da
logística, claro, mas também dos problemas críticos que vão surgindo ao longo
destes dias decisivos em que, para os que somos crentes, o Espírito Santo,
através do colégio dos cardeais, escolhe o representante de Cristo neste mundo.
O Papa São João Paulo II, no seu pontificado, emitiu um regulamento
actualizando as regras do conclave – a Constituição Apostólica Universi Dominici Gregis, de
Fevereiro de 1996, podendo os cardeais falar entre si do que quiserem, não lhes
é permitido fazer lobby, influenciar os outros, dizer-lhes em quem
votar. Neste Conclave não se respeitam essas
regras. Não
se faz outra coisa senão conspirar, enquanto Lawrence conduz, com eficácia e
decisão, os trabalhos. Nesse aspecto, a forma é excelente para dar a temperatura
do acontecimento e o suspense em relação ao resultado.
Nada disto
impede que a intenção do filme não seja claramente ideológica, que o é, e
maniqueísta, que também o é, com os esperados “maus” e “bons”. Os maus são os “conservadores”, o grupo
de cardeais que, se conseguirem eleger o seu candidato, vão “atirar a Igreja
para 60 anos atrás”. Os “bons” são os “liberais”.
Um dos conservadores é um
cardeal africano que, a dado momento, fica à frente na votação. Mas
abre-se uma mini-crise, quando uma das irmãs da caridade que presta serviço no
conclave aparece profundamente perturbada, a ponto de deixar cair uma travessa
na casa de jantar.
Lawrence investiga e obriga a renitente superiora (Isabella Rosselini) a
facilitar-lhe acesso à raiz do drama envolvendo
a freira; e descobre que o cardeal africano (africano mas conservador, logo,
mostrando pouca caridade pelos seus irmãos “homossexuais” e “predador”) tinha
tido, quando sacerdote, uma relação com a referida freira, da qual nascera uma
criança. Lawrence confronta o cardeal e leva-o, renitente, a desistir do
papado.
Com o conservador “moderado” fora da corrida, e um outro conservador –
desmedidamente ambicioso, ardiloso, mentiroso e manipulador, como só os
conservadores sabem ser – desmascarado, faltava o verdadeiro conservador,
aquele que os “bons” tinham a certeza absoluta que não podia ser Papa (sendo que esta certeza, como todas as
certezas dos “bons” da fita, não se inclui na certeza má, contra a qual fala o
decano como a maior inimiga da unidade). O cardeal
italiano, de Veneza, o cardeal Tedesco (Sergio Castellito) é então esse
conservador de caricatura. É um
energúmeno que quer fazer a guerra aos muçulmanos, a quem chama animais,
queimar as mesquitas, e expulsar os infiéis; e aparece sempre despenteado,
descomposto e a fumar charuto. É um conservador imaginado pela Esquerda, como
também podia ser um progressista imaginado pela Direita roncante.
Enfim, a
orientação política do autor do livro é conhecida, bem como a sua ideia de que
a política e o poder dominam tudo, mesmo uma assembleia dos mais ilustres
prelados da catolicidade.
Vem depois a principal nota ideológica do filme – a
certeza de que a dúvida é o grande sinal de fé e que a certeza é o grande
pecado e o grande inimigo da “unidade”.
Ora a dúvida, a dúvida crítica, a dúvida e discussão do acidental, não há
cristão que não a tenha ou possa ter, e até a dúvida de fé. Dúvida e fé, como escrevia Bento XVI, são
realidades em que tanto “o crente como o não crente participam, cada um à sua
maneira”, impedindo-os de “se fecharem totalmente em si mesmos”; e como alguém
também diz no filme, o próprio Jesus Cristo, teve, como homem, essa angústia e
essa dúvida na agonia na cruz. Porém,
condenar a certeza como o grande inimigo da unidade, da santidade e da
perfeição é já outra coisa.
A eleição de
um papa hermafrodita a aparecer como inesperada manifestação do “Espírito” por
razões de puro oportunismo político-ideológico é também toda uma outra – e
demagógica – coisa. A
narrativa, que até aí seguia uma agenda subliminar de propaganda, equilibrada pela
forma e pela acção (mais de thriller
político-policial do que de conclave) deixa de ser subliminar. Ir arranjar um
papa hermafrodita (condição percentualmente raríssima) não lembraria ao próprio
Mafarrico… Mas fica a dúvida.
A Sexta Coluna História Cultura Cinema
COMENTÁRIOS (de 19):19
Isabel Amorim: Muito boa análise como sempre de JNP. Vi o filme e a
certa altura desconfiei que trazia água no bico, pensei é que seria um
transexual. Cenários e actores bons mas previsível. Não acho piada a filmes que
querem surpreender mas que acabam por ser previsíveis. Um flop... Mais do
mesmo. Cansativo. Curioso não fazerem produção deste estilo com a religião
muçulmana para variar, parece que só existe uma religião, a católica (ou
cristã) ou então até se percebe a esta hora a probabilidade de começarem a
explodir salas de cinema aleatoriamente seria também previsível e incómodo.... Miguel Seabra: Para ganharem o Óscar
o papa tinha mesmo de ser transsexual, hermafrodita não chega….fica pra próxima…. António Fernandes: Acho piada não
brincarem com outras religiões ou será por não quererem as 100 virgens no céu? Luís Rodrigues: Do Conclave e de Anora vi recentemente cerca de metade
da duração. Nos dois casos apercebi-me de que estava a desperdiçar esse bem
precioso que é o tempo, e desisti de ver o restante. Embora o primeiro seja um
produto mais bem confeccionado que o segundo, ambos ilustram a decadência do
cinema, seja pelo seguidismo das modas ou pela simples inépcia. Maria
Emília Ranhada Santos: Muito importante artigo, pois o grande ataque neste momento é sem sombra de
dúvida à Igreja Católica! Tudo serve para a tentar destruir, mas isso nunca vai
acontecer e esta é uma certeza absoluta, porque foi o próprio Jesus Cristo quem
o disse! Quem domina a CS em todas as
esferas é o poder financeiro, está tudo dito! Há tempos li algo, já não sei onde foi, a dizer que o
chefão dos maçons, tinha ido ter uma reunião com certos cardeais do Vaticano,
para acordarem uma união entre as duas comunidades! Não sei se é verdade, mas a sê-lo, o que podemos mais
esperar? Mas eleger um papa hermafrodita significa que é mesmo essa seta maçónica
que está por detrás! Não é esse "papa"
que certamente os cristãos verdadeiros vão seguir! Jose Marques > Ruço
Cascais: Vai de retro
fedorento!
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