Uma escrita valiosa, de MARIA JOÃO AVILLEZ – corroborada
por comentadores sabedores – a respeito de registos vários – tanto na questão
de um jornalista seu amigo excelente, desaparecido, como na questão dos
registos de insensatez vivencial como constante nacional q.b., sem solução de
jeito, a que assistimos televisivamente ou de que fugimos com um rancor de
espanto, em busca d`A SENTENÇA do Canal 4, uma “mais-valia” programática igualmente
panorâmica, na questão dos comportamentos humanos…
Uma melancolia fininha
Nem o jornalismo, nem o país, nem o mundo, nem
a vida são o que já foram. Nós, os jornalistas, os portugueses, cidadãos
europeus. A mágoa permite a dúvida: “ce fut plus beau parce que ce fut inutile?”
MARIA JOÃO AVILLEZ Jornalista, colunista do Observador
OBSERVADOR,12 MAR. 2025, 00:2231
1Um dia, corria o verão de 1987, José
António Saraiva então director do Expresso, chamou-me inesperadamente ao seu
gabinete. Estava sozinho, tinha cara de caso, espantei-me: “acabo de receber
uma coisa extraordinária, não sei que faça, olhe para isto…” Abriu uma gaveta:
era uma sondagem de largo espectro onde se “lia” à transparência, uma estreia
absoluta na política portuguesa. Tratava-se
da antecipação da primeira maioria absoluta de Cavaco Silva nas eleições a
realizar um mês depois. Estávamos atónitos.
Convocadas pelo Presidente Soares,
trava-se de uma iniciativa eleitoral inesperada, motivadas pela queda do governo minoritário do PSD, mercê de uma
moção de censura parlamentar. Sabia-“se” que o Executivo de Cavaco Silva
mostrara animo e exibira velocidade no instinto reformista, o que o país
apreciara. Mas daí àquelas
cifras que nos pareciam astronómicas, que distancia ia afinal, que apanhava tão
desprevenidos o então director do Expresso e eu própria?
2O Zé António tinha gestos destes comigo, um misto de
desabafos, considerandos, pequenas confidências, troca de informações que o
acesso de cada um proporcionava ao outro e que “analisávamos” ambos. Coisas
assim.
Coisas – factos, imagens,
ocorrências, conversas com sintonia ou dissintonia, recordações avulsas sem
data e talvez sem propósito — que hoje lembro, com uma melancolia fininha,
sabendo que o tempo – tanto tempo — as capturou para sempre. Deixando-me, face
a uma morte brutal cujo anúncio eu inteiramente desconhecia, como uma espécie
de sem abrigo desse passado que tão vital foi para mim e do qual o Zé António
fez parte inteira e com assinatura.
Era um jornalista sui-generis.
Tão sui-generis, que uma vez ou outra,
quase me parecia vindo de Marte, pelo desconcerto que podia causar, fosse pelas
opiniões que emitia; por um raciocínio que subitamente irrompia da sua voz
cadenciada; pelas surpreendentes conclusões a que chegava, que pareciam
estranhamente destoar da realidade como ela se nos apresentava. Nada tinha a
ver com um defeito, longe disso, era uma característica constitutiva da sua
forma de ser. Era aquela sua tão singular “forma mentis”.
3José António Saraiva vinha da arquitectura, desaguou no jornalismo para
ficar e nunca saberei se de facto era um arquitecto “doublé” de jornalista, se
um jornalista “doublé” de arquitecto, o que sei é que era nessa dupla condição
que encenava os seus textos: marcando o quadro de um raciocínio baseado no
esquadro e na regra da razão, muito mais do que no instinto; ou na mera
informação; desenhando a sua análise na linha recta de uma lucidez e de uma
observação da natureza humana das quais se orgulhava; usando de uma escrita tão
permanentemente sincopada que ás vezes mais parecia descarnada das próprias
palavras. Mas era assim que escrevia, inesquecíveis textos alguns deles,
indispensáveis, outros mas sempre obrigatórios, mesmo quando, como por vezes
sucedia, desconcertavam antes do mais. Antes de alcançarmos — se fôssemos
capazes — o que devíamos percepcionar por detrás do desconcerto. Entrou no
Expresso ainda a revolução não tinha dez anos de idade e só saiu para
“inventar” um novo jornal. Foram anos
muito felizes de trabalho na mais inteira liberdade de imaginar, propor,
discutir, fazer. De estar “ali”,
na Duque de Palmela, no meio de uma redação magnífica, fazendo inteiramente
parte dela por mérito e com uma cumplicidade com o Zé António que, mesmo quando
esse espírito incluía a impaciência ou o vivo desacordo, durava. Durou.
E não foi senão tudo isto que recordei há dias, na igreja da Santíssima
Trindade de Miraflores onde me fui despedir do meu amigo e abraçar a sua
família.
4Tempos depois de trocar de morada,
encontrei-o um dia entusiasmadíssimo no seu novo gabinete, a contas com a
pré-produção do jornal que ia nascer – O Sol. A forma do seu entusiasmo era de baixo
grau — não exibia sentimentos, nem estados de alma; o conteúdo, lembro-me bem,
era de altíssima temperatura: “ia fazer
um jornal que ultrapassaria o Expresso e não havia de passar muito tempo”.
“Credo, Zé António”, retorqui-lhe eu,
descrente da façanha e agarrando-me à salvífica bengala da interjeição “credo”.
Não aconteceu o que ele previa mas não pude deixar de reter o desmedido empenho
posto naquele auto desafio. A vida passava, de vez em quando, falávamos.
Há poucos meses mandou-me uma mensagem
carinhosa por causa de uma carteira profissional (cuja ausência, em cartão
plastificado, pulverizaria automaticamente, segundo alguns, todo o trabalho
feito entretanto) sinalizando-me seu desconforto. Mas no fundo o que aquela
mensagem me transmitia era uma “presença”: a sua, comigo, mesmo que longe.
E não foi senão tudo isto que recordei há dias na igreja da Santíssima Trindade
de Miraflores onde me fui despedir do meu amigo e abraçar a sua família.
O tempo pesa sobre as coisas e a sua
passada apressada confere-me a implacável lucidez de saber que as coisas amadas
não voltam. É verdade que o jornalismo era outro, o país também,
o mundo também e a vida também. E que
hoje, nem o jornalismo, nem o país, nem o mundo, nem a vida são o que já
conseguimos que fossem. Nós os cidadãos, os jornalistas , os portugueses. Nós,
cidadãos nacionais, europeus e habitantes deste mundo, já fizemos melhor e
conseguimos mais.
A mágoa, tão fininha como a
melancolia do título, permite-me a dúvida: “ce fut plus beau parce que ce fut
inutile?”
PS: 1. Um
mistério: o Primeiro Ministro que vi há quarente e oito horas, no écran da CNN
não foi o mesmo que vi ontem à tarde, sentado na bancada governamental do
parlamento. Na segunda-feira à noite nada faria prever que aquele cavalheiro
sóbrio, sorridente, sereno, sem precisar de jogar à defesa, sem sombra de
tensão ou crispação, que conduzia himself a entrevista que lhe estava a ser
feita televisivamente, iria quase parecer um sem-abrigo a bater à porta de um
endinheirado arrogante? Só faltou Luís Montenegro e Pedro Duarte terem
oferecido o próprio governo ao PS. Porque deixaram para a 25ª hora o que tinham
para oferecer a um PS já decidido e sempre malcriado, a troco da manutenção
governativa? Quanta pressão de última hora, quanto ansiedade, quanta obsessão
na inverosimilhança de colocar o PS como culpado único pelo desenlace de uma
história infeliz e infelizmente sempre mal conduzida. Quanta ausência de
política. Um mistério e uma péssima surpresa… quando tudo era afinal mais que
previsível
Quanta arrogância na bancada
socialista, quanto uso do insulto, quanto abuso da sobranceria – Brilhante Dias
é olímpico! – quanta imprudente ilusão de vitória. O excesso de autoconfiança é
uma armadilha política mas eles não perceberam.
E quanta mentira no BE – hesito entre a má-fé, a ignorância, o desespero.
Ficaram incólumes da mentira, claro. Mas talvez não dos votos dos bons velhos
tempos, irremediavelmente já perdidos para sempre. Fazer política com o
estatuto do irremediável não deve ser sedutor.
Quanto inutilidade naquele espectáculo
geral, tão pouco abonatório. Tão danoso para o país, tão imbecilmente produtor
de incerteza. Pior era impossível.
5E no entanto… Portugal já viu actuar
politicamente Luís Montenegro como chefe do Governo. Não estava assim tão
descontente nem com o Primeiro Ministro, nem com o seu Executivo.
Também já viu Pedro Nuno Santos em acção
como chefe da família socialista e como líder da oposição. Não parecia apreciar
por aí além nem um, nem outro. Isto é, o país pode comparar, dois entendimentos
respectivos de fazer e interpretar a política. Teve mais de um ano de
“observação” em directo e ao vivo. Vai ser interessante ver como guardado
estava o bocado. O que é outra forma de dizer que o desfecho desta tão
pecaminosa saga pode ser menos pecaminoso do que a própria saga.
JORNALISMO MEDIA SOCIEDADE CRISE
POLÍTICA POLÍTICA
COMENTÁRIOS (de 31)
António Soares: Há dúvidas sobre o caso da
empresa de LM? Há. Há dúvidas sobre os contratos públicos e subsídios
atribuídos à empresa de PNS enquanto este esteve nos governos PS? Muitas. Há dúvidas quanto às ajudas de
custo que ajudaram a enriquecer PNS, morando este a dois passos da AR? Se
há...! Pior do que isso, há a certeza de que PNS foi um péssimo governante,
cujas decisões enquanto ministro causaram muitos milhares de milhões de euros
de prejuízo aos contribuintes, nomeadamente com a renacionalização da TAP e a
aquisição de despojos de carruagens, vulgo sucata, ao Reino de Espanha, para o
também sorvedouro de dinheiros públicos, conhecido por CP.
Pobre Portugal... Miguel
Seabra: Belíssima homenagem a José António Saraiva, um jornalista que fez a diferença
e marcou uma era. A geração que conheceu o Expresso de JAS sente esta
melancolia tão bem descrita pela MJA. O Expresso ainda existe mas mete dó. O
JAS partiu subitamente e não teve o reconhecimento e destaque que merecia. Até
hoje…. Obrigado MJA Carlos Chaves: Cara Maria João Avillez, agradeço-lhe a homenagem que aqui prestou a um
grande jornalista que nos vai fazer uma grande falta. “Entrou no Expresso ainda a revolução não
tinha dez anos de idade e só saiu para “inventar” um novo jornal.” Enquanto
José António Saraiva esteve no Expresso, não perdia uma edição, quando saiu do
Expresso e fundou o Sol (hoje Nascer do Sol), ainda acumulei a compra semanal
das duas edições durante algum tempo até perceber a deriva esquerdista e
populista do Expresso que me levou a rejeitá-lo, até hoje. Ficarei sempre
agradecido ao JAS pela fundação de um jornal que ainda hoje compro
religiosamente, sendo a par com o Diabo quase as únicas publicações que honram
o espaço de centro-direita. Que descanse em paz e os meus sentidos sentimentos
à família e aos amigos, como era o seu caso. P.S. Concordo com o que escreveu
sobre o que se passou ontem na Assembleia da República, mas é penoso assistir
às análises um pouco por todo o lado, incluindo o Observador, nunca o tinha
feito mas hoje tive que desligar a rádio Observador onde parece terem tirado
a manhã para promoverem as asquerosas figuras e a sórdida estratégia do partido
socialista. O evidente papel parcial da generalidade da comunicação social
vai ser decisivo para levar o PS e a extrema-esquerda novamente ao poder!
Talvez numa próxima crónica a Maria João, como grande jornalista e com uma
enorme experiência, nos possa ajudar a compreender porquê a CS assim age.
Antecipadamente agradeço-lhe.
Filipe Paes de Vasconcellos: Parabéns Luis Montenegro! Fez-me lembrar tanto o nosso
Francisco Sá Carneiro. Para quê governar nesta agonia passada, presente e futura? Com toda a
oposição a descarregar ódio, mentira, incompetência, falta de escrúpulos só
para destruir um homem que quer construir um país melhor, e está a construí-lo!
e tirá-lo da miséria, pobreza e ódio próprios de um regime socialista. Mas
alguém acredita que quando chegar a hora do Orçamento para 26 não irá haver o
espectáculo ainda mais degradante do que se passou com o anterior? Mas
alguém ainda acredita que com esta configuração parlamentar podemos transformar
Portugal? Esta gente quando vê alguém que se destaca pelas suas ideias,
propostas, qualidades e quer varrer de vez com esta “marmelada” ordinária não perdoa.
Destrói tudo e até o carácter daqueles que o têm. Também foi assim com o nosso
Sá Carneiro. Portanto, perante um “IMPASSE” ou “vai ou racha”! A política é
para homens e não para meninos com estados de alma.
E, fico-me por aqui. António
Lamas: Deus poupou o JAS de assistir ao deprimente espectáculo de ontem. Que o
guarde bem junto aos grandes jornalistas-Homens que também partiram. Francisco
Ramos > Carlos Chaves: Bom dia Carlos Chaves Enquanto
a MJA não lhe responde à questão que lhe colocou no final do seu comentário, e
que eu penso que nunca acontecerá, vou tentar dar-lhe uma. Um dia, a comer umas
sardinhas assadas, na companhia de alguém ligado à alta finança, ele me
esclareceu do seguinte: bom para os negócios é quando o PS está no governo. É
com ele que se fazem as grandes negociatas. É que o PS, além de se governar,
deixa que os outros se governem. Claro que tudo isto com a participação dum
povo iletrado e ingénuo. Porque é que pensa que António Costa nunca resolveu o
problema dos professores? Porque quanto maior for a bagunça nas escolas mais
ignorantes são os alunos. Um povo iletrado e ingénuo tende a votar à
esquerda. Num país, onde as pessoas tivessem dois dedos de testa, após António
Costa ter usurpado o poder da maneira indecorosa e ignóbil como se assenhoreou
dele, e as consequências que daí resultaram, alguma vez mais votaria neste PS? Mas
aí estão eles novamente, do alto da sua ignorância, a levar PNS ao colo a
caminho do poder. PNS um incompetente, inconstante, incapaz, e tudo temperado
com um pouco de desonestidade. Mas não são os jornalistas, que nós
acusamos, os responsáveis. Coitados deles! Estão ao serviço os
interesses ocultos. O grupo IMPRESA (Expresso e SIC) está neste
momento na primeira linha da cabala. Porquê? Consta que a
situação financeira do grupo não é a melhor. E parece que Montenegro não
está muito na disposição de pagar as contas. Logo têm de rapidamente
arranjar alguém que as pague, e o partido mais apto para o fazer é o PS: Manuel
Almeida Gonçalves: Há uma questão irresolúvel: Como é que Montenegro teve tão mau julgamento e
antecipação dos problemas que inevitavelmente resultariam de uma sociedade de
prestação de serviços familiar, face à sua condição de PM? Que indivíduo é este
incapaz de antever as graves consequências dos seus actos?
miguel cardoso: Exma. Senhora Dona Maria João Avilez: Leio com interesse a s suas crónicas, porque ancoradas
num tempo que já foi. É bom sentir alguém educado a escrever, numa altura de
grosseria sem limites e política do mais rasteiro que imaginar se pode. Será que para o futuro é a má educação que triunfa, ou
acabarão como as legiões de Átila, brutais e incivilizadas, derrotadas pela sua
própria maldade, ignorância do básico e lutas internas? A segunda hipótese é a minha esperança...Muito
respeitosamente Miguel Geraldes Cardoso
Maria Nunes:
Os artigos de
José António Saraiva vão fazer muita falta aos seus leitores. Jornalista
integro, corajoso e sem papas na língua. É sintomático como o seu
desaparecimento foi tão pouco divulgado pelos seus pares. Gente pequenina.
Tristão > Miguel Seabra: Não teve o destaque que
merecia porque deixou poucos amigos no meio jornalístico e político. A ousadia
de colocar em causa o todo-poderoso Expresso também não contribuiu em nada para
que mais amigos florescessem. Era alguém directo, desconcertante e tímido,
ninguém com estas características angulosas deixa muitos amigos… mas acrescento
eu, deixa um legado que muito aprecio.
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